Pronunciamento de Jefferson Peres em 19/06/1996
Discurso no Senado Federal
POLEMICA NA IMPRENSA EM TORNO DOS COMENTARIOS DO SR. RUDIGER DORNBUSCH, SOBRE AS TENDENCIAS DA ECONOMIA BRASILEIRA.
- Autor
- Jefferson Peres (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
- Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
- POLEMICA NA IMPRENSA EM TORNO DOS COMENTARIOS DO SR. RUDIGER DORNBUSCH, SOBRE AS TENDENCIAS DA ECONOMIA BRASILEIRA.
- Aparteantes
- Bernardo Cabral, Ney Suassuna.
- Publicação
- Publicação no DSF de 20/06/1996 - Página 10347
- Assunto
- Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
- Indexação
-
- CRITICA, DECLARAÇÃO, ECONOMISTA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), OCORRENCIA, DEFASAGEM, CAMBIO, PREVISÃO, CRISE, ECONOMIA NACIONAL.
- ELOGIO, RESULTADO, PLANO, REAL, GOVERNO, CRITICA, POLITICA SOCIAL.
O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente e Srs. Senadores, grande parte do noticiário da imprensa, nas últimas semanas, foi tomado pela polêmica em torno dos comentários feitos pelo economista alemão, naturalizado americano, Rudiger Dornbusch.
Essa polêmica, Sr. Presidente, tornou patente que ainda existe no Brasil, fortemente arraigados, resquícios de colonialismo cultural, manifestado de duas formas no episódio. A primeira, na reação raivosa, histérica daqueles que entendem que o comentário feito por um economista estrangeiro, a respeito da economia brasileira, implica interferência indevida nos assuntos do país, uma avaliação equivocada, de vez que eu e qualquer brasileiro tem todo direito de analisar a economia americana, como, em contrapartida, eles têm, também, o desmentível direito de fazer comentário sobre a nossa.
Creio, Sr. Presidente, que quem melhor analisou a manifestação do Sr. Dornbusch foi o Ministro da Fazenda Pedro Malan, quando ironizou as verdades e novidades que teriam sido ditas por aquele economista americano.
O Ministro Pedro Malan, a meu ver, só cometeu uma incorreção quando pretendeu ser original e não atribuiu a paternidade do seu comentário a quem de direito, que foi o estadista inglês Winston Churchill.
O episódio é bastante conhecido, mas eu não me furto ao prazer de relatá-lo aos que não o conhece.
Winston Churchill era parlamentar veterano, na Câmara dos Comuns, quando um dia foi abordado por um deputado novato que estreava na tribuna. Ao término do seu discurso, o estreante procurou Winston Churchill e perguntou-lhe o que ele havia achado do seu pronunciamento. Winston Churchill, então, respondeu: "Seu discurso continha muitas verdades e algumas novidades." Completou, em seguida, ferino. "Acontece que as verdades não eram novas e as novidades não eram verdadeiras." Ou seja, disse de forma elegante, que o deputado estreante tinha dito uma porção de platitudes e mentiras.
Foi mais ou menos o que fez e disse Rudiger Dornbusch, como acentuou Pedro Malan, plageando Winston Churchill. As coisas novas ditas pelo economista Rudiger Dornbusch não eram verdades verdadeiras, e as verdades não eram novas. Tudo o que ele disse a respeito de necessidade e de eliminação ou redução do déficit fiscal, do déficit público, é claro, ninguém ignora isso. Os próprios economistas do Governo têm repetido à exaustão, que a eliminação do déficit público ou a sua redução ou o seu financiamento por vias não inflacionárias, com redução da dívida pública de curto prazo, é condição necessária para que a inflação, realmente, se mantenha baixa, ou seja, se consiga a estabilidade de preço. Não disse novidade.
No entanto, quando afirmou que a propalada defasagem cambial chega ao nível de 40%, ele, evidentemente, deu um tremendo chute. Não se sabe qual foi o parâmetro Dornbusch para afirmar que a defasagem chega a 40%. Aliás, ninguém tem parâmetro nenhum. Economia não é ciência exata; economia tem um pouco de ciência e um pouco de arte; economia é a sintonia fina no uso dos instrumentos de política econômica. A única maneira de se saber se há, realmente, defasagem cambial é se isso se refletir na balança comercial ou na balança de pagamento.
Se existe, qual é a defasagem cambial? Num País em que as exportações crescem - e cresceram muito neste ano, em relação ao ano passado, cuja balança comercial já está equilibrada nos cinco primeiros meses deste ano - tudo indica que chegarão ao final do ano com um superávit de US$1 a US$2 bilhões. Que estranha defasagem cambial é essa, Senador Ney Suassuna, que não estimula nem deprime as exportações, que fazem com que o País tenha uma situação tranqüila no âmbito externo? Como? Essa é a primeira afirmativa tremendamente falsa do Rudiger Dornbusch a respeito da defasagem cambial. A segunda, o seu prognóstico pessimista a respeito de possível repetição aqui da crise mexicana, ou seja, do famoso efeito tequila. Ora, a situação brasileira absolutamente nada tem a ver com a situação mexicana de final de 1994.
O Sr. Ney Suassuna - Permite-me V. Exª um aparte?
O SR. JEFFERSON PÉRES - Ouço V. Exª, Senador Ney Suassuna.
O Sr. Ney Suassuna - O tema que V. Exª aborda é realmente importante. Na Comissão de Economia debatemos esse tema e, inclusive, por sugestão nossa, criamos uma subcomissão apenas para analisar com mais profundidade os dizeres desse cidadão que bancou um tanto quanto Cassandra ao fazer previsões de certa forma precipitadas. No entanto, nossa ponderação foi de que sempre que ouvimos um rumor devemos conferir as razões, para não corrermos o perigo de pensar depois que deveríamos ter conferido. Se aquele cheiro de gás, informado pela primeira e pela segunda vez naquele shopping center de Osasco, tivesse sido conferido, talvez não tivesse havido tantas mortes. Acredito e tenho certeza de que nosso economista alemão-americano agiu precipitadamente. Mas, para tranqüilidade nossa e desencargo de nossa consciência, nós da Comissão de Economia vamos nos aprofundar um pouco mais, checar informações e verificar as parcelas de razão que ele tem, para, dessa forma, estarmos aqui unidos lutando para que o Governo não seja surpreendido. Mas não resta dúvida - e V. Exª está coberto de razão - de que foram precipitadas as afirmações, inclusive demonstrando desconhecimento da atual economia nacional, que está exportando cada vez mais, e da defasagem cambial que - dizem nossos economistas - não chega sequer a 20%, e ele chega a falar em 40%. Parabéns.
O SR. JEFFERSON PÉRES - Obrigado, Senador Ney Suassuna. Só me permito divergir de V. Exª quanto a chamar o Dornbusch de Cassandra. Afinal, a filha de Príamo se celebrizou porque fazia profecias verdadeiras que não eram, no entanto, levadas em conta por seus conterrâneos de Tróia, e o resultado foi o que se viu. Ela alertou os troianos a respeito da ameaça grega, não foi ouvida...
O Sr. Ney Suassuna - Perdão, Excelência, eu disse uma Cassandra, porque esta, realmente, lembrou e previu o final de Tróia - ela que era irmã de Pares e filha de Príamo; até acertava muitíssimo. O referido economista, eu o coloquei como uma Cassandra no pejorativo.
O SR. JEFFERSON PÉRES - Na verdade, ele é, no meu entender pelo menos, a anti-Cassandra, porque faz profecias falsas que, no entanto, são levadas em conta por muita gente.
Veja bem, Senador Ney Suassuna, inclusive essa história que rola por aí de que o Dornbusch acertou a respeito do que disse sobre a crise mexicana é discutível. Ainda outro dia, a colunista Miriam Leitão, de O Globo, fez referência a um artigo ou entrevista, não sei bem, do Dornbusch, publicado pela Business Week de abril ou maio de 1994, no qual ele fazia rasgados elogios à política de Carlos Salinas, no México. Pouco depois, quando a situação parecia perfeitamente previsível, quando o déficit da balança de pagamentos no México já chegava a 8% do PIB mexicano e as reservas já estavam lá embaixo, foi fácil prever que o desastre estava prestes a ocorrer.
Quanto à questão da defasagem cambial, se é que existe, Senador Ney Suassuna, ela não precisa ser necessariamente - e quando a situação do setor externo é tranqüila - ela não precisa ser necessariamente corrigida com uma maxidesvalorização cambial, que tem conseqüências negativas muito grandes. Ela pode ser eliminada ou neutralizada em grande parte com a redução da carga tributária, como já está sendo feito, com a diminuição do chamado custo Brasil e com a abertura - o Governo anunciará isso hoje ou amanhã - de linhas de financiamentos a taxas de juros baixos aos produtos exportáveis. Tudo isso contribuirá para eliminar a defasagem que deve estar em torno de 10% a 15%, não em torno dos 40% chutados pelo Sr. Rudiger Dornbusch.
Voltando ao seu aparte, Senador Ney Suassuna, se a Comissão a que V. Exª pertence está preocupada - e isso é louvável por parte de seus membros - com os rumos da economia brasileira e quer ouvir profetas, não precisa buscá-los no exterior; há muitos aqui. Por exemplo, o Sr. Delfim Netto e a Srª Maria da Conceição Tavares, que há dois anos profetizam que o Plano Real vai por água abaixo. Profetizaram isto - lembra-se? - no lançamento: Que o Plano seria eleitoreiro, sustentado até outubro, mas que, em novembro, dezembro, o mais tardar, o Plano estaria fazendo água. Será que é desmemoriado este País? Então, se V. Exª quer ouvir profeta, não precisa buscar o Sr. Rudiger Dornbusch, chamem a Srª Maria da Conceição e o Sr. Delfim Netto, que são muitos bons em profecia.
De forma, Sr. Presidente, que o meu pronunciamento - meu tempo já está se esgotando - foi apenas nesse sentido.
O Sr. Bernardo Cabral - V. Exª me permite um aparte?
O SR. JEFFERSON PÉRES - Concedo-lhe com muito prazer, Senador Bernardo Cabral.
O Sr. Bernardo Cabral - Ouvi atentamente V. Exª, quando começava seu discurso, relembrando Churchill. Alguém disse sobre ele, um dia, na Câmara dos Comuns, que os mais velhos não conheceram ninguém parecido, e os mais novos dificilmente encontrarão outro igual. É importante que a premissa do discurso de V. Exª, falando sobre aqueles que querem lançar uma perspectiva que não tem qualquer alicerce, encontra em V. Exª um exímio esgrimista, até porque é a matéria que V. Exª leciona com mestria. Também ocupei a tribuna para falar sobre esse economista alemão - que muita gente pensa que é norte-americano - Sr. Rudiger Dornbusch, mas não consegui dizer aquilo que V. Exª agora diz com propriedade absoluta, recomendando inclusive ao nosso grande Senador Ney Suassuna: Aqui existem aqueles que são os profetas da catástrofe. Ainda bem que V. Exª está pondo à calva os respectivos autores de profecia tão nefasta. Meus cumprimentos.
O SR. JEFFERSON PÉRES - Costumo dar nomes aos bois, Senador Bernardo cabral. Ilude-se quem pensar que algumas dessas Cassandras irão algum dia aplaudir o Plano Real. Não irão jamais. Inclusive porque alguns são ressentidos; deixaram a economia do País com inflação beirando 1.000% ao ano, e o êxito no controle da inflação e na estabilidade de preços é uma bofetada no rosto deles. Eles têm essa mágoa profunda, aberta, que nunca será fechada; jamais aplaudirão o controle da inflação porque o êxito atual é a prova do seu fracasso, da sua incompetência no passado. Essa que é a verdade.
O Sr. Ney Suassuna - Permite-me V. Exª fazer apenas uma clarificação das nossas posições. Não queremos ouvir o Sr. Dornbusch; queremos apenas que essa Comissão faça a verificação dos números, dos itens levantados, para que possamos ficar mais tranqüilos. Dessa forma, o cidadão poderá dormir sem aquela preocupação de que haja alguma porta aberta, porque fez a conferência e todas estavam fechadas. Queremos fazer isso porque achamos - e V. Exª bem usou agora mesmo a expressão no sentido pejorativo - que ele é apenas uma Cassandra que chuta números para ocupar espaços de televisão e de mídia. Nós não queremos ouvi-lo, queremos apenas conferir, para ter a consciência tranqüila de que cumprimos o nosso dever revisando os números, e para podermos continuar tranqüilos, como estamos hoje, de que o Plano Real está dando certo.
O SR. JEFFERSON PÉRES - Muito obrigado, nobre Senador Ney Suassuna. Finalmente, para concluir, Sr. Presidente, quero dizer que tenho sido um crítico desse Governo e que continuarei a sê-lo, apesar de pertencer ao Partido que está no Governo. Esse Governo precisa ser criticado em muita coisa, como a sua atuação débil na parte social, as suas vacilações, a falta de afirmação, enfim, as suas concessões ao fisiologismo. Quantas vezes proclamei isso aqui!
Agora, não se virá criticar aqui, sem o meu protesto, sem a minha contestação, uma coisa na qual o Governo merece nota 10, e que enquanto continuar assim merecerá a minha aprovação, que é uma política macroeconômica impecável. Quem diz isto não sou eu, são os resultados econômicos, que estão aí para quem quiser conferir.
Muito obrigado, Sr. Presidente.