Discurso no Senado Federal

RELATANDO SUA PARTICIPAÇÃO NA CONFERENCIA MUNDIAL HABITAT II, REALIZADA EM ISTAMBUL.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA HABITACIONAL.:
  • RELATANDO SUA PARTICIPAÇÃO NA CONFERENCIA MUNDIAL HABITAT II, REALIZADA EM ISTAMBUL.
Publicação
Publicação no DSF de 18/06/1996 - Página 10076
Assunto
Outros > POLITICA HABITACIONAL.
Indexação
  • RELATORIO, ORADOR, CONFERENCIA INTERNACIONAL, HABITAÇÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), PAIS ESTRANGEIRO, TURQUIA, PARTICIPAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG).
  • PREMIO, PROJETO, HABITAÇÃO, URBANISMO, PREFEITURA, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DO CEARA (CE), ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA.
  • COOPERAÇÃO, COMUNIDADE, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), ASSOCIAÇÕES, MORADOR, REDUÇÃO, CUSTO, CONSTRUÇÃO, HABITAÇÃO.
  • DEBATE, DESPEJO, HABITAÇÃO, DIREITOS SOCIAIS, COOPERAÇÃO, AMBITO INTERNACIONAL, PARTICIPAÇÃO, PRIMEIRO MUNDO, PAIS EM DESENVOLVIMENTO, AFRICA, ASIA, AMERICA LATINA.

O Sr. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Antes de mais nada, agradeço ao nobre Senador Jefferson Péres, que preside esta sessão, pela oportunidade que me proporciona fazer um rápido relato. Contudo, não haverá prejuízo ao relatório oficial que, conforme determina o regimento, será apresentado à Casa pela Comissão de Senadores que esteve presente à Conferência Mundial Habitat II, em Istambul.

Voltei ontem desse grande encontro mundial naquela histórica cidade turca, onde a Organização das Nações Unidas promoveu a última grande conferência do século que integrou uma série de outras, cujo conjunto é conhecido como Agenda Social. Teve início com a conferência sobre a Terra, a ECO-92, no Rio de Janeiro; a conferência sobre populações, no Cairo; a conferência sobre a mulher, em Pequim; a conferência sobre o desenvolvimento, em Copenhagen; a conferência sobre Direitos Humanos, em Viena. E, agora, a conferência Habitat II - em 1976 ocorreu o Habitat I, em Vancouver, no Canadá - encerra esse ciclo de grandes debates que tem, sobretudo, o condão de estimular governos, autoridades, organizações da sociedade civil, entidades não-governamentais, a refletirem sobre esses grandes problemas do mundo, problemas que desafiam nossa capacidade gestora, que desafiam nossa criatividade e que exigem muito esforço na sua superação.

Essa reunião contou com grande número de participantes e teve uma organização que a distinguiu dos demais encontros similares promovidos pela ONU: Pela primeira vez, as chamadas organizações não-governamentais participaram em caráter oficial; não foi apenas uma participação permitida ou uma participação informal. As chamadas organizações não-governamentais estavam lá, com uma presença muito ativa e bastante numerosa.

A Conferência se organizou em dois comitês. O chamado Comitê 1 era onde se davam as negociações em torno do documento básico que já havia sido previamente debatido entre os diversos países membros da ONU. Esse documento serviu de base para a discussão de alguns pontos que vou referir e que permaneciam ainda controversos. E o chamado Comitê 2, que justamente deveria ouvir as propostas das Organizações Não-Governamentais, dos fóruns, como os de parlamentares, as associações mundiais de grandes cidades, as universidades, as instituições de pesquisas.

Após o debate, em relação a esses temas, o Presidente do Comitê 2 apresentou um relatório que, juntamente com o relatório do Comitê 1, vai integrar, além da chamada Carta de Istambul, os documentos oficiais dessa grande Conferência, que foi o Habitat II. Esse é um aspecto singular e inovador, que exigiu, evidentemente, muito esforço de organização para que se pudesse captar e ordenar essas informações que vieram do mundo todo.

Tivemos também a oportunidade de presenciar a premiação de doze projetos do mundo inteiro, conhecidos como as melhores práticas em matéria de habitação e urbanismo. Uma delas, brasileira, desenvolvida por uma organização não-governamental francesa, GRET, com a Prefeitura de Fortaleza e o Governo do Estado do Ceará, mereceu esse prêmio pelo caráter integrador da iniciativa, uma vez que os Comitês de Moradores e o de Órgãos Governamentais são constituídos não apenas para envolver as pessoas na construção das suas moradias, mas na escolha do terreno, no processo de financiamento e assim por diante.

Ao todo foram selecionadas cerca de 400 boas práticas no mundo todo. E o Brasil teve cerca de 10% desse total como iniciativas que mereceram a atenção do Habitat II.

Isso demonstra que no nosso País, apesar das grandes dificuldades que temos em relação à questão da habitação - os números mais modestos calculam um déficit de cinco milhões de habitações no País -, há iniciativas bem sucedidas nos diferentes Estados e municípios do seu território.

A outra grande característica dessa Conferência foi o estímulo à parceria, isto é, o reconhecimento de que é impossível, por mais que se descentralizem para os municípios essas atividades de edificação de moradias, o Poder Público sozinho solucionar o problema, tal a sua magnitude.

Então, apela-se para a parceria - parceria com a comunidade, com Organizações Não-Governamentais, com iniciativas de sociedades de bairros, sociedades de moradores que possam contribuir para um barateamento dessas construções e também para a construção de unidades que permitam reduzir, num prazo razoável, o grande déficit que ainda temos.

O desafio que o Habitat apresentou é que o processo de urbanização global permanece acelerado. E o mais grave: no ano 2015, das 17 maiores cidades do mundo, teremos talvez uma do chamado mundo desenvolvido, do Primeiro Mundo. Todas as outras serão cidades do hoje convencionado Terceiro Mundo - Ásia, África e América Latina -, evidentemente, com graves problemas de infra-estrutura, água, energia elétrica, transporte e habitação.

Na verdade, quando falamos em urbanização nessas grandes cidades do chamado Terceiro Mundo, estamos forçando um pouco a expressão, porque, na periferia dessas grandes cidades, a rigor, as pessoas que lá moram não estão urbanizadas, inclusive no sentido literal da palavra, da urbanidade, do convívio entre as pessoas, por uma razão muito simples: elas não exercem, na plenitude, a cidadania, os seus direitos civis. Elas, portanto, estão num processo de pré-urbanização. Vieram do campo. Chegaram à periferia das cidades, amontoaram-se em lugares onde há uma carência enorme de serviços básicos. Não têm, inclusive, desenvolvida ainda a própria consciência, a própria cultura do que é viver numa cidade. Estariam, pois, a rigor, numa fase de pré-urbanização. Trata-se, portanto, de um problema muito sério, grave e que desafia os administradores, as autoridades locais e os programas a serem impostos pelos governos nacionais.

O documento básico, redigido a partir de pré-conferências que foram realizadas - a última delas foi em Nova Iorque -, contemplava ainda alguns tópicos que foram objeto de grande debate e de grande discussão, principalmente entre os países do chamado Primeiro Mundo e os países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, sobretudo da África, da Ásia e da América Latina.

O primeiro ponto apresentado foi o chamado direito à habitação. Organizações Não-Governamentais e muitos países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos pugnaram para que constasse expressamente do documento Habitat o direito à habitação, quer dizer, a habitação como um direito de todos.

Esse pleito contou com grande oposição, principalmente dos Estados Unidos e do Japão. Alegavam esses países que, adotando-se a redação como se propunha, um grande problema de natureza jurídica seria gerado, dando margem a pendências muito sérias em relação a contratos de locação, a despejos e assim por diante.

Havia, realmente, entre aqueles que defendiam uma redação precisa, que considerasse a habitação um direito de todos, o desejo de tornar mais difícil os despejos em casos de locação.

Prevaleceu uma redação para a qual muito contribuiu a delegação brasileira, que estava muito bem representada - ora pelo Embaixador Geraldo Holanda Cavalcante, ora pela Primeira Dama do País, Dona Ruth Cardoso, uma vez que o presidente designado previamente, o Ministro José Serra, não pôde comparecer por ter deixado o Ministério do Planejamento para concorrer à Prefeitura de São Paulo.

Na conferência, considerou-se como uma aspiração, um objetivo a ser perseguido pelos estados-membros da Organização das Nações Unidas propiciar condições às pessoas de terem uma moradia, de terem direito a uma casa, a um abrigo. Isso é até uma decorrência da Declaração Universal dos Direitos Humanos, quando da constituição da ONU, que, dentre um elenco de indicações de direitos humanos, citava também a questão da moradia, mas nunca como algo que constasse no estatuto jurídico dos países, pois iria gerar grande dificuldade no relacionamento contratual entre locadores e locatários.

Outro ponto também muito controverso foi a questão da colaboração internacional. Os países mais pobres insistiam para que se aumentasse a cooperação internacional, com vistas à solução dos problemas de moradia, principalmente de países como os Estados Unidos, Canadá, Japão e os da União Européia. Muitos deles julgavam que não dispunham de recursos para transferir para os países mais pobres e que cada um teria de procurar, na medida de suas possibilidades e da maior racionalidade que pudessem imprimir aos seus orçamentos, solucionar essas questões com seus próprios meios.

Uma outra questão que também suscitou muito debate e muita discussão na Conferência foi a que se referia ao chamado "despejo forçado". Quer dizer, em decorrência de processos de urbanização, de renovação urbana, que o Estado procurasse proteger as pessoas de modo a fazer com que não se aumentasse o número de desabrigados.

Devo dizer, por fim, que, com relação ainda à questão das organizações não-governamentais, Dona Ruth Cardoso teve oportunidade de fazer uma palestra em uma mesa redonda e colocou, com muita propriedade, a esperança que tinha e tem de que as organizações não-governamentais, que muito contribuíram para a redemocratização do País, para o seu retorno ao regime democrático, também pudessem contribuir para o resgate da chamada dívida social. Ou seja, mesmo que mantenham sua independência perante o Governo, sua autonomia de ação, não esgotassem todo o seu esforço, não esgotassem todo o talento dos seus integrantes na crítica persistente e permanente ao Governo. Mas procurassem, na medida do possível, colaborar para a solução dos graves problemas que ainda enfrentamos em nosso País.

E este novo modelo da Conferência Mundial das Cidades, o Habitat II, que estimula a parceria, que abrigou as organizações não-governamentais formalmente, recolhendo suas sugestões, suas opiniões e suas iniciativas bem-sucedidas, o que é um grande intercâmbio de experiências no mundo todo, deve muito a um brasileiro, Jorge Wilheim, Secretário-Executivo da Conferência. Trata-se de um arquiteto brasileiro, ex-Secretário de Planejamento do Estado de São Paulo, um homem com muita experiência nessa área e que foi fundamental para o conceito dessas conferências mundiais, como o caso do Habitat II, que é justamente a idéia da valorização da parceria e a participação das organizações não-governamentais.

Mas, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, com esse breve relato, quis mostrar a importância dessa reunião, chamando a atenção para a gravidade do problema. Esse é um problema muito sério. Ainda há pouco, o Senador Valmir Campelo falava sobre essa questão. O processo de urbanização no mundo todo está se dando de maneira muito veloz, muito rápido, os assentamentos urbanos estão enfrentando dificuldades enormes, sobretudo nos países pobres e em desenvolvimento.

O importante agora é que se estabeleça um mecanismo de acompanhamento dessas decisões do Habitat. Elas não têm o poder coercitivo, quer dizer, o poder de determinar, de compelir os países-membros signatários do documento da Conferência a realizar aqueles projetos e idéias que estão contidas no documento final. Ao serem signatários do documento, comprometem-se a tudo fazer para torná-lo uma realidade, não mais uma intenção. Cabe-nos, no caso brasileiro, nos organizarmos para o processo de acompanhamento e para cobrarmos do Governo a execução do plano de ação, que inclusive foi enviado à Secretaria-Geral do Habitat II, de modo a não apenas sermos fiéis aos compromissos internacionais, mas reduzirmos esse grave problema do Brasil, que é a questão das grandes cidades que, sendo assunto de interesse local, de responsabilidade imediata das autoridades locais, dos prefeitos, só podem ser resolvidos dentro de um projeto nacional, de um grande plano nacional que mobilize recursos e esforços, inclusive vontade política para executá-lo.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

Agradeço, inclusive, a V. Exª a cessão de tempo que me permitiu fazer esse breve relato.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/06/1996 - Página 10076