Discurso no Senado Federal

CRITICANDO A BUSCA DE BENEFICIOS ELEITORAIS NO GERENCIAMENTO DE POLITICAS ECONOMICAS NO ATUAL GOVERNO.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES.:
  • CRITICANDO A BUSCA DE BENEFICIOS ELEITORAIS NO GERENCIAMENTO DE POLITICAS ECONOMICAS NO ATUAL GOVERNO.
Publicação
Publicação no DSF de 18/06/1996 - Página 10079
Assunto
Outros > ELEIÇÕES.
Indexação
  • CRITICA, MANIPULAÇÃO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO FEDERAL, OBJETIVO, VITORIA, CAMPANHA ELEITORAL, ELEIÇÃO MUNICIPAL.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, parece que é difícil encontrarmos no mundo uma sociedade em que os componentes políticos, a supra-estrutura política tenha tanta importância como no Brasil.

Os programas econômicos que pretendem ter uma cobertura, uma capa técnica, neutra, científica, na realidade, não passam de mecanismos cronometrados para permitir a vitória eleitoral daqueles grupos que adotam esses pacotes tidos como científicos, como técnicos e como neutros.

Já escrevi, certa vez, que ao invés da tal da Economics, da Ciência Econômica, o que existe no Brasil é "economia politiqueira" - e transformam seus conhecimentos, tornando-se PHDs nessa modalidade de economia, aqueles que se especializam no exterior. Nem Economia Política me parece ser, porque Economia Política é a denominação dada aos clássicos, àqueles grandes pensadores que dominaram o panorama do século passado.

Para começar, eles invertem o mundo e dizem que o problema do Brasil é de excesso de consumo, que os brasileiros consomem demais e, conseqüentemente, aumentam a demanda e provocam a inflação. Esse é um diagnóstico invertido. O Brasil tem uma renda per capita dez vezes menor do que a do Japão; com isso, a inflação no Japão deveria ser muito maior do que a existente no Brasil. Nos Estados Unidos, a renda per capita e o consumo são dez vezes superiores aos nossos. No entanto, sabemos que, no Japão e nos Estados Unidos, há taxas de inflação modestas, reduzidas.

O diagnóstico é invertido. Dizem que consumimos, compramos e gastamos demais, com o intuito de justificarem o arrocho salarial, o enxugamento, a demissão de funcionários, a chamada reengenharia, o down-sizing e outras medidas que visam a colocar em prática esse pacote.

Os economistas, os conselheiros do príncipe, os formuladores de nossas políticas têm pouca imaginação; durante toda a vida, fazem uma espécie de música de três notas só: discutem a vida inteira e fazem pequenas alterações sobre a taxa de câmbio, o salário nominal, o déficit orçamentário e poucas outras variáveis do sistema. Portanto, mexendo com essas coisinhas só, a imaginação tem que atrofiar. Não há imaginação nesse meio dos politics makers, dos fazedores de política econômica no Brasil.

Pois bem, mostrando o primado do político, vamos agora entrar em uma nova fase. Dizem que o desemprego está em 5%, mas eles sabem que a realidade é um múltiplo desses cinco. E quem está desempregado não vota no Governo, pois sabe muito bem que está nessa situação devido a esse pacote que fizeram baixar sobre nós, devido a essas medidas provisórias que caem sobre a sociedade brasileira, sem que nós, do Legislativo, possamos alterá-las ou, sequer, negá-las.

Logo, quem faliu também não vota no Governo, e o número de falências ultrapassou 1.300 em São Paulo e 300 por mês em Brasília. Desse modo, é evidente que o Governo não pode contar com esse eleitorado.

Quanto aos funcionários públicos, àqueles que o Governo reconhece oficialmente que deve 46% a mais de reposição, desse segmento da população o Governo também não pode esperar votos, porque o Banco Central ia dar um aumento entre 46 e mais de 70%, mas reconhece esse atraso, essa falta de amparo, retira deles a data base.

Diante desse quadro, percebemos que o enxugamento levou à falência esses bancos beneficiados pelo Proer. Até banqueiro quebrou neste País. De modo que os 180 mil bancários que estão sendo ameaçados de demissão também não vão votar no Governo nas próximas eleições municipais.

Diante desta situação, nós nos deparamos com a fala do Dr. Antonio Kandir ao tomar posse no Ministério do Planejamento. É evidente que é impossível acompanhar os 40 minutos de falação de S. Exª, mas, no final, resumiu o seu pronunciamento em três palavras repetidas: austeridade, austeridade e austeridade. E assim encerrou o seu pronunciamento.

Quando o Ministro do Planejamento afirma e reafirma austeridade para nos comandar, Gustavo Franco diz, no mesmo dia, aos jornais justamente o contrário. Gustavo Franco, Diretor do Banco Central, afirma que agora chegou a hora de retomar o desenvolvimento, de fazer novos investimentos, e a inflação vai voltar. Ou seja, vão molhar aquilo que enxugaram, vão tentar ganhar as eleições.

É a política comandando de novo a economia. Chegou-se ao ponto de inflexão desse pacote governamental que levou à Presidência da República o Professor Fernando Henrique Cardoso. Chegou a hora de dar marcha a ré em toda essa engenharia, de fazer uma reengenharia do Plano Real, porque o mesmo tornou-se incompatível com a manutenção da base política municipal do Governo Fernando Henrique Cardoso. Eles não vão enfrentar as eleições nessas condições. Agora, ao invés da austeridade, vão à gastança. Vai começar a gastança!

Sabemos muito bem que, para passar diversas dessas medidas desumanas, foi preciso recorrer ao "é dando que se recebe", ao fisiologismo, mas um fisiologismo intramuros, só para aqueles políticos que poderiam ser coabitados por favores e benesses.

Agora, não se restaurando a moralidade, todos nos locupletaremos; as benesses serão distribuídas a mancheias, e, neste curto espaço de tempo, veremos, infelizmente, que o contrário, o avesso das medidas tomadas até agora será adotado, como o reempreguismo do qual o Ministro da Previdência Social, aliás, já se valeu, ao empregar, sem concurso, duas pessoas como fiscais, sobre quem pesava um processo na Justiça de seus Estados. O empreguismo eleitoral, que até agora foi considerado uma desgraça, voltará a funcionar, assim como a gastança eleitoral.

Se o Governo não tivesse despendido R$19 bilhões com os bancos quebrados, talvez pudesse dispor de maiores recursos para a enchente eleitoral que substituirá esse enxugamento praticado até pouco tempo.

De modo que estamos sem armas; não temos essas armas de grande alcance que estão instaladas no Banco Central, na Administração Pública, nas televisões e rádios oficiais. Não temos essas armas. Portanto, a disputa eleitoral será completamente desigual. A isso chamam democracia.

Na Itália, a inteligência é respeitada de tal forma que Norberto Bobbio, um dos maiores pensadores vivos, tão ilustre que se tornou um Senador vitalício sem voto algum, só pela sua inteligência, pela sua obra e pela sua competência. Em um dos seus artigos intitulado "O dever de sermos pessimistas", diz que temos a obrigação, o dever de não termos medo de sermos pessimistas. Já dizia Voltaire, em sua obra denominada Cândido: "O otimista é aquele que diz que tudo vai bem, quando tudo vai mal." Portanto, sou um pessimista a curto prazo e o maior dos otimistas a longo prazo. O homem não é um projeto errado; o ser humano não é um intento equivocado; vai dar certo e não está fadado a ser um projeto que dá errado. No futuro, veremos que o ser humano será capaz de desenvolver todas as suas potencialidades. Mas, no momento atual, só podemos ser pessimistas. O que irá acontecer neste round do Plano Real se as sugestões do Diretor Gustavo Franco forem seguidas? Será, obviamente - como ele próprio diz -, o retorno da inflação, com tonalidades políticas, ocasionada pelas despesas eleitorais que virão.

O Diretor comenta sobre gastos e mais gastos; em contrapartida, o novo Ministro nos vem com austeridade, austeridade, austeridade. Diante dessas posições tão díspares, o árbitro da sentença final, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, diz: "no meu governo quem manda sou eu". Desta forma, será Sua Excelência quem decidirá entre austeridade e gastança.

Se o caminho fácil da gastança for o escolhido para a vitória eleitoral próxima, o que teremos futuramente? Não é preciso bola de cristal para isso. É o óbvio ululante! Basta não ficarmos presos, como os economistas, num samba de três notas apenas: taxa de câmbio, taxas de juros e déficit orçamentário.

Chamaremos o Dornbusch para sabermos se o câmbio está alto ou baixo. É uma completa falta de imaginação e extrema monotonia nessa pseudo ciência econômico-financeira. Se houver o recrudescimento da inflação, como prevê e afirma aquele que nos comanda e está com o dedo nos botões, Sr. Gustavo Franco, Diretor do Banco Central, depois das próximas eleições municipais ganhas ou perdidas, com a base política feita para os próximos 20 anos, como agora dizem FHC e seus assessores e sua entourage - repetindo o que Fernando Collor dizia quanto a seu governo estar sendo feito para durar 20 anos - teremos um novo calote.

Aqueles que tendo esquecido tudo que sofreram quanto ao desemprego, à falência, à destruição de suas indústrias, como a do Dr. Midlin, dono da outrora mais pujante indústria de autopeças, a Metal Leve, que acaba de ser entregue para o capital estrangeiro, se nós, brasileiros, esquecermos tudo isso e apoiarmos os candidatos oficiais de chapa branca, teremos algo para não nos esquecermos mais: o segundo calote, o calote 2, que virá depois da inflação política, que vai tentar vencer as próximas eleições municipais.

Desejo que a minha visão não venha a se realizar, que o Brasil já tenha amadurecido o suficiente para não suportar e não aceitar que esses golpes planejados nos gabinetes por tecnocratas e economistas politiqueiros sejam lançados novamente sobre o Brasil. O futuro dirá se as minhas palavras estão corretas ou não.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/06/1996 - Página 10079