Discurso no Senado Federal

REFERENCIAS AO PRONUNCIAMENTO DO SENADOR LUDIO COELHO. COMENTARIOS SOBRE O DISCURSO DE POSSE DO SR. ROBERTO CAMPOS NO SENADO FEDERAL. CRITICAS A ATITUDE DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE EM RELAÇÃO AO CONGRESSO NACIONAL PELO TEOR DOS PROJETOS E MEDIDAS QUE ENVIA. DESEMPREGO.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE EMPREGO. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • REFERENCIAS AO PRONUNCIAMENTO DO SENADOR LUDIO COELHO. COMENTARIOS SOBRE O DISCURSO DE POSSE DO SR. ROBERTO CAMPOS NO SENADO FEDERAL. CRITICAS A ATITUDE DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE EM RELAÇÃO AO CONGRESSO NACIONAL PELO TEOR DOS PROJETOS E MEDIDAS QUE ENVIA. DESEMPREGO.
Publicação
Publicação no DSF de 15/06/1996 - Página 10065
Assunto
Outros > POLITICA DE EMPREGO. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, IDEOLOGIA, DISCURSO, ROBERTO CAMPOS, EX SENADOR, DESVALORIZAÇÃO, DESTRUIÇÃO, POPULAÇÃO, OBJETIVO, CONSTRUÇÃO, POTENCIA, BRASIL.
  • ANALISE, ORIGEM, DESEMPREGO, REDUÇÃO, ESTADO, ATUALIZAÇÃO, TECNOLOGIA, EMPRESA, CRITICA, OCULTAÇÃO, ESTATISTICA, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), EMPREGO.
  • DIFICULDADE, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, CRITICA, GOVERNO, REMESSA, CONGRESSO NACIONAL, MATERIA, PREJUIZO, BRASIL, AUSENCIA, OPÇÃO, BENEFICIO, ESPECIFICAÇÃO, AUXILIO, BANCOS, AUMENTO, DIVIDA EXTERNA.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu gostaria de iniciar o meu pronunciamento fazendo uma referência breve a uma questão que comecei a levantar em um aparte ao nobre Senador Lúdio Coelho.

Referi-me, de passagem, às afirmativas do ex-Ministro Glaicon de Paiva, do Tribunal de Contas da União, segundo as quais a fauna brasileira, ou seja, a massa de trabalhadores e de cidadãos deste País, constituía um obstáculo ao Brasil potência. Propunha, então, que fosse removido esse obstáculo e destruída a população brasileira através de medidas que ele não esclarece quais sejam, mas que entendemos muito bem, que foram implantadas neste País.

A mortalidade infantil, as "Santas Genovevas", a fome, o desemprego, os 30 milhões de analfabetos, as 500 mil crianças prostitutas mostram que, para muitos, infelizmente, não foi por acaso que isso aconteceu; para muitos, essa catástrofe, esse "economicídio" tinha por objetivo implantar o Brasil potência.

De acordo com o meu ponto de vista, não se trata do capital nem nacional, nem estrangeiro; para mim, o adjetivo não importa, se é nacional ou estrangeiro; importa o substantivo, o capital, e este é caracterizado pelas relações sociais dos homens entre si.

Isso também não é fácil de compreender, porque não está no nível da aparência. Capital não é máquina, não é dinheiro. O capital, numa sociedade que não tem relações capitalistas, é um instrumento de trabalho, mas não é capital. Ele é um instrumento de trabalho aplicado para empregar trabalhadores que não possuam esses instrumentos e as condições de trabalho e para explorar esse trabalho, extrair dele um excedente acima daquela produção que irá permitir a reprodução, a conservação da força de trabalho.

Dinheiro só é capital no bolso do capitalista; no bolso do trabalhador, é dinheiro salário; e, nas mãos do Governo, é dinheiro estatal. São as relações sociais que determinam, que definem o dinheiro como capital, a máquina como capital, o trabalhador como assalariado e o banqueiro como detentor do capital especulativo.

A proposta malthusiana em curso, que de vez em quando emerge, refere-se à eliminação do ser humano como forma de se resolverem os problemas sociais. Ela está, sim, presente no discurso de posse do ex-Senador Roberto Campos nesta Casa.

O Sr. Edison Lobão - Brilhante discurso.

O SR. LAURO CAMPOS - Penso que, se houver brilho naquele discurso, estará empanado pelas colocações anti-sociais, pelas colocações desumanas que contém aquele pronunciamento.

Por coincidência, tenho em maõs um trabalho de 40 páginas que fiz sobre aquele discurso, que, por sua vez, não tem mais de 16 páginas. Entre outros senões, o Sr. Roberto Campos cita um conceito atribuído por ele a Marx, extraído da obra de um historiador do pensamento econômico chamado Mark Blaug, a respeito do que seria o desemprego marxiano. Trata-se de um completo equívoco de S. Exª! Não é através de Blaug que se lê Marx. Talvez para manter uma distância do perigoso filósofo alemão, S. Exª utilizou Blaug para se referir ao desemprego tratado por Marx.

Ao contrário do que diz Marx, o Sr. Roberto Campos afirma que através de mais capital, de mais investimento, o desemprego seria resolvido. Marx, ao contrário, diz que justamente depois de décadas da maior taxa de investimento é que a História Econômica deparou-se com 830 milhões de desempregados, em escala mundial. Portanto, o capital, o investimento, a tecnologia, a robotização, a informática geram desemprego. Agora há o Estado capitalista, que a partir dos anos 30 começou a reempregar os desempregados pela nova tecnologia. Mas, no Brasil, esse Estado transformou-se não em um Estado reempregador, mas no Estado desempregador e enxugador da mão-de-obra.

Portanto, são duas forças que se conjugam, uma relacionada à outra: o Governo, cujas tetas secaram, não pode mais continuar alimentando os empresários, os banqueiros brasileiros. Parece que estes são os últimos litros de leite despejados para alimentar a burguesia: o dinheiro do Proer, R$7 bilhões para a agricultura e mais todos os estímulos e incentivos que o Governo sempre deu à classe dominante no Brasil.

Percebendo que não vão mais obter o lucro fictício através das benesses do Governo, os capitalistas brasileiros aplicam tecnologia nova para aumentar a mais-valia relativa, para aumentar a produtividade, para desempregar mais trabalhadores e reduzir o seu custo de produção. Portanto, trata-se de várias forças desempregadoras que se reúnem nesse triste momento da nossa história. O Governo, para reempregar, apoiou-se em um tal multiplicador de investimento, que seria tanto maior quanto maior fosse o consumo da coletividade. No entanto, agora, o consumo, ao invés de ser multiplicador da renda do emprego, como diziam e ensinavam todos esses economistas que hoje estão no Governo, transformou-se em pecado medieval.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, temos várias forças que se conjugam, e, ao invés de multiplicador de emprego, estamos na presença de um multiplicador de desemprego, porque aquele que perde o seu salário, o seu vencimento, obviamente dispensa empregados, reduz seus gastos de consumo, desemprega, em corrente, uma série de trabalhadores. O multiplicador de desemprego, portanto, substituiu o multiplicador de emprego, até há pouco em moda entre os economistas.

Entre outras coisas, diz também o Sr. Roberto Campos: "Todos os países hoje desenvolvidos, com boa qualidade de vida, têm taxa de crescimento populacional inferior a 1%; todos os países subdesenvolvidos têm crescimento populacional superior a 2% ao ano; e todos os de maior pobreza relativa crescem mais de 3%, com crônicos problemas de pobreza, desnutrição e favelamento urbano". Diz S. Exª, portanto, que o aumento da população, o aumento da vida no mundo é incompatível com o crescimento econômico. Para quem o desenvolvimento? Para um mundo desabitado e destruído? Para um mundo que não pode, obviamente, manter a sua população alimentada, uma vez que U$278 bilhões são queimados hoje nos Estados Unidos depois da queda do muro de Berlim? Este é um dado extraído de uma pesquisa realizada pelo Pentágono, nos Estados Unidos: dois milhões e seiscentos mil trabalhadores norte-americanos estarão desempregados se o setor bélico continuar a minguar diante do colapso da Rússia, diante do término da Guerra Fria.

Portanto, o que diz o Sr. Roberto Campos não é verdade. Por quê? Cito o "World Population Production", de W.F. Woytinsky, que apresenta os seguintes dados: a população da França era, em 1800, de 27 milhões e 300 mil habitantes; passou, em 1850, para 35 milhões e 800 mil habitantes; em 1900, para 39 milhões; em 1930, para 41 milhões e 800 mil habitantes; em 1950, para 41 milhões e 900 mil habitantes. A Grã-Bretanha, em 1800, tinha uma população de 15 milhões; em 1930, 46 milhões; e, em 1950, 50 milhões. A Rússia, em 1800, 37 milhões; em 1950, 193 milhões. A Alemanha, em 1800, 24 milhões; em 1950, 69 milhões. Os Estados Unidos, de 5 milhões, passaram para 151 milhões e 700 mil habitantes; foi o país cuja população mais cresceu nesse período; aquele que, obviamente, a partir de 1918, atingiu o nível de primeira potência econômica do mundo.

Portanto, os dados refutam completamente as assertivas de S. Exª, um neomalthusiano que deseja resolver os problemas da sociedade, através da eliminação dos trabalhadores e das populações mais pobres. Isto é apenas uma rebarba daquilo que ficou dos pronunciamentos anteriores.

Quero tratar aqui de um outro assunto. Gostaria de mostrar como é difícil exercer o mandato de Senador neste País. Como é difícil nos posicionarmos com consciência diante de problemas que não são claros - estão longe de ser claros. Como é difícil nos situarmos diante de pacotes e mais pacotes que o Governo Federal exige que passem pelo Congresso, empurrando o rolo compressor sobre o Legislativo, responsabilizando-o pela impossibilidade de aplicação de um plano repleto de incongruências, de contradições, e inviável no Congresso Nacional!

Gostaria de apenas citar algumas discussões e algumas votações que presenciei aqui, das quais participei. Votações e discussões que, muitas vezes, nos deixam perplexos. Estávamos acostumados a decidir entre dois caminhos razoáveis, bastante bons, bastante positivos. E agora, nesta conjuntura atual, temos que decidir entre o péssimo e o pior ainda. É esta opção que o Poder Executivo lança sobre nós e que, obviamente, nos coloca na parede, pressionados pela necessidade de decidir.

Vejamos, por exemplo, o CPMF. Posicionei-me, de início, a favor deste imposto. Como podemos permitir que a nossa população desassistida, pobre, doente, diante de um sistema hospitalar e de um sistema de saúde completamente sucateados, possa continuar nessa situação?

Parece, à primeira vista, que não podemos deixar de aprovar a criação de um imposto que será colocado na mão de um homem probo, de um homem honesto e competente, que é o Ministro Adib Jatene.

Na ocasião, raciocinei o seguinte: imagine se, por um acaso - um acaso que não iria acontecer - tivesse havido um empate no Senado a respeito do CPMF e, portanto, o meu voto tivesse que ser decisivo. Como eu poderia ligar a televisão e ver nos corredores da morte, nas Santas Genovevas, a população brasileira ser destruída por falta de recursos? Então, por esses e outros argumentos, decidi-me a favor do CPMF.

Depois, estudando mais profundamente a questão, percebi que o Governo Federal quer resolver a crise da economia brasileira; que este Governo, para mim, diagnosticou de forma equivocada - um diagnóstico importado dos Estados Unidos - que existe excesso de consumo no Brasil. Um diagnóstico que afirma que esse excesso de consumo só pode ser resolvido através de desemprego, através de redução de salário. E o Governo vem e confessa que deve, sim, 46% de reposição aos funcionários públicos, mas que não vai pagar. E o Banco Central chega a anunciar que concederá um reajuste de mais de 70% para alguns dos seus funcionários; não concede, e cala a boca, e volta atrás. E quem faz greve só pode desmoralizar a instituição da greve, porque o Governo não se incomoda, não se abala, e permite que as greves se prolonguem eternamente.

Diante dessa situação, percebendo que o Governo queria criar o CPMF para resolver o problema da saúde - uma saúde que nos leva a recorrer, para nos livrarmos da morte, aos planos de saúde, para depois descobrirmos que esses planos ou aumentam demais a sua arrecadação, o reajuste dos seus preços, ou não nos atendem devido a cláusulas ocultas -, um outro imposto para resolver o problema dos buracos das estradas - o pedágio que devemos pagar - e que de nós estava exigindo a contribuição para a educação de nossos filhos, diante de um sistema público completamente sucateado, destruído e insatisfatório, concluímos que nós é que temos que pagar pela crise da saúde, pela crise da educação, pela crise das estradas, pela crise dos bancos, através do Proer, pela crise da Administração Pública. Mas não é possível uma coisa dessas!

E depois disso tudo, passando a grande crise para as costas já descarnadas da população - uma grande crise, esta, sim, de insuficiência de consumo devido à redução de emprego, à redução de salário e tudo mais -, no final, o Governo virá com a reforma tributária. E nunca houve reforma tributária no mundo que não fosse para aumentar a receita fiscal.

Os empresários vêm à Brasília para pedir uma reforma tributária, que só poderá atingir aos seus próprios bolsos.

Este é mais um indício do caos em que nos encontramos.

E se eu não votasse os R$7,5 bilhões para o Banespa? Um absurdo total! Rebelo-me contra isto! Revolto-me contra isto! Depois, pensei: se o Banespa não receber os R$7,5 bilhões, virá o Proer, que já deu R$5,9 bilhões para o Banco Nacional, e descobrirá um banquinho qualquer, um Excel, um Bandeirante, para injetar neste banco os recursos com os quais irá comprar, de graça, o Banespa. E aí, aos invés de R$7,5 bilhões, serão R$19 bilhões nesta operação Proer, para comprar o Banespa.

Votar em quê? Nos R$7,5 bilhões - um absurdo! -, ou correr o risco de, se não aprovar os R$7,5 bilhões, termos que aprovar um dia, ou desaprovar um dia, ou votar um dia, um Proer de R$19 bilhões para salvar o Banespa?

Não há opção digna. Não há opção decente. Não há opção clara e transparente.

Eu poderia enumerar diversos outros projetos que passam por esta Casa e que não nos permitem uma opção entre o bom e o melhor ainda; o que nos é empurrado por esse rolo compressor é uma triste opção entre o péssimo e o pior ainda.

Para terminar, ontem foram votadas aqui, neste plenário, medidas em que o Governo - os comandantes deste País, os tecnocratas do Banco Central - arranjou uma forma de exportar parte da dívida pública brasileira.

Ontem, por exemplo, aprovamos aqui RS150 milhões, para que o Estado do Rio de Janeiro trocasse a sua dívida interna por uma dívida externa, ampliando a dívida externa brasileira.

Exemplos como esse a todo momento virão. Freqüentemente, aprovamos aqui ótimos empréstimos concedidos pelo Banco Mundial, ótimos empréstimos trazidos do Japão pelo Presidente da República, em sua última viagem àquele país. Por quê? Porque, obviamente, o dinheiro está sobrando, lá; os investimentos caíram e, diante da crise de três bancos japoneses, percebemos que eles precisam emprestar esse dinheiro aos pobres, àqueles que não têm consciência do processo em que nos estamos metendo novamente. Assim, reduzem o serviço da dívida externa, dilatam os prazos, aumentam o prazo de carência, douram a pílula, para que nos endividemos cada vez mais, passando para as gerações seguintes o ônus dessa dívida, que já está em mais de R$150 bilhões.

Gostaria de tratar de outro assunto, mas não tenho tempo para fazê-lo; vou apenas me referir ligeiramente a ele.

O desemprego estatístico, no Brasil e em todos os países do mundo, não tem nada a ver com o desemprego real. Não tratamos o desemprego com a realidade, mas com medições dela, feitas através de conceitos.

No Brasil, o IBGE só considera desempregado o trabalhador que estiver sem emprego nos últimos seis dias. Quem estiver há 7, 8, 10 dias, dois meses desempregado, não é tido como desempregado, de acordo com o IBGE. Eles têm uma categoria denominada inativos e consideram como inativos aqueles que estiverem desempregados há mais de 6 dias. Logo, o desemprego fica pequenininho, de 5%. E vai o Presidente Fernando Henrique à França e diz que o desemprego é de 5%. Mas esquece de esclarecer que, à medida em que o desemprego brasileiro aumenta, aumentam as dificuldades de se encontrar um novo emprego. Quanto maior for o desemprego, quanto maior o tempo em que o trabalhador passar de um emprego do qual ele foi demitido para um outro emprego, no qual entrará, quanto maior esse período, de 10, 20 dias, três meses, quanto maior o número de desempregados nessa situação, menor será o desemprego no Brasil, de acordo com o IBGE, que só mede o desemprego de 6 dias, nos primeiros 6 dias, ou nos 6 dias anteriores à data da pesquisa; e todos os outros são considerados como inativos.

O SR. PRESIDENTE (Ernandes Amorim) - Nobre Senador Lauro Campos, V. Exª já ultrapassou 10 minutos do seu horário.

O SR. LAURO CAMPOS - Trata-se de um mascaramento da realidade, o que acontece com todos os dados utilizados pelos economistas. Muitas vezes, os economistas não são apenas politicamente enviesados, não são, muitas vezes, mentirosos; porém, ao ignorarem aquilo que Schumpeter chamou de substrato epistemológico dos dados e as maneiras pelas quais os dados foram compilados, os economistas tratam de um mundo de ilusão, que é adredemente preparado, politicamente distorcido, para criar uma imagem capaz de aumentar ainda mais o processo de espoliação, de marginalização e de segregação da sociedade brasileira.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/06/1996 - Página 10065