Discurso no Senado Federal

DEFESA DE PROJETO DE LEI DA CAMARA QUE REDUZ A MULTA DE MORA DE DEZ PARA DOIS POR CENTO NO CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA POPULAR.:
  • DEFESA DE PROJETO DE LEI DA CAMARA QUE REDUZ A MULTA DE MORA DE DEZ PARA DOIS POR CENTO NO CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
Aparteantes
Nabor Júnior, Valmir Campelo.
Publicação
Publicação no DSF de 15/06/1996 - Página 10038
Assunto
Outros > ECONOMIA POPULAR.
Indexação
  • APOIO, PROJETO DE LEI, ALTERAÇÃO, CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, REDUÇÃO, PERCENTAGEM, MULTA, JUROS DE MORA, INADIMPLENCIA, OBRIGAÇÃO, MOTIVO, ESTABILIZAÇÃO, MOEDA, PLANO, REAL.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, por ocasião dos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, havia, por parte de seus integrantes, a preocupação de termos no Brasil um mecanismo que atuasse na defesa do consumidor.

A nossa geração ouvia falar do Sr. Ralph Nader, dos Estados Unidos, que empreendia uma batalha incansável em favor do consumidor. Após algum tempo, conseguimos incluir no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, em seu art. 48, o seguinte dispositivo:

      "O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor".

Lembro-me, Sr. Presidente, de que contei, em relação a esse dispositivo - talvez seja esta uma bela coincidência -, com a ajuda do então Deputado Federal Constituinte, presente a esta sessão, o Senador Valmir Campelo. S. Exª, que há tempos havia feito do Distrito Federal o seu segundo local de nascimento, dizia que aqui a luta pelos direitos dos consumidores ainda era muito tênue, muito frágil. E outro Senador, o nosso Senador Nabor Júnior, dizia que no Acre, onde lutava pela mesma questão, a situação era a mesma. Tenho certeza de que se V. Exª, que preside a sessão de hoje, tivesse sido Constituinte, também se haveria integrado a essa nossa luta.

É claro que os seis meses subseqüentes não foram suficientes para que chegássemos a esse nosso objetivo. Quem dava competência para que pudéssemos propor o Código de Defesa do Consumidor? A sua elaboração levou algum tempo: só no dia 11 de setembro de 1990, pela Lei nº 8.078, tivemos implantado o Código de Defesa do Consumidor.

No primeiro instante, a população, não acostumada a desenvolver a sua luta nesse campo, estranhava que fosse possível que existissem mecanismos de defesa em seu favor. Hoje, no entanto, isso já é realidade. Por exemplo: o Código de Defesa do Consumidor havia estabelecido, em uma época em que a inflação era alta, multa de 10% - multa essa de mora - decorrente do inadimplemento de obrigações no seu termo. Hoje, há um projeto já aprovado na Câmara dos Deputados que pretende alterar esse dispositivo - § 1º do art. 52 - do Código de Defesa do Consumidor, em virtude de estarmos vivendo situação diferente. O projeto pretende limitar esse percentual a 2%.

Designado Relator, examinei a matéria. Venho abordá-la, porque noto que há nos corredores e fora deles pressão muito grande, e até certo ponto incorreta, no sentido de que esse projeto não seja aprovado. Devo declarar que, no meu entendimento, hoje estamos vivendo um outro contexto, diferente daquele de há 6 anos atrás, quando o Código do Consumidor foi dado a lume através da lei a que ainda há pouco me referi. Por quê? Porque o Plano Real proporcionou substancial queda da inflação. A partir daí, estamos mais ou menos entendidos de que ela vai permanecer sob controle, em termos afinados, em torno de no máximo 1%.

Ora, se a defesa do consumidor foi um dos princípios observados pela ordem econômica, leio com prazer aquilo que significou grande luta de todos os Constituintes - o art. 170 da nossa Carta:

      "A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

V - defesa do consumidor".

Ora, quem desconhece que quando o Código de Defesa do Consumidor veio nós vivíamos as dificuldades decorrentes de índices inflacionários muito altos? Todos sabemos que foi por essa razão que se estipulou o índice de 10% de juros de mora.

Ocorre, Sr. Presidente, que precisamos adequar esse teto estabelecido pela lei à realidade atual. Por quê? Porque, se isso não for feito, vamos onerar excessivamente o consumidor inadimplente.

Tanto isso é verdade que, ao onerar esse consumidor, vamos proporcionar ganhos despropositados aos fornecedores, que, inclusive, passam a ter interesse nessa inadimplência. Por quê? Porque a multa, no seu valor, é muito superior à remuneração que obteriam em aplicações financeiras com o valor da prestação.

Hoje, quem desconhece - havia até uma emenda nesse sentido, de autoria do eminente Senador Ronaldo Cunha Lima - que devíamos aplicar o índice da caderneta de poupança? Ora, se a caderneta de poupança hoje está 1,2% ou 1,3%, é evidente que aquele cidadão que quer aplicar ao consumidor a multa de 10% vai incentivar essa mora.

De modo que esta será a posição adotada, pelo menos a minha, no sentido de podermos proporcionar ao consumidor um mecanismo de defesa no juro, cujo percentual não seja extorsivo.

O Sr. Valmir Campelo - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Ouço V. Exª, eminente Senador Valmir Campelo, com muito prazer.

O Sr. Valmir Campelo - Nobre Senador Bernardo Cabral, cumprimento V. Exª pelo seu discurso. Participamos da Assembléia Nacional Constituinte e tivemos o privilégio de ter V. Exª como Relator-Geral da nova Constituição. Na verdade, até então, o consumidor brasileiro não dispunha, absolutamente, de nenhum amparo que garantisse seus direitos. Naquela ocasião, como sempre, V. Exª foi muito sensível a todos os problemas nacionais - levei algumas propostas de minha autoria, como a dos aposentados, aquela que fez o equilíbrio entre os inativos e os ativos, que V. Exª acolheu - e, depois de discutirmos, foi aí que, através do art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, V. Exª fez constar que, dentro de um determinado prazo, seria apresentado e votado o Código de Defesa do Consumidor, que é um manual muito bem feito, bem detalhado. E hoje V. Exª, já sentindo a nova realidade da situação nacional, com o Plano Real, aborda esse problema com objetividade. Não podemos sobretaxar aqueles que, por um motivo ou outro, atrasam seus pagamentos, acumulando suas dívidas. Quero testemunhar, como Constituinte de 1988, o que se passou na Assembléia Nacional Constituinte e parabenizar V. Exª pela sugestão de atualizarmos a correção das multas, de acordo com a dinâmica, de acordo com a realidade nacional. Concordo com V. Exª e trabalharei no sentido de aprovarmos essa nova legislação.

O SR. BERNARDO CABRAL - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Valmir Campelo. Enquanto houver sensibilidade por parte dos Parlamentares, tal qual V. Exª, no sentido de encarar uma realidade que está aí a nossa frente - realidade que se espraia lá em cima, na Amazônia Ocidental, com muito mais dificuldade, se tivermos Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima dentro de especificações que não possam ser controladas; por isso o meu parecer favorável na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que espero vê-lo também aqui no plenário - poderemos ter algum mecanismo de controle em favor do consumidor.

O Sr. Nabor Júnior - V. Exª me permite um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Nabor Júnior - Senador Bernardo Cabral, esse projeto, relatado por V. Exª, procura realmente corrigir uma verdadeira anomalia praticada contra os consumidores. Em um regime inflacionário, como tínhamos anteriormente, ainda se permitia a aplicação de uma multa de 10% pelo atraso no pagamento de qualquer conta, como de água, luz ou telefone, e até mesmo no pagamento das prestações do Imposto de Renda. Mas no regime atual, de inflação baixa, graças ao Plano Real implantado há dois anos, não mais se justifica a cobrança dessas multas de 10%. Ilustro o meu aparte com a informação de que o Governador do Rio Grande do Sul, nosso ex-companheiro também de Assembléia Nacional Constituinte, Antônio Britto, acabou de adotar algumas medidas naquele Estado para desonerar essa multa de 10%. O cidadão que está obrigado a pagar uma multa de 10% pelo atraso de um ou dois dias na quitação do seu compromisso com o estabelecimento comercial, bancário ou até mesmo no pagamento das contas de água, luz, telefone etc, está obrigado a pagá-la no mesmo percentual também pelo atraso de 30 dias. O Governador Antônio Britto, através desse decreto, dividiu esse montante por 30 dias, ficando em torno de 0,33% ao dia. Se não me engano, a imprensa noticiou ontem que o Ministro das Minas e Energia também adotou essa mesma providência.

O SR. BERNARDO CABRAL - É o que eu ia trazer ao conhecimento do Plenário.

O Sr. Nabor Júnior - Então, esse projeto é realmente da maior oportunidade, porque vai corrigir uma falha que não se admite mais nesse regime de inflação baixa, que estamos, graças a Deus, vivenciando nos dias de hoje. No que tange ao Código de Defesa do Consumidor - que foi inserido no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias por V. Exª, como Relator-Geral na nossa Constituição -, realmente, é uma lei necessária para regular as transações entre os fornecedores e os consumidores. Agora, é preciso também, Senador Bernardo Cabral, que a sociedade se organize, para exigir os seus direitos, como acontece em outros países. Recordo-me que há alguns anos, talvez há quinze ou vinte anos, houve uma geada no Paraná, que dizimou grande parte dos cafezais desse Estado. Muito bem, os Estados Unidos importam muito café do Brasil, mas naquela época importavam mais - infelizmente, hoje, já importam da Colômbia e de outros países africanos. Portanto, o café é o principal produto de exportação do Brasil para os Estados Unidos. E, em decorrência daquela geada no Paraná, o preço do café subiu. Pois bem, a associação das donas-de-casa dos Estados Unidos designou uma comissão para vir ao Brasil, ao Estado do Paraná, para se certificar de que realmente tinha havido uma geada.

O SR. BERNARDO CABRAL - E começaram a boicotar o consumo do café.

O Sr. Nabor Júnior - Exatamente. Quando ocorre elevação exagerada ou injustificada no preço de determinado produto, como a carne, por exemplo, as donas-de-casa americanas boicotam o produto, passando a utilizar o peixe, o frango e massas. No Brasil, ainda não temos essa organização. A sociedade precisa organizar-se através de entidades, como a associação das donas-de-casa, para visitar os supermercados, para verificar quais os produtos que estão aumentando além da inflação e defender os seus direitos, valendo-se do Código de Defesa do Consumidor, que já foi aprovado, conforme V. Exª citou, através da Lei nº 8.078, parece-me, de 1990. Quero parabenizar V. Exª pela abordagem deste importante tema, que é de interesse de toda a sociedade brasileira. Muito obrigado.

O SR. BERNARDO CABRAL - Quero também agradecer a V. Exª, eminente Senador Nabor Júnior, que continua, a exemplo do Senador Valmir Campelo, com aquela mesma luta que nos uniu na Assembléia Nacional Constituinte em favor do consumidor.

Veja como a procedência do que V. Exª acaba de comentar encontra eco na notícia que vim trazer. O Ministro Raimundo Brito, há dois dias, através do Departamento Nacional de Energia, tomando conhecimento deste meu parecer, dava-me ciência de que já havia determinado - e, portanto, estava saindo a portaria competente - o estabelecimento da multa de 0,33. E por quê? Porque aquele consumidor que não pagasse no vencimento, 24 horas depois, já estava apenado com uma multa de 10%; ou seja, isso estimulava que ele só fosse pagar daí a 30 dias. Ora, se a multa é de 0,33, apenas num dia, ele a quita normalmente, e não há como deixar de contribuir.

Algo que não pode ser desprezado na sua intervenção, Senador Nabor Júnior, é essa conscientização que V. Exª assinala, com muita propriedade, no sentido de que haja, por parte de todos os consumidores - geralmente são as mulheres que empunham essa bandeira e vão para as ruas, para os supermercados, agitá-la, uma vez que sentem na própria pele, na própria carne, essa dificuldade -, a noção exata de que não mais estão sem uma defesa necessária. Se não conseguirmos mostrar ao ser humano que hoje não vivemos mais com aquela memória inflacionária do passado, em que valia a pena, ao final do mês, segundo esse raciocínio, ganhar 40% de rendimento na caderneta de poupança, com a inflação consumindo, erodindo, liquidando, acabando com as economias; se não conscientizarmos a população de que essa memória desapareceu, será difícil que as pessoas comecem a pesquisar os preços de uma casa fornecedora para outra.

Nesse sentido, não só o Poder Legislativo, mas também a imprensa deve contribuir, através dos que formam a opinião pública, para que o consumidor sinta-se beneficiado por novos tempos, por novos ares que sopram.

Da minha parte, considero que a contribuição está sendo dada. Não vou me submeter, como não me submeti, porque o parecer já está dado, a pressões daqueles que entendem - sobretudo os que vivem da agiotagem, da usura - que, quanto maior a multa, melhor para eles e pior para o consumidor.

Na hora em que recebo a solidariedade dos eminentes Senadores, ex-Constituintes, verifico que valeu a pena ocupar a tribuna.

Sr. Presidente, observo V. Exª acenando-me de que o meu tempo está esgotado. Peço desculpas, e encerro concluindo com as seguintes palavras: vamos para frente! Existe um Código de Defesa do Consumidor e vamos cumpri-lo!

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/06/1996 - Página 10038