Discurso no Senado Federal

REGULAMENTAÇÃO DAS RADIOS COMUNITARIAS.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TELECOMUNICAÇÃO.:
  • REGULAMENTAÇÃO DAS RADIOS COMUNITARIAS.
Aparteantes
Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 20/06/1996 - Página 10406
Assunto
Outros > TELECOMUNICAÇÃO.
Indexação
  • NECESSIDADE, REGULAMENTAÇÃO, SERVIÇO, RADIODIFUSÃO, COMUNIDADE, OBJETIVO, PRESERVAÇÃO, LIBERDADE DE IMPRENSA, DEMOCRACIA, MEIOS DE COMUNICAÇÃO.
  • ELOGIO, TRABALHO, RADIO, FAVELA, CLANDESTINIDADE, DIFUSÃO, INFORMAÇÃO, CULTURA, REGIÃO, APOIO, CONTROLE, COMUNIDADE.
  • CRITICA, POLICIA FEDERAL, REPRESSÃO, RADIO, COMUNIDADE, APREENSÃO, EQUIPAMENTOS.

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o motivo que me leva a ocupar a tribuna desta Casa no dia de hoje é uma questão da maior relevância para a construção da democracia em nosso País.

Percebo, em meio às discussões que se têm travado sobre a democratização dos meios de comunicação, uma dificuldade muito grande em falar a respeito desse tema. Por um lado, queremos preservar a liberdade de imprensa; por um outro, democratizar os meios de comunicação para que a eles todos tenham acesso.

Diante disso, há a necessidade de regulamentar o mais rápido possível os serviços de radiodifusão livre e comunitária. Hoje essas rádios estão operando com dificuldades, em virtude do disposto nos arts. 33 a 38 e 70, da Lei nº 4.117, de 1962, que instituiu o Código Brasileiro de Telecomunicações, modificada pelo Decreto nº 236, de 1967. São leis anacrônicas que, diante da modernidade tecnológica alcançada nas duas últimas décadas e dos avanços políticos e democráticos que apontam para o fortalecimento da cidadania, mantêm o Brasil atrasado nesse setor. Não asseguram práticas informativas democráticas nem amparam o desenvolvimento de novas tecnologias. A maioria absoluta das outras nações já regulamentaram essa matéria.

Desde os anos 70, deu-se início à legalização das rádios hoje chamadas comunitárias. O Brasil, como sabemos, não dispõe de uma verdadeira política de comunicações. Estamos há muito tempo pleiteando que se regulamentem esses dispositivos, que coloquem o Brasil na chamada modernidade, porque queremos que haja uma participação efetiva da comunidade.

Como já disse, desde os anos 70, apesar de vários países terem dado início ao processo de legalização desses veículos de comunicação, na Europa, nos Estados Unidos e praticamente em toda a América Latina, nós ainda, na nossa experiência, não conseguimos avançar.

E hoje também estou nesta tribuna porque foram implantadas, em áreas de favelas e de bairros populares, essas rádios. Elas começaram a desenvolver um importante trabalho de disseminação das informações, dando livre acesso a toda e qualquer tendência, trabalhando, efetivamente, voltadas para a cultura regional.

O Sr. Romeu Tuma - Senadora Benedita da Silva, V. Exª me concede um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Romeu Tuma - Senadora Benedita da Silva, V. Exª traz à baila um assunto de bastante importância. Já estive por duas vezes com o Ministro das Comunicações, Sr. Sérgio Motta, levando a ele as preocupações com as rádios comunitárias, que, na atual legislação, passaram a ser consideradas clandestinas, portanto, sujeitas à apreensão e a processo-crime, por esse motivo. Acredito que S. Exª já deve estar enviando um projeto, regulamentando a questão. O grande problema são as freqüências que podem ser fornecidas às rádios comunitárias. Algumas dessas rádios têm um potencial muito grande e, às vezes, podem interferir nas estações de broadcasting de empresas. A idéia é dar duas ou três freqüências que possam realmente atingir, numa área de favela, praticamente as dimensões geográficas daquela região. Penso que é importante que se trabalhe nesse sentido. Quero endossar o discurso de V. Exª e gostaria de, posteriormente, conversar com V. Exª para apresentar idéias, algumas correspondências e projetos que tenho recebido a respeito. Agradeço a oportunidade do aparte, Senadora Benedita da Silva.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Senador Romeu Tuma, agradeço o aparte de V. Exª, porque bem sabe que é preciso regulamentar para que eles possam sair da clandestinidade. Mas, independente disso, sabemos que há mais de 2.500 rádios comunitárias pelo nosso País. E podemos constatar que está havendo repressão.

Vim à tribuna hoje para tratar de outro assunto, mas me chamou a atenção o fato de que também tenho recebido documentos sobre as rádios comunitárias.

Recebi do Fórum Nacional pela Democratização dos Meios de Comunicação um dossiê - inclusive, aconselhei os Srs. Senadores a tomar conhecimento dele -, bem como outros documentos, sugestões de iniciativas desses segmentos, de profissionais competentes que estão operando essas rádios nas favelas.

A repressão está muito séria. A Polícia Federal fechou cinco rádios comunitárias, cuja potência era inferior a 50 MHz. Ora, eles confiscaram os transmissores de áudio, prenderam em flagrante os responsáveis e os levaram para a delegacia da Polícia Federal, só os liberando sob fiança.

Tal procedimento é arbitrário do ponto de vista dos avanços da nossa Constituição, porque, se essas rádios são de baixa potência e não têm fins lucrativos, elas devem receber o tratamento de rádios comunitárias. E na medida em que ainda não há uma regulamentação - estão tramitando seis ou sete projetos na Câmara dos Deputados, com substitutivo; eu, inclusive, tenho um projeto nesta área -, não se pode, do ponto de vista solidário, político, pautar-se numa lei anacrônica, como eles estão fazendo, para considerar o flagrante e fazer dessas rádios comunitárias, que têm potência inferior a 50 MHz, o exemplo de que existe uma irregularidade.

Não podemos concordar com isso, porque a rádio comunitária presta relevante serviço e não ameaça, como alguns podem pensar, as nossas chamadas grandes potências. No seu exercício, tem de levar a notícia do dia-a-dia daquela comunidade, as reivindicações, as críticas, as notas sociais. Quantas vezes estou na minha casa e sou informada de que faleceu alguém, de que é preciso fazer um mutirão na comunidade, de que está acontecendo um incêndio em outro bairro ou coisas assim. A rádio está informando e ajudando na formação educacional daquela comunidade. A maioria talvez não tenha condições de, todos os dias, comprar os jornais ou mesmo ter uma televisão em casa. E a comunidade, através da rádio comunitária, se informa. A rádio comunitária também dá vez e voz a qualquer um que ali more. O morador coloca a sua maneira de ser, dentro da ética, sem ferir a nossa Constituição e sem ameaçar, evidentemente.

Temos visto que há um verdadeiro controle, uma verdadeira fiscalização pela comunidade. É a isto que se propõe, inclusive, o Fórum Nacional pela Democratização dos Meios de Comunicação: que haja verdadeiramente uma participação. Essa a negociação do Fórum junto ao Ministério.

Diante dessa situação, telefonei para o Ministro, que não estava, mas fui informada de que cuidariam de evitar que fossem apreendidos os equipamentos. É muito sacrificante para a comunidade montar a sua rádio e todo o material ser apreendido. Sabemos que isso custa caro para eles que recebem salário mínimo. Quantas e quantas vezes tem que ser feita uma ou outra festa na comunidade, chamar um ou outro para, numa lista, cooperarem com a compra do equipamento.

Portanto, quando temos as grandes potências funcionando e vemos que essa comunidade, que se organiza com dificuldade e consegue colocar um serviço de qualidade sem qualquer apoio, e aí apreendem o seu equipamento, dizendo que tem que se cumprir a lei. Pelo amor de Deus! Isso me faz lembrar do vexame que passamos hoje naquela Comissão com o intuito de sustentarmos um Regimento; uma situação jamais vista por nós nesta Casa. A mesma coisa está acontecendo com essas nossas rádios comunitárias, ou seja, "são dois pesos e duas medidas".

Essas rádios não desejam a clandestinidade. Elas estão contribuindo com o Presidente da República, com o Executivo, que pretendem investir na educação; e informação é conhecimento, é educação. Temos realmente que investir nisso.

Portanto, não podemos deixar de regulamentar esses projetos que estão vindo da Câmara e até mesmo os que estão aqui no Senado Federal.

Temos que definir qual será o seu perfil, os princípios básicos.

Penso que, em primeiro lugar, devam ser emissoras comunitárias, geridas por pessoa jurídica e sem fins lucrativos.

Em segundo lugar, que elas tenham controle público, isto é, que sejam administradas, controladas e fiscalizadas pela própria comunidade.

E, em terceiro lugar, que sua programação seja plural, dando espaço para todos os tipos de manifestação do pensamento, desde que não firam a ética e a Constituição.

Mas, por que o movimento social organizado deseja tanto a implantação desse sistema de radiodifusão de baixa potência?

Porque ele é hoje uma necessidade de qualquer regime democrático, pois permite a ampliação do acesso aos meios de comunicação de massa, dos setores sociais impedidos de exercer o seu direito de se comunicar.

Isso é extremamente importante. Também sabemos que, nesse contexto de desemprego, a radiodifusão livre e comunitária abre novos mercados de trabalho, desenvolvendo a formação de mão-de-obra profissionalizada, especializada, com uma capacitação não apenas para exemplo da comunidade, mas para abertura desse mercado. Essa radiodifusão livre e comunitária já é uma realidade no Brasil; não podemos ignorá-la. Ela já criou uma nova mentalidade, uma nova consciência, uma nova necessidade: a do povo brasileiro de ver o seu rosto na "telinha" e de ouvir sua voz no rádio. Há essa necessidade de que as pessoas se vejam, que ouçam e possam ser ouvidas. Portanto, precisamos unir nossos esforços para que o projeto de lei, que regulamenta essas rádios populares e que está em tramitação na Câmara, possa ter a nossa aprovação o mais breve possível.

Gostaria de finalizar, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, dizendo que as ondas magnéticas, obra magnífica da natureza, não devem ser transformadas em propriedades de poucos, prejudicando a maioria.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/06/1996 - Página 10406