Discurso no Senado Federal

ENFOQUE INADEQUADO DE NOTICIAS PUBLICADAS NOS JORNAIS SOBRE A DESATIVAÇÃO DO ESCRITORIO DO PROGRAMA MUNDIAL DE ALIMENTOS (PMA), DAS NAÇÕES UNIDAS, NO BRASIL, DETERMINANDO DE IMEDIATO A SUSPENSÃO DA AJUDA, PROPORCIONADA A 32 ANOS POR AQUELE ORGANISMO INTERNACIONAL, AO PROGRAMA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR (PNMA), APOS TER SIDO PREMIADO PELA SUA EFICIENCIA.

Autor
Odacir Soares (PFL - Partido da Frente Liberal/RO)
Nome completo: Odacir Soares Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • ENFOQUE INADEQUADO DE NOTICIAS PUBLICADAS NOS JORNAIS SOBRE A DESATIVAÇÃO DO ESCRITORIO DO PROGRAMA MUNDIAL DE ALIMENTOS (PMA), DAS NAÇÕES UNIDAS, NO BRASIL, DETERMINANDO DE IMEDIATO A SUSPENSÃO DA AJUDA, PROPORCIONADA A 32 ANOS POR AQUELE ORGANISMO INTERNACIONAL, AO PROGRAMA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR (PNMA), APOS TER SIDO PREMIADO PELA SUA EFICIENCIA.
Publicação
Publicação no DSF de 14/06/1996 - Página 9999
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, INEXATIDÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, REFERENCIA, SUSPENSÃO, AUXILIO, PROGRAMA MUNDIAL, ALIMENTOS, PROGRAMA NACIONAL, ALIMENTAÇÃO ESCOLAR, MOTIVO, CRISE, SITUAÇÃO FINANCEIRA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU).
  • ELOGIO, PROGRAMA NACIONAL, ALIMENTAÇÃO ESCOLAR, FUNDAÇÃO DE ASSISTENCIA AO ESTUDANTE (FAE), DESCENTRALIZAÇÃO, REPASSE, RECURSOS, MUNICIPIOS, MELHORIA, INDICE, EDUCAÇÃO.
  • NECESSIDADE, BUSCA, SOLUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL.

           O SR. ODACIR SOARES (PFL-RO) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, os jornais publicaram, no início do mês, a notícia da desativação do escritório do Programa Mundial de Alimentos, PMA, das Nações Unidas, no Brasil. Tal acontecimento determinou, de imediato, a suspensão da ajuda proporcionada por aquele organismo internacional ao Programa Nacional de Alimentação Escolar - PMNA.

           Acrescentaram os jornais que a principal razão dessa medida teria sido o sucesso que vem obtendo o programa descentralizado da merenda escolar, no Brasil, cujos resultados surpreendentes estariam levando a ONU a exportá-lo para outros países em desenvolvimento.

           Não menos surpreendente é a conclusão a que chegaram os responsáveis pelo noticiário em causa:

           "Assim, de receptor de alimentos, o Brasil, depois de ter recebido durante 32 anos doações de alimentos de outros países, por intermédio da ONU, passa a doador de víveres para países africanos de língua portuguesa, particularmente, Angola, Moçambique e Cabo Verde".

           Tal como foi divulgado, o acontecimento oferece-nos uma amostra paradigmática de um tipo de notícia cujo enfoque inadequado pode facilmente induzir os leitores às mais absurdas interpretações.

           Com efeito, não são poucos os leitores que se puseram a indagar por que a ONU premia a eficiência do Programa Nacional de Alimentação Escolar, privando-o de uma ajuda que lhe vinha proporcionando há 32 anos?

           Como entender que a eficácia na luta contra a desnutrição de escolares acarrete, de imediato, a suspensão de um suprimento alimentar que vinha, seguramente, concorrendo para que tal eficácia se fizesse sentir? Efetivamente, por mais que se tente, não se consegue vislumbrar o nexo lógico, a relação de causa e efeito capaz de articular estes dois fatos inconciliáveis: a eficiência na distribuição de alimentos e o corte nos suprimentos que concorriam para o êxito dessa distribuição!

           Sr. Presidente, Srs. Senadores, as perplexidades geradas pela notícia da desativação do escritório do P.M.A da Organização das Nações Unidas no Brasil, são fruto de interpretações equivocadas, favorecidas por um noticiário que enfatizou causas secundárias da medida, deixando de lado suas razões decisivas.

           Na verdade, a suspensão da ajuda do PMA ao Brasil foi decidida pela ONU devido à necessidade, constatada por aquela entidade, de suprimir 20 dos noventa escritórios que tem, hoje, no mundo.

           Tal medida, por outro lado, impõe-se, em razão da crise financeira que afeta a ONU, motivada pela inadimplência de alguns países na quitação das contribuições que lhes tocam como membros daquela organização.

           O Brasil não foi o único país a ser excluído do Programa Mundial de Alimentos. Outros 19 países, como o México e o Paraguai, também o foram.

           Face à crise financeira que enfrenta, a ONU houve por bem retirar-se daqueles países onde a situação de penúria alimentar não é tão aguda, para concentrar recursos em áreas de calamidade, como Angola, Sudão, Moçambique, Libéria etc.

           Antes de tomar sua decisão, o PMA realizou estudos e avaliações sobre a situação específica do Brasil.

           Entre as razões que pesaram para a retirada do Brasil da lista de países prioritários para o recebimento de ajuda alimentar, avulta o sucesso que o Programa Nacional de Alimentação Escolar, coordenado pela FAE ( Fundação de Assistência ao Estudante) vem obtendo, nos últimos anos, depois que adotou a política de repasse direto aos Estados e Municípios, dos recursos destinados à compra de alimentos.

           Tal política começou a ser implantada em 1991, e acelerada no governo Itamar Franco, sob a administração do Ministro Murílio Hingel. Hoje, 80% dos quase cinco mil municípios brasileiros recebem diretamente os recursos da Fundação de Assistência ao Estudante - FAE, para as compras de merenda escolar, num montante de R$ 650 milhões por ano.

           Esse repasse direto aos municípios, além de fortalecer os municípios, os pequenos agricultores, os comércios locais e as pequenas empresas, tem, sobretudo, contribuído para reduzir os desvios de dinheiro, permitindo, assim, que a merenda seja farta e adequada à região.

           Frise-se que o Programa Nacional de Alimentação Escolar é um programa eminentemente educacional, não devendo, por conseguinte, ser confundido com eventuais programas públicos de combate à fome, como por exemplo o coordenado pela Comunidade Solidária.

           Buscando suprir as carências calórico-proteicas das crianças matriculadas nas escolas públicas (hoje são atendidos 32.096.498 de escolares em 184.396 escolas, segundo o Relatório Final do Simpósio do Programa de Alimentação Escolar na América Latina), o PNAE tem, como objetivo primordial, reduzir os índices de EVASÃO, REPETÊNCIA e INFREQUÊNCIA escolares, comumente apontadas como fruto e conseqüência das disfunções no desenvolvimento físico e intelectual das crianças, geradas pela desnutrição.

           Tais objetivos começaram a ser, efetivamente, atingidos, de forma mais expressiva, após a implantação das medidas descentralizantes.

           De fato, entre 1992 e 1995, segundo consta do relatório final da Missão FAE/PMA, as taxas de evasão escolar sofreram uma queda de 39% ; a taxa global de repetência, por sua vez, caiu de 29,56%, em 1992, para 20,73, em 1995 e, por último, o grau de absenteísmo dos alunos desceu de 28,98%, em 1992, para 9,11%, em 1995, o que equivale a dizer que a infreqüência experimentou uma queda da ordem de 69%, comprovando que, num país atormentado pela fome e desnutrição, reinantes em suas populações carentes, a merenda escolar constitui, senão a única, pelo menos, a mais forte motivação para a assiduidade nas escolas públicas.

           Sr. Presidente, Srs. Senadores, os comentários até aqui expendidos, permitem-nos formular as conclusões que passamos a enumerar.

           1 - A exclusão do Brasil, e de mais 19 outros países, do programa de ajuda alimentar da ONU não deve ser interpretado como sintoma do encolhimento do mapa da fome no mundo, e sim, como conseqüência do encolhimento dos recursos que as nações filiadas à ONU, sobretudo as mais ricas, vêm destinando a programas de combate à fome e à miséria no mundo.

           2 - O reconhecimento internacional dos êxitos da FAE, obtidos com a descentralização da merenda escolar, não equivale a um atestado de que a fome e desnutrição foram finalmente banidas do quadro social brasileiro. Ele sinaliza, isso sim, para o fato de que, quando nossos governos se aplicam com seriedade ao equacionamento de seus problemas sociais, utilizando, com racionalidade e com austeridade, os recursos disponíveis para tanto, logo surgem soluções tão criativas e tão bem-sucedidas, que estas não tardam a ser adotadas como modelos para outros países, em todo mundo.

           3 - Da mesma forma, o sucesso em comento ainda não se apresenta suficientemente consolidado, a ponto de redimir a FAE dos erros de um passado não muito remoto, que muitas vezes, colocou aquele órgão no foco de denúncias e de inquéritos relacionados com superfaturamentos e com irregularidades outras praticadas na compra centralizada de alimentos, de livros e de outros materiais didáticos, destinados aos escolares brasileiros.

           Tal sucesso , que de forma alguma estou pretendendo minimizar, deve, antes de tudo, encorajar a FAE a levar de vencida os desafios que ainda lhe cabe superar, e que, segundo o Relatório Final da Missão FAE/PMA, constituída expressamente para estudar a descentralização do PNAE, em 90 municípios dos Estados assistidos pelo PMA, poderiam ser compendiados nesta declaração de um dos participantes da Missão ao Correio Brasiliense de 4 de junho do corrente:

           "Mandar dinheiro para o município não é suficiente. É preciso dar assistência técnica para viabilizar, por exemplo, a licitação entre produtores, senão, o recurso sai de Brasília, vai para o interior e volta para o atacadista em São Paulo".

           4 - Outras providências susceptíveis de concorrer para a consolidação da austeridade nos procedimentos da FAE constam, também, das recomendações do já mencionado relatório FAE/PMA, a seguir relacionadas:

           - parceria do PNAE com os Tribunais de Conta dos municípios, Secretarias Estaduais de Fazenda e Prefeituras, com o objetivo de simplificar o processo de compra de alimentos;

           - criação de uma Comissão Executiva de acompanhamento da Merenda Escolar, com representantes do governo e da sociedade civil.

           Acredito que medidas como estas, de certo, viriam contribuir para eliminar a corrupção e outros vícios que tanto têm comprometido as ações da FAE, em passado recente.

           5 - Por fim, uma última conclusão é sugerida pelo confronto da medida tomada pela ONU com os dados exibidos pelo Banco Mundial, em seu "Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial - 1995.

           Nele o Brasil é incluído no grupo dos 21 países cujas economias registram uma renda média alta, cujo limite mínimo é de US$ 2.785,00 e o máximo é de US$ 8.626,00 do Produto Nacional Bruto "per capta".

           Essa honrosa posição seria bem mais lisonjeira, se, paralelamente, não constasse que, dentro desse grupo, o Brasil ostenta quatro performances extremamente inglórias:

a) menor porcentagem de gastos em educação e saúde em relação à despesa total (3,6% e 5,2%, respectivamente);

b) mais alta taxa de mortalidade infantil por mil nascidos vivos (de cada mil crianças que nascem, morrem 57);

c) maior índice de concentração de renda do grupo, onde os 20% mais pobres detêm 2,1% da renda nacional, enquanto os 10% mais ricos detêm 51,3% da renda (dados de 1989);

d) a esperança de vida para mulheres e homens no Brasil (69 anos e 64 anos, respectivamente) é uma das mais baixas do grupo.

Fonte TCU - Relatório e parecer prévio sobre as contas do governo da República (1995).

           Se nos pusermos a refletir sobre essas escandalosas contradições nacionais, não tardaremos a admitir que, efetivamente, não é tanto da ajuda alimentar que estamos carecendo, quanto de um vigoroso tranco, venha ele de onde vier , que sacuda a nossa indiferença e ajude-nos a nos dedicarmos com seriedade à busca de soluções definitivas para essas vexaminosas mazelas, que tanto nos denigrem e tanto nos envergonham perante a opinião pública mundial.

           É o que penso, Sr. Presidente. Obrigado


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/06/1996 - Página 9999