Discurso no Senado Federal

CRITICAS AO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA, POR CONSIDERA-LO DE CUNHO POLITICO. URGENCIA NA REVISÃO FUNDIARIA DO PAIS.

Autor
Jefferson Peres (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • CRITICAS AO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA, POR CONSIDERA-LO DE CUNHO POLITICO. URGENCIA NA REVISÃO FUNDIARIA DO PAIS.
Aparteantes
Nabor Júnior.
Publicação
Publicação no DSF de 15/06/1996 - Página 10041
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • APREENSÃO, AUMENTO, INVASÃO, TERRAS, TRABALHADOR, SEM-TERRA, AMPLIAÇÃO, CONFLITO, VIOLENCIA, NECESSIDADE, REFORMA AGRARIA.
  • CRITICA, NATUREZA POLITICA, IDEOLOGIA, INVASÃO, ESPECIFICAÇÃO, CONFLITO, ESTADO DO MARANHÃO (MA), ESTADO DE MATO GROSSO (MT), RESULTADO, MORTE.
  • APOIO, GOVERNO, AGILIZAÇÃO, ELOGIO, ATUAÇÃO, MINISTERIO EXTRAORDINARIO DE POLITICA FUNDIARIA (MEPF), NECESSIDADE, CONTROLE, INVASÃO, MANUTENÇÃO, AUTORIDADE.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, como todos sabem, ontem ocorreram mais dois conflitos de terra: um em Mato Grosso e outro no Maranhão; este com quatro mortos.

Desde o conflito de Eldorado dos Carajás, as invasões de terra vêm se amiudando, numa escalada de violência que, se não for contida, levará o Brasil por caminhos que as pessoas responsáveis certamente não desejam.

A reforma agrária é necessária e constitui hoje um consenso nacional. Ninguém questiona a existência de uma estrutura fundiária desigual, injusta, que precisa ser corrigida. Ninguém ignora que a reforma agrária, executada num número tão grande de países, foi um fator primordial para que os mesmos realizassem com êxito o seu processo de desenvolvimento, inclusive alguns dos famosos Tigres Asiáticos, como a Coréia do Sul e Taiwan.

Entretanto, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, é preciso que a Nação e, sobretudo, as instituições - o Congresso, o Judiciário e o Executivo - não se deixem iludir pela natureza desse movimento, que tem caráter nitidamente político, que busca o confronto para criar vítimas, porque seus objetivos são políticos - em última análise, a conquista do poder por meios violentos. Iluda-se quem quiser; seja ingênuo quem quiser. O movimento dos sem-terra é, comprovadamente, político-ideológico, que visa, em última análise, à conquista do poder por meios ilegítimos.

Já vimos esse filme antes. Eles são saudosistas, nostálgicos dos anos 60, seguidores da teoria do foco, segundo a qual era necessário criar-se um foco revolucionário no interior, para que dali se propagasse por todo o país. Essa teoria foi criada a partir do êxito da Revolução Cubana; morreu como um sonho delirante, nas selvas da Bolívia, com Ernesto "che" Guevara; ressurge agora, no Brasil, fora de tempo e de contexto.

Ontem, no Maranhão, três dos mortos eram empregados da fazenda; apenas um era dos sem-terra.

A fazenda, na verdade, é uma área de preservação, concedida para a exploração de madeira mediante manejo florestal, com projeto aprovado, e já está em fase de desapropriação. Os sem-terra a invadiram no dia 07 de maio; foram afastados por uma medida liminar e, apesar do processo de desapropriação estar em andamento e de saberem que já existe solução à vista, voltaram a invadi-la na segunda-feira, forçando, portanto, o confronto. O objetivo, repito, é criar vítimas, é produzir cadáveres, para gerar fatos políticos e comoção nacional.

Sr. Presidente, muitas vezes tenho sido crítico do Governo. No entanto, tenho que ser justo. Se o Governo se descuidou da reforma agrária, se durante todo o ano passado e parte deste ano não deu à reforma o andamento desejado, isto mudou; há ações governamentais conhecidas, notórias, no sentido de acelerar o processo.

Terras do Exército estão sendo demarcadas para serem distribuídas; o Banco do Brasil vai ceder ao INCRA, mediante venda com pagamento em TDA - Títulos da Dívida Agrária -, milhares de hectares de devedores inadimplentes, também para fins de reforma agrária.

A ação do Sr. Raul Jungmann à frente do Ministério da Reforma Agrária é reconhecida como a ação de um homem sério, que está buscando realmente uma solução. Os líderes do Movimento dos Sem-Terra, que são perfeitamente conscientes, são bem informados e sabem o que querem e, apesar de saberem tudo isso, insistem em acelerar e intensificar as invasões, porque o objetivo, repito, é político. E o pior que poderá acontecer a este País é as autoridades se deixarem acovardar. É a falência do princípio de autoridade.

O Sr. Nabor Júnior - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Jefferson Péres?

O SR. JEFFERSON PÉRES - Cedo-lhe o aparte, Senador Nabor Júnior.

O Sr. Nabor Júnior - Senador Jefferson Péres, creio que nenhum brasileiro hoje é contra a reforma agrária no País. Todos nós desejamos que os trabalhadores sem terra, as pessoas que desejam cultivar a terra, não só para a subsistência e a sobrevivência de suas famílias, querem também contribuir com o processo produtivo nacional, abastecer as cidades e os consumidores de um modo geral. Mas há alguns aspectos, como V. Exª está frisando no seu pronunciamento, que precisam ser levados em consideração pelo Governo e pelas pessoas responsáveis pela implantação da reforma agrária no Brasil. Penso que a reforma agrária não se limita apenas a distribuição de terras. Temos exemplos no meu Estado para demonstrar a justeza desta afirmação. O Governo Federal desapropriou no Estado do Acre, há 15 anos, aproximadamente, um milhão de hectares de terras, onde existiam anteriormente seringais. Implantou-se ali vários projetos de assentamento, nos Municípios de Rio Branco, Cruzeiro do Sul, Xapuri, Sena Madureira, Brasiléia, Assis Brasil, etc; além de outras desapropriações posteriores, inclusive no Município de Tarauacá, de onde sou originário. O Incra investiu somas vultosas nesses projetos, e grande parte deles hoje estão totalmente abandonados, porque não têm estradas para escoar a produção, crédito para os parceleiros dos projetos, segurança da comercialização dos produtos, assistência técnica por parte da Emater - aliás, esse órgão foi totalmente desmontado pelo Governo Fernando Collor de Mello. Então, a reforma agrária depende, essencialmente, de todos esses instrumentos para fixar o homem à terra, garantir-lhe o crédito necessário e condições de escoamento e de comercialização de sua produção. Agora, são necessários muitos recursos. O Governo pode desapropriar uma grande parcela de glebas em todo o território nacional, pagando com TDA. As benfeitorias têm que ser pagas à vista. Esses investimentos a que me referi, ou seja, a construção de estradas, créditos, assistência técnica, etc, têm que ser feitos também com dinheiro vivo; não podem ser pagos com TDA. Então, é uma soma muito grande para que o Governo possa realmente fazer a reforma agrária nos moldes em que outros países têm feito. Acho que há necessidade de se distribuir terras com esses trabalhadores. Mas há, também, muita infiltração política no meio desses trabalhadores. Por isso sugeri, várias vezes, à autoridade governamental que fizesse inicialmente o cadastramento de todos os trabalhadores, porque no meio deles tem muita gente que trabalhava na cidade: funcionário público, taxista, pintor, pedreiro, além de pessoas desempregadas, que estão engrossando o caldo dos sem-terras; são trabalhadores necessitados. Inicialmente, a primeira providência que o Governo devia adotar para implantar um projeto de reforma agrária sério e conseqüente, em nosso País, seria o cadastramento de todos esses trabalhadores e os locais onde eles se encontram para, depois, adquirir as terras, desapropriá-las e dar condições efetivas para que eles possam trabalhar e produzir. Essa é a minha modesta contribuição ao pronunciamento de V. Exª sobre a reforma agrária.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Muito obrigado, nobre Senador Nabor Júnior, estou a par do que aconteceu no Acre. E sei também o que aconteceu no meu Estado, o Amazonas, onde há 10 anos a reforma agrária foi uma verdadeira farsa. Conheci proprietários de grandes extensões de terras no Amazonas, terras invendáveis, sem valor de mercado, que viveram um verdadeiro frenesi; iam e vinham entre Manaus e Brasília em contatos com funcionários do então Ministério da Reforma Agrária - depois extinto e agora restaurado -, no sentido de acelerar a desapropriação das suas terras para beneficiar supostos posseiros. Na verdade, uma grande maracutaia, uma estranha reforma agrária na qual os próprios proprietários eram interessados na desapropriação das terras para receberem TDAs, que vendiam no mercado mesmo com deságio. Eram terras absolutamente inaproveitáveis para a agricultura. Foi uma grande farsa e uma grande corrupção que existiu, àquela altura, com a conivência da direção do INCRA.

Concordo com V. Exª, ainda mais, no sentido de que a reforma agrária apenas com a distribuição de terras é simplesmente a disseminação, a proliferação de miseráveis proprietários ou minifundiários. A reforma agrária que não seja implementada com crédito, assistência técnica, estradas vicinais, preço mínimo, etc, evidentemente será uma burla, um arremedo sem nenhum sentido econômico-social.

É por isso que a reforma agrária não pode ser acelerada demais, e o Movimento dos Sem-Terra sabe disso. Ela é onerosa, extremamente onerosa, e não existem recursos disponíveis. No entanto, eles insistem na pressão sobre o Governo para acelerar, apenas para criar um fato político.

Isso é perigosíssimo, Sr. Presidente, o acovardamento das autoridades é perigosíssimo, porque pode decretar o fim do Estado de direito. Não pode haver justiça sem lei. Lacordaire, num aforismo famoso, dizia: "A liberdade oprime. Só a lei liberta."

Isso parece paradoxal, parece contraditório, mas não é. A verdade é que se nós vivêssemos num regime de liberdade absoluta, seria a suprema injustiça, porque prevaleceria a lei dos mais fortes e dos mais espertos. Só a liberdade condicionada, limitada por leis e regras estáveis, é que assegura a verdadeira liberdade que é a liberdade com justiça.

Se continuar nesse crescendo de violência e o Governo se acovardar e as autoridades não usarem do seu dever de reprimi-la, evitando cadáveres, enquanto esse Movimento dos Sem-Terra se julgar no direito de impunemente invadir propriedades para forçar desapropriação, isto implicará, amanhã, que os sem-teto se julguem no direito, também, de invadir as propriedades urbanas para terem onde se abrigar; que os sem-dinheiro metam a mão na minha carteira, porque eu tenho que dividir com eles. Enfim, Sr. Presidente, a se admitir que pessoas, porque não têm bens, tenham o direito de avançar nos bens dos outros pela força, isto será a falência do Estado de direito, será a desagregação da sociedade. Sei que esta situação de caos não vai acontecer, porque a sociedade há de despertar, como despertou para a reforma agrária, para o fato de que não podemos nos deixar intimidar, acuar, por esses movimentos que visam à mazorca, à desordem.

A inação das autoridades, Sr. Presidente, diante da pressão desses grupos, pode resultar numa situação extremamente ruim do ponto de vista social. Aliás, foi o que aconteceu no Rio de Janeiro, há 2 ou 3 anos. Foi a inércia das autoridades, por uma visão falsa do que seja justiça social, que levou o espaço urbano do Rio de Janeiro àquela degradação. Todos podiam invadir espaços públicos livremente, porque as autoridades não reprimiam, entendendo que eram pobres miseráveis, vítimas de uma sociedade injusta e que por isso podiam e tinham o direito de fazer essas invasões. A polícia não podia reprimir o narcotráfico nem ir às favelas, porque podia atingir pessoas indefesas, vítimas das injustiças sociais. E o Rio de Janeiro foi-se degradando socialmente. Felizmente, essa situação começou a se reverter de 2 ou 3 anos para cá.

Esta falsa visão pode estender-se por todo o País, e nós parlamentares temos o dever de denunciar, de não nos acovardarmos, com medo de sermos acusados de direitistas, reacionários ou ultraconservadores - o que não sou. Ninguém me passa atestado disso, porque todo o meu passado de luta pelos movimentos sociais, minhas posições firmes em defesa da reforma agrária me vacinam contra essa pecha que não vou ter nunca. Mas eu jamais seria um covarde para concordar com isso, com medo de ser tachado como tal.

É meu dever de parlamentar, portanto, deixar aqui o meu protesto e esperar que nem as autoridades federais, nem as estaduais nem as municipais se deixem intimidar por isso. Já vi esse filme antes. Nós já vimos esse filme antes, muitas vezes. Aconteceu no Chile, durante o curto período Allende. O Sr. Salvador Allende não apenas decretou a reforma agrária, como declarou, todos sabiam, que não reprimiria invasões de terra. Começou um processo liderado pelo MST chileno, cujo nome esqueci, de invasões, impunemente, de propriedades rurais, o que ocasionou a desorganização na produção de alimentos daquele país, com crises de abastecimento que geraram o Movimento das Panelas Vazias na ruas de Santiago, nas grandes cidades chilenas, criando o clima que resultou no golpe do General Pinochet.

Algo semelhante pode estar em gestação no Brasil. Espero que, antes que isso aconteça, se faça uma reforma agrária, sim, mas que se restabeleça também, repito, o princípio de autoridade, que está ameaçado de desabar no País.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/06/1996 - Página 10041