Discurso no Senado Federal

CONFLITOS FUNDIARIOS. POSIÇÃO DA GOVERNADORA ROSEANA SARNEY EM RELAÇÃO AO CONFRONTO OCORRIDO NA FAZENDA CIKEL, NO MARANHÃO.

Autor
Edison Lobão (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
Nome completo: Edison Lobão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • CONFLITOS FUNDIARIOS. POSIÇÃO DA GOVERNADORA ROSEANA SARNEY EM RELAÇÃO AO CONFRONTO OCORRIDO NA FAZENDA CIKEL, NO MARANHÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 15/06/1996 - Página 10058
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • ANALISE, PROBLEMA, SISTEMA FUNDIARIO, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO MARANHÃO (MA), ESCLARECIMENTOS, POLITICA FUNDIARIA, GESTÃO, ORADOR, EX GOVERNADOR, CONTINUAÇÃO, ROSEANA SARNEY, GOVERNADOR, ELOGIO, ATUAÇÃO, GOVERNO ESTADUAL.
  • CRITICA, INVASÃO, OBJETIVO, TUMULTO, TERRAS, PROCESSO, DESAPROPRIAÇÃO, DISTRITO, BURITICUPU (MA), MUNICIPIO, SANTA LUZIA (MA), ESTADO DO MARANHÃO (MA).
  • NECESSIDADE, ATENDIMENTO, REIVINDICAÇÃO, OPOSIÇÃO, TUMULTO, INVASÃO, AMPLIAÇÃO, PROCESSO, REFORMA AGRARIA, ASSISTENCIA TECNICA, MELHORIA, ESTRADAS VICINAIS, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, HOSPITAL, ENERGIA.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL-MA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, o Brasil está vivendo o seu calvário em matéria fundiária.

Estamos assistindo, nos dias atuais, a fatos extremamente preocupantes. Nós todos nos recordamos do que ocorreu em São Paulo, onde a Polícia do Estado teve que comparecer para desalojar trabalhadores rurais. Fatos semelhantes aconteceram no Rio Grande do Sul e em outros Estados.

Em seguida, assistimos também ao desastre do Pará. Desastre que comoveu o País inteiro; em alguns momentos, pelo que aconteceu; em outros, pela desinformação.

Agora, algo acontece no meu Estado, o Maranhão, e tem sido relatado com razoável precisão pela imprensa nacional.

Desde logo, quero chamar a atenção para o fato de que, no meu Estado, o Governo não teve nenhuma participação direta ou indireta com o incidente. A Governadora Roseana Sarney, que tem sido permanentemente solidária com as causas dos trabalhadores rurais, diga-se desde logo, tomou conhecimento dos fatos depois de ocorridos, até porque se tratou de uma nova invasão da mesma fazenda.

Essa fazenda, chamada Cikel, já havia sido invadida em 7 de maio passado. Por uma decisão judicial, segundo relata a imprensa, depois de ouvidos os interessados, os sem-terra desocuparam a fazenda e agora voltaram à ocupação em Buriticupu, região de tradicional conflito.

Quando assumi o Governo do Estado, em 1991, havia, no Maranhão, 140 invasões de terras. O Maranhão, naquele instante, era o segundo Estado com o maior número de invasões. O primeiro era o Pará.

Eu, como Governador, entendi que se tratava de uma questão de fundamental importância e que precisava cuidar dela pessoalmente, como Governador do Estado. Chamei os fazendeiros, os líderes dos sem-terra, a Igreja, os bispos todos do Estado, a Ordem dos Advogados, a CPT, todas essas organizações, e, juntos, começamos uma política de solução desse problema grave no Maranhão. Com paciência infindável, com grande tolerância, fomos resolvendo um a um os casos todos, sem conflitos.

Quando deixei o Governo, em lugar de 140 invasões, havia apenas 35 a 40 casos pendentes. Os demais haviam sido resolvidos com o atendimento, senão total, pelo menos em parte, de todos os trabalhadores rurais.

Estabelecemos, então, uma política de distribuição de terras no Maranhão que foi a mais intensa feita no País do ponto de vista de Governos Estaduais, que não têm o dever de fazer reforma agrária. Em três anos, o meu Governo distribuiu 25 mil títulos de terras aos trabalhadores rurais, enquanto que o INCRA, a quem incumbe essa tarefa fundamental, não distribuiu, nesse mesmo período, sequer a metade disso.

Foi graças a essa política, que a Governadora Roseana prossegue, que conseguimos evitar os grandes conflitos.

Sr. Presidente, devo admitir que agora esses movimentos têm características um pouco diferentes. E falo sobre isso com a autoridade de quem acaba de demonstrar que trabalhou intensamente pelos trabalhadores rurais, que votaram sempre em mim antes e depois do Governo, o que demonstra que sou ligado a eles. Mas não posso deixar de registrar que, se não se estabelecer uma política sólida, logo este País virará um caldeirão incontornável.

Todos sabemos que, por volta de 1964, se fez uma revolução, que já se dizia ser uma contra-revolução em virtude daquilo que se fazia no momento, que era uma agitação em torno da terra. O Governo de então falava sobre as reformas de base, uma das quais e a principal delas seria a reforma agrária, que nunca fez. Falava e não fazia; dizia e não agia.

Precisamos evitar que isso agora se repita. Tudo indica que, se não houver um caminho, uma solução, aqueles episódios podem bater às nossas portas numa madrugada dessas.

Voltando ao caso do Maranhão, vamos ver o que diz o INCRA, que é hoje dirigido pelo próprio Ministro da Reforma Agrária, um jovem no qual todos nós temos muita esperança de que possa realizar uma boa política nesse setor, pacificando o campo e a Nação brasileira. Diz o Jornal do Brasil de hoje:

      "O INCRA disse estranhar a atitude dos sem-terra que invadiram novamente a fazenda do Grupo Cikel. Apenas no município de Santa Luzia, ao qual pertence o povoado de Buriticupu, há 25 fazendas em processo de desapropriação, incluindo a área invadida. A oferta de terras para assentamento seria maior" - vejam que coisa extraordinária - "que o necessário para acomodar todas as famílias acampadas na região."

Ora, se isso é verdadeiro - e suponho que sim, porque algumas dessas desapropriação foram iniciadas ainda quando eu estava no Governo -, então, o que se está procurando fazer é apenas uma agitação sem conseqüência ou com trágicas conseqüências. E é isso que precisamos evitar.

Sr. Presidente, o jornal O Globo disse que a Polícia Militar do Estado do Maranhão não foi ao local antes porque a orientação do Governo do Maranhão é intervir apenas com a presença de autoridades do Executivo e do Judiciário.

Está correta a Governadora. S. Exª está tomando as precauções que não foram tomadas no Pará. E, mais até do que a presença do Poder Judiciário, a Governadora está pedindo - o que também fiz na minha época de Governador - a presença do Ministério Público, a presença, em alguns casos, da Igreja e também de lideranças dos sem-terra para resolver esses problemas.

Na medida em que formos capazes de coordenar isso no País inteiro, suponho que vamos contribuir para resolver esse problema. Não podemos deixar os nossos irmãos trabalhadores sem terra à míngua, sofrendo nos socavões das distâncias deste País, sem assistência, sem uma mão amiga, sem solidariedade. Mas não podemos também estimular as invasões, que visam, como estas aqui, segundo o próprio INCRA, apenas a agitar.

Segundo notícias que tenho recebido do Maranhão, esse movimento não tinha a liderança do Movimento dos Sem-Terra - nem isso acontecia!

Precisamos, portanto, procurar separar uma coisa da outra: o que é reivindicação legítima e o que é agitação. A reivindicação legítima precisa ter a solidariedade de todos nós; a agitação, não. A agitação precisa ter a nossa repulsa, porque não serve aos interesses de ninguém, a não ser aos daqueles que querem precisamente tumultuar o processo político brasileiro.

Nós estamos tão satisfeitos, Sr. Presidente, com a democracia que temos. O regime de liberdades é até sacrossanto. Temos, portanto, o dever de contribuir para que esse regime de liberdades se mantenha. O direito de uns sucumbe no instante em que o direito dos outros começa.

Nós temos o Poder Judiciário exatamente para decidir as questões nebulosas, o que, muitas vezes, os entendimentos não conseguem fazer. Mas precisamos respeitar as decisões da Justiça, sem o que nós não chegaremos a parte alguma.

Sr. Presidente, volto à Governadora do meu Estado para dizer do seu comportamento exemplar nesse episódio. No instante em que tomou conhecimento do fato, despachou ao local o Secretário de Agricultura, o Secretário de Segurança, o dirigente do Instituto de Terras do Maranhão - que, aliás, é um cidadão que respeito e que é do Partido Comunista -, e pediu também a presença do Ministério Público e da Justiça. Enfim, S. Exª tomou todas as providências que um governante sensato deve tomar. E lá estão essas autoridades.

Agora, o Presidente da República encaminha também ao Maranhão o Ministro da Reforma Agrária, o Chefe do Gabinete Militar da Presidência e o Secretário Executivo do Ministério da Justiça. E eu soube que lá já se encontra também o General-Comandante da região. Estou na convicção e na persuasão absoluta de que o Presidente da República, preocupado com o que ocorreu no Pará e tem ocorrido em outros lugares, deseja, a todo custo, evitar que se propague essa onda de agitação e crises dessa natureza, desastres dessa natureza.

Mas suponho também que na esteira desse comboio esteja, por igual, a decisão presidencial de cada vez dar maior celeridade ao processo de reforma agrária, para que se possa evitar, elidir esses acidentes e esses desastres. No instante em que o Governo Federal prestigiar efetivamente a ação dos governantes estaduais para a realização de uma reforma agrária, isso se fará.

Pois acabei de dar aqui o meu próprio exemplo - e ele não é o único no Brasil, eu sei disto - de que, absolutamente sem a ajuda do Governo Federal e de ninguém, em três anos distribuímos 25 mil títulos de terras e pacificamos o campo. Também será possível fazê-lo agora, desde que o Governo Federal se inscreva definitivamente entre aqueles que querem resolver esse problema.

É preciso advertir que reforma agrária não significa apenas distribuir a terra. Isso é muito pouco. Num estudo realizado neste País por especialistas, sociólogos, economistas, demonstrou-se que a terra participa do processo de reforma agrária com um valor correspondente a apenas 10% do total da despesa que deve ser realizada. Os outros 90% significam estradas vicinais recortando as terras distribuídas, pequenos hospitais, postos de saúde, escolas, energia rural, assistência técnica e, se for possível, alguma assistência financeira.

O País está em condições de fazer tudo isso? Temos de admitir que não. Então, temos de ser também realistas e declarar que a distribuição pura e simples da terra, ou a posse pela força, não significam reforma agrária, não resolvem os nossos problemas.

Sr. Presidente, esse é um problema que não deve ser deferido apenas ao Presidente da República ou aos governadores de Estado. É preciso que todos os brasileiros tomem consciência do que significa a reforma agrária, porque muitos sobre ela falam e pouco sabem. É bonito falar em reforma agrária, falar nos nossos irmãos do campo e dizer que precisamos resolver o problema deles sem saber como fazê-lo e sem se ter sequer consciência de quanto isso custa.

Sempre estive interessado no problema da reforma agrária. Eu era Deputado por volta de 1979, naquele período da Revolução, dos governos revolucionários - que foram exatamente, vamos admitir, os governos que fizeram a parte fundamental da reforma agrária. O Estatuto da Terra veio da Revolução, do Governo do Presidente Castello Branco, e é um bom estatuto, uma lei bem elaborada. Milhões de hectares de terras foram distribuídos naquele período. Quando o Presidente João Figueiredo deixou o Governo, tive a oportunidade de fazer um discurso dizendo que S. Exª estava deixando ao seu sucessor um milhão de hectares de terras desapropriadas para distribuição para reforma agrária, além do que já havia sido distribuído.

Naquele período, por volta de 1979, telefonei ao Presidente do INCRA para dizer-lhe que desejava participar da sua caravana de distribuição de terras no Maranhão, meu Estado, no Piauí, em Pernambuco, na Bahia, no Ceará e em outros Estados. Fui com ele e, durante quase um mês, participei da distribuição de 35 mil títulos de terras espalhadas pelo Brasil inteiro.

Esse é um dado interessante, essa foi uma experiência interessante, da qual poucos aqui, neste plenário, tiveram a oportunidade de participar.

Decorridos dois anos, voltei ao Presidente do INCRA e perguntei-lhe o que havia acontecido com aqueles 35 mil títulos de terras, o que aquelas terras estavam produzindo. E ele disse-me, entristecido, que a grande maioria dos proprietários já havia transferido os seus quinhões de terras, as suas propriedades, ou, simplesmente, as tinha abandonado.

Portanto, isso, para mim, não significa reforma agrária. É preciso que, além de distribuir a terra, também se determine que ela só poderá ser vendida depois de, por exemplo, dez anos.

Foi o que fiz no Estado do Maranhão: estabeleci como cláusula da escritura que entreguei a cada um a impossibilidade de simplesmente o trabalhador rural transferir o seu quinhão de terras para outrem, muitas vezes sem saber o que estava fazendo.

No final, passei a distribuir títulos coletivos para 100, 200, 500 famílias, o que foi uma experiência muito interessante para o meu Estado, pois ainda hoje estão lá produzindo os proprietários desses títulos coletivos de terras.

Até essas precauções temos que tomar para que o processo de reforma agrária signifique alguma coisa, porque, até o momento, para mim, não tem significado praticamente nada.

Sabemos que, nos Estados Unidos, a maior nação agrícola do mundo, a grande produção vem exatamente das médias e maiores empresas. É bem verdade que lá há uma organização diferente no processo de produção agrícola, há mecanização.

Não queremos que isso aconteça no Brasil, até pelo fato de que temos brasileiros no campo ainda em grande escala, e eles só não ficam no campo quando não têm condições de ali permanecer. O interesse desses trabalhadores é ficar ali, no lugar onde nasceram. Por isso, precisamos dar-lhes essa oportunidade.

Durante a Constituinte, fui Presidente da Comissão da Reforma Agrária. Sei o que sofri naquele período. A Comissão se compunha de 23 membros, entre Deputados e Senadores. Eram 11 fazendeiros, que não pretendiam distribuir terra para absolutamente ninguém, e 11 Senadores e Deputados, que pretendiam tomar a terra de todo mundo para dá-las aos sem-terra, e o pobre do Presidente tinha que desempatar em todas as votações.

Na última votação, neste plenário, a sessão começou às 17h e terminou às 6h do dia seguinte - até ameaça de morte aconteceu aqui. Naquele instante, eu propunha que o trabalhador do campo também tivesse acesso à casa própria por um valor pequeno, é claro - assim como nós, que moramos nas cidades, temos esse direito. Nós, que estamos na cidade, podemos ir à Caixa Econômica e requerer um empréstimo para a construção da casa própria, e o trabalhador rural, que está lá, distante, precisando morar na sua terra, não o tem.

A minha proposta não foi aceita na ocasião. O fato é que produzimos um trabalho, em razão até desse conflito entre os membros da comissão, que não foi dos melhores para a Constituição. De toda maneira, prevaleceu ainda o Estatuto da Terra, que é um bom documento.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, volto ao caso do Maranhão para dizer que estamos esperançosos de que aquele Estado também sirva de exemplo; exemplo para nós, que estamos fora do conflito, no sentido de que cada qual tenha a sua participação, com o objetivo de ajudar os nossos governantes federais, estaduais e até municipais, a fim de que se procure e se encontre uma solução adequada para esse grave problema que hoje avassala o nosso País.

Não podemos abandonar os trabalhadores do campo, mas também não podemos aplaudir a desordem, porque, no instante em que o fizermos, estaremos estimulando mais desordem, mais acidentes, mais desastres, mais tragédias; e é isso exatamente o que não desejamos. Esse não é o caminho para se resolver o problema.

A Governadora do meu Estado emitiu uma nota oficial, com a responsabilidade de seu Governo, dando a posição exata do Poder Executivo estadual. S. Exª diz que está atuando nesse campo conjuntamente com os estamentos sociais ligados ao problema: a Igreja, através da CNBB, a Ordem dos Advogados, através do seu representante, enfim, todos os grupos interessados nessa matéria. Mas a Governadora também precisa promover a ordem no seu Estado, sem o que não conseguirá trabalhar em benefício de todos.

Sr. Presidente, eram essas as reflexões que eu gostaria de fazer nesta manhã, logo após a exposição do Senador José Fogaça quanto ao problema das greves neste País.

S. Exª tem muita razão no que disse sobre as greves. Concordo, em muitos pontos, com o seu profundo discurso de exame dessa matéria, mas precisamos também refletir e ponderar sobre as nossas posições neste momento.

Deixo aqui os meus cumprimentos ao Governo Federal, por suas preocupações quanto ao assunto, e à Governadora do Maranhão, pela ação firme e competente com que está conduzindo esse processo.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/06/1996 - Página 10058