Discurso no Senado Federal

REPUDIANDO CRITICAS A SUA PESSOA, FEITAS PELA REVISTA VEJA EM ARTIGO INTITULADO 'O GOLPE DE 1902', BUSCANDO NUMA EMENDA DE SUA AUTORIA A MEDIDA PROVISORIA EM TRAMITAÇÃO, UM MOTIVO PARA INSINUAR COMPROMETIMENTO INDEVIDO DE DINHEIRO PUBLICO.

Autor
Edison Lobão (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
Nome completo: Edison Lobão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IMPRENSA.:
  • REPUDIANDO CRITICAS A SUA PESSOA, FEITAS PELA REVISTA VEJA EM ARTIGO INTITULADO 'O GOLPE DE 1902', BUSCANDO NUMA EMENDA DE SUA AUTORIA A MEDIDA PROVISORIA EM TRAMITAÇÃO, UM MOTIVO PARA INSINUAR COMPROMETIMENTO INDEVIDO DE DINHEIRO PUBLICO.
Aparteantes
José Fogaça, Vilson Kleinübing.
Publicação
Publicação no DSF de 21/06/1996 - Página 10474
Assunto
Outros > IMPRENSA.
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, IMPRENSA, OPÇÃO, OFENSA, REPUTAÇÃO, LEGISLATIVO, FALTA, PROPORCIONALIDADE, DIREITO DE RESPOSTA.
  • REPUDIO, ACUSAÇÃO, IMPRENSA, FAVORECIMENTO, ORADOR, EMENDA, TRANSFORMAÇÃO, TITULO, MOEDA, PRIVATIZAÇÃO, OBJETIVO, CUMPRIMENTO, COMPROMISSO, GOVERNO.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL-MA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, peço a atenção dos meus eminentes colegas, numa homenagem especial, para que ouçam as explicações que pretendo transmitir nesta tarde.

Reconfirma-se, dia a dia, que se mantém inabalável parte da nossa imprensa no exercício de avassaladora pressão sobre os Poderes constituídos.

Em relação ao Congresso, recorde-se que, em anos recentes, todos os jornais do País, merecedores de credibilidade, dedicavam páginas à cobertura do plenário e das comissões do Senado e da Câmara, mantendo os leitores fielmente informados sobre os trabalhos parlamentares.

De uns tempos para cá, tais páginas foram eliminadas como num passe de mágica e a imprensa passou a preferir as notícias negativas que eventualmente acontecem em nosso meio.

A opinião pública não mais toma conhecimento dos grandes discursos, debates e projetos que diariamente ocorrem no Congresso. Não fora a Voz do Brasil, com a qual também as imprensas escrita e falada querem acabar, nossa solidão parlamentar, neste Planalto Central, seria completa.

Na imprensa atual, nasceu a preocupação constante de pincelar-se, em qualquer tema por nós tratado, um ponto qualquer que propicie interpretações duvidosas, capazes de comprometer a seriedade com que os mandatos, na sua quase unanimidade, são cumpridos no Congresso Nacional.

Temos assistido com freqüência às acusações levianas que se lançam contra Senadores e Deputados. Após comprovada sua improcedência, ao Parlamentar - grave e injustamente ofendido em escandalosas manchetes - concede-se apenas o "direito" de divulgar uma nota na coluna "Carta dos Leitores", numa absurda desproporção entre a ofensa e a resposta.

Ainda agora, a revista Veja, com todo o potencial das suas tiragens, publica uma reportagem intitulada "O Golpe de 1902", buscando, numa emenda de minha autoria a medida provisória em andamento, um motivo para insinuar comprometimento indevido do dinheiro público.

Vejamos os fatos:

No início deste século, o então Presidente Nilo Peçanha baixou o seguinte decreto:

      Decreto n. 8.154 - de 18 de agosto de 1910

      O Presidente da Republica ... usando das autorizações...

      Art. 1º. Fica o Ministerio da Fazenda autorizado a emitir apolices até a quantia de 20.000.000$, para occorrer ao pagamento das prestações vencidas e por vencer dos contractos celebrados pelo Governo da União para a construcção das Estradas de Ferro Madeira e Mamoré, S. Luiz a Caxias, prolongamento da de Sobral e Central do Rio Grande do Norte, Timbó, Passo Fundo a Uruguay, Itaqui a S. Borja e outras linhas férreas que servem à ligação dos Estados.

      Art. 2º. As apolices de que trata o artigo antecedente serão nominativas, do valor de 1:000$, cada uma, vencerão o juro de 5%, papel, ao anno e serão do typo a que se refere o decreto n. 4.330, de 28 de janeiro de 1902.

      Art. 3º. O juro desses titulos será pago semestralmente na Caixa de Amortização e nas Delegacias Fiscaes nos Estados.

      Art. 4º. A amortização será feita na razão de meio por cento ao anno a partir daquelle que se seguir ao da terminação das obras, por meio de compra, quando as apolices estiverem abaixo do par, e por sorteio, quando estiverem ao par ou acima delle.

      Art. 5º. Os titulos que forem emittidos gozarão da garantia do Governo e dos privilégios e isenção que as leis concedem às apolices ora em circulação.

      ..................................................

      NILO PEÇANHA

      Leopoldo Bulhões

A este decreto seguiu-se, a 29 de março de 1911, o de nº 8.633, baixado pelo então Presidente Hermes da Fonseca, empregando os mesmos termos do anterior, com alteração no valor da nova emissão de apólices - 30 milhões de contos de réis - e acrescentando as expressões "Timbó a Propriá".

Passaram-se os anos e o Governo jamais comunicou aos possuidores de títulos o término das obras, ou lhes pagou os juros devidos, ou iniciou a amortização de meio por cento ao ano. Não cumprira, portanto, nenhum dos seus compromissos junto aos milhares de brasileiros que confiaram na palavra oficial.

A 28 de fevereiro de 1967 - portanto, já no período revolucionário -, sob a pressão dos interessados, o Presidente Castello Branco e o seu Ministro Octávio Gouvêa de Bulhões assinaram o Decreto-lei nº 263, convocando todos os possuidores dos bônus acima referidos para resgate de juros e principal, estabelecendo para esse fim um prazo de seis meses, sob pena de prescrição. O Banco Central, incumbido dessa tarefa, somente dezessete meses após a edição do referido decreto, publicou o edital no Diário Oficial da União, cumprindo orientação ditada pelo diploma legal.

Tempos depois, em 30 de dezembro de 1968, o Presidente Costa e Silva e seu Ministro Delfim Netto, através do Decreto-lei nº 396, reabriram o prazo de apresentação dos referidos títulos, mantendo, todavia, a condição prescricional, agora ao final de doze meses. Nos instantes desses decretos de 1967/1968 estavam vencidos os juros de todo o período e cerca de um quarto do principal, pois já haviam decorridos mais de 50 anos.

Estes os fatos históricos vinculados a tais títulos da dívida pública.

Começo por dizer, nesta etapa do meu discurso, que pessoalmente não tenho um título sequer desses que ora são discutidos, nem os possuem quaisquer dos membros da minha família e, ao que sei, os amigos mais chegados também não os possuem. Fui procurado em meu gabinete por provectas senhoras, herdeiras familiares desses títulos, que pediram o meu interesse para o ressarcimento do que julgavam do seu direito.

Sensibilizei-me com o pedido, menos pela simpatia que irradiavam tais senhoras do que pela óbvia conclusão de que se tratava de um pleito justo. Na verdade, não se poderia admitir, em nenhum governo respeitável do mundo, o propósito de calote contra seus cidadãos de boa-fé. Se o governo emitiu títulos a que apôs o selo republicano da sua garantia, assim estimulando a sua aquisição, torna-se evidente que tem a obrigação de resgatá-los nos termos do contrato de adesão original.

Há algum tempo, li uma entrevista do Deputado Delfim Netto, na qual afirma ser inadmissível definir-se como podre um título garantido pelo governo. A própria definição já seria uma desmoralização para o poder público.

Sempre pensei assim também. Qualificar-se de podre um título oficialmente emitido sob o compromisso de garantido resgate é uma suprema humilhação para quem o patrocinou, humilhação essa que compromete a respeitabilidade dos poderes públicos.

Minhas emendas às medidas provisórias, autorizando a aplicação de tais títulos como moeda alternativa no Programa Nacional de Desestatização (PND), inspiraram-se exatamente nesse pensamento de que a chamada moeda podre é uma ficção maldosa, incorreta, só possível no jargão popular, mas inadmissível no âmbito oficial.

Na minha proposta, elegi o padrão ouro para evitar o uso de índices de correção ou referenciais subjetivos que podem distorcer os critérios de revalorização das apólices, desde o período anterior à introdução da correção monetária, em 1967, até a data da efetiva utilização dos títulos do PND. A mesma quantidade do metal adquirida na data de emissão de cada título é facilmente convertida no seu correspondente valor monetário em qualquer época.

Se a reivindicação dos interessados acabar na Justiça, Sr. Presidente, veremos que as correções de lei multiplicarão por muito o padrão ouro por mim escolhido como solução para o resgate dos referidos títulos.

O argumento de que se trata de dívida muito antiga, com mais de 80 anos, e por isso absolve a União da sua responsabilidade pecuniária e moral, é inteiramente falacioso. A admitir-se tal argumentação, as dívidas externas antigas igualmente não deviam ser pagas.

No entanto, foi o próprio governo que estabeleceu, com os portadores dos títulos, um contrato de 200 anos!... Essa vigência de dois séculos está clara no supratranscrito art. 4º, dos Decretos dos Presidentes Nilo Peçanha e Hermes da Fonseca, o que volto a fazer para enfatizar seus termos:

      A amortização será feita na razão de meio por cento ao anno a partir daquele que se seguir ao da terminação das obras, por meio de compra, quando as apolices estiverem abaixo do par, e por sorteio, quando estiverem ao par ou acima delle.

Ora, qualquer ginasiano, mesmo não aplicado em aritmética, sabe que, a meio por cento ao ano, são necessários 200 anos para se atingir os 100% do valor total do título!... E, ainda por cima, o governo não começou a pagar a seus fiéis credores, conforme se obrigara, a partir daquele ano que teria se seguido à conclusão das obras, fato que nunca foi comunicado aos interessados. 

O Sr. José Fogaça - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EDISON LOBÃO - Ouço com prazer o Senador José Fogaça.

O Sr. José Fogaça - Senador Edison Lobão, V. Exª me procurou, há algum tempo, trazendo exatamente a proposta da sua emenda. E eu disse-lhe, como também à pessoa com quem nos encontramos aqui, no Senado, que iria fazer um estudo e uma avaliação do montante e da repercussão desses títulos, uma vez que, como Relator da matéria, era esse o meu dever. Pedi que um funcionário graduado do Tesouro viesse ao meu gabinete para me informar sobre a repercussão desses valores no caixa do Tesouro, porque somente tendo essa dimensão e, de certa forma, o acatamento do Governo é que poderia dar o parecer favorável. Mas a tal ponto cheguei exatamente pela boa-fé com que registro o seu procedimento e o meu papel como Relator. Não parti, em nenhum momento, da hipótese de que V. Exª estava me apresentando uma falcatrua ou algum tipo de negociata. Parti da hipótese de que V. Exª estava me apresentando uma proposta séria, em nome de pessoas sérias e com papéis que têm que ser honrados. No entanto, os próprios funcionários do Tesouro, os próprios integrantes do Governo, não souberam prestar as informações das quais precisava, os elementos de segurança que precisava para definir uma posição e caminhar com mais clareza sobre a matéria. Então, diante da inexistência de informações mais esclarecedoras, na dúvida, fui obrigado a optar por rejeitar a emenda de V. Exª. Mas quero aqui afirmar, enfaticamente, que não declarei a ninguém, em momento algum, que via em sua atitude qualquer coisa de condenável ou qualquer tipo de restrição. Não tendo as informações e os elementos necessários, senti-me inseguro para dar o parecer favorável. E a razão que se associava a essa era também uma razão técnica. Tratava-se de uma medida provisória criando as Notas do Tesouro Nacional, as NTNs, como moeda da privatização nacional, títulos a serem colocados com o Banco do Brasil e com a Caixa Econômica Federal, na medida em que essas instituições financeiras detêm os chamados títulos ou moedas podres da privatização. Uma vez que me faltavam esses dados, não detendo as informações e nem mesmo tendo fontes oficiais seguras, parti do princípio de que deveria rejeitar, mas o fiz tão-somente por não ter maior segurança sobre a matéria. No entanto, quero fazer aqui o registro de que, em nenhum momento e de nenhuma forma, eu vi ou tentei ver em seu procedimento qualquer tipo de conduta desabonatória. Ao contrário, V. Exª traz uma emenda e as emendas são públicas, portanto é passivo de conhecimento público, de debate, de discussão e de transparência, assim como o meu parecer também é público; de modo que ninguém escondeu nada de ninguém. Obrigado, Senador Edison Lobão.

O SR. EDISON LOBÃO - Agradeço o esclarecimento do eminente Senador José Fogaça, que vem em boa hora. O que S. Exª relata foi exatamente o que ocorreu nas conversas que mantivemos. Se eu estivesse em seu lugar, como Relator, Senador José Fogaça, e tivesse solicitado ao Governo as informações que V. Exª solicitou e não as tivesse recebido, também teria dificuldades em emitir um parecer favorável. Portanto, em nada estou contrário à posição de V. Exª. Mas V. Exª acaba de declarar que jamais fez qualquer manifestação de reparo que fosse ao meu comportamento. V. Exª foi claro quanto a isto agora.

Sucede que a revista Veja, que deveria ser respeitável mas não é, declara que V. Exª teria dito: "Esse negócio nunca me pareceu boa coisa." E o Senador José Fogaça acaba de afirmar que nunca disse isto.

Então, é contra esses procedimentos de uma revista desta envergadura, que todos nós lemos e que gostaríamos de nela acreditar, que aqui me levanto. Não é possível que os homens públicos estejam a cada instante sendo submetidos à censura, a acusações, à maledicência de empresas jornalísticas desta natureza.

Mas vamos voltar ao tema da validade ou não dos títulos. O advogado Saulo Ramos foi ouvido por interessados sobre a validade desses títulos. Pediram a ele um parecer e ele respondeu através de uma carta, da qual a revista publica um pequeno trecho, e não a carta integral, porque não lhe convinha.

Diz a carta do Dr. Saulo Ramos, que por si só é absolutamente esclarecedora:

      "Recebi consulta, que V.Sªs tiveram a gentileza de formular-me, a respeito da Dívida Pública Interna Fundada Federal, constituída pela emissão de apólices, de responsabilidade do Governo da República, no começo do século, revalidadas, as não pagas em 1967, pelo Decreto-Lei nº 263, que fixou prazo para a substituição, por ORTN, prorrogado uma vez pelo Decreto-Lei nº 396, de 30 de dezembro de 1968.

      Ambos os diplomas fixaram prazo, sob pena de prescrição, inferior a cinco anos, esquecidos os respectivos redatores do art. 172, V, do Código Civil, não revogado por eles.

      Como a convocação para tal fim, dos portadores daqueles títulos, foi efetuada através do Diário Oficial, muitas pessoas não tiveram conhecimento da revalidação, sobretudo as residentes no exterior e que investiram no Brasil, confiando na presumível seriedade de propósitos de nossos governantes. Cogita-se, agora, de nova solução legislativa, que possibilite outra substituição daquelas apólices, desta vez por Notas do Tesouro Nacional (NTN), cuja emissão é objeto de autorização proposta em medida provisória que tramita no Congresso Nacional.

      Verifiquei tratar-se de questão singela, sujeita somente à vontade política dos Poderes Legislativo e Executivo, a ser consubstanciada na edição de normal legal para resgatar uma obrigação pecuniária e moral do País, sem qualquer dificuldade jurídica que justificasse um estudo mais aprofundado, através do parecer solicitado.

      Assim, agradeço sensibilizado a confiança dos eminentes Colegas; mas, julgando desnecessário o trabalho, não me sentiria confortável, do ponto de vista ético, em onerar, com meus honorários, os interessados no assunto, já suficientemente sacrificados pela histórica inadimplência do Tesouro Nacional.

      Assinado: Saulo Ramos."

Sr. Presidente, em substancioso parecer, chegado às minhas mãos nos instantes em que concluía a redação deste pronunciamento, os Drs. José Kléber Leite de Castro, ex-diretor do Banco Central e Percio Gomes de Mello, demonstram com clareza que os mencionados Decretos-leis nºs 263 e 396 "violentaram atos jurídicos perfeitos e direitos adquiridos, eis que alteraram as cláusulas, condições e termos das apólices emitidas pelo Tesouro, reduzindo-lhes o prazo de resgate e o prazo de prescrição, sem que, para tanto, se obtivesse o assentimento dos credores."

Concedo o aparte ao Senador Vilson Kleinübing que me havia solicitado antes. Em seguida concluirei, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros) - Lamentavelmente, o tempo de V.Exª está encerrado.

O SR. EDISON LOBÃO - Peço a compreensão de V. Exª em mais meio minuto e concluirei a minha oração.

O Sr. Vilson Kleinübing - Senador Edison Lobão, só para aproveitar a oportunidade para caracterizar bem o que é moeda podre. Todo título e qualquer moeda, impressos por um governo, não são podres, desde que tenham validade, desde que não tenham perdido o valor por algum instrumento legal. Não conheço bem o detalhe desses títulos que foram aí emitidos, mas qualquer título público que não tenha uma cláusula que defina que perdeu sua validade constitui-se numa obrigação do Estado de resgatar e honrar. Cito como exemplo um caso muito recente em que o governo alemão resgatou, na base de 1 por 1, todas as moedas da Alemanha Comunista, emitidas por um outro governo que, no mercado, não tinham nenhum valor estabelecido - se era 5 por 1 ou 10 por 1, porque era um mercado que não tinha condições de definir esse valor. Mas o Banco Central Alemão, numa decisão histórica, dizia que, se foi emitido por um governo, o Banco Central Alemão tinha obrigação de honrar o seu valor de face, na base de 1 por 1. Assim, todas as moedas foram trocadas por um valor de face, na relação 1 por 1, para caracterizar que o que o Governo emite tem que ser honrado. Não havendo cláusula que o derrube, tem que ser honrado.

O SR. EDISON LOBÃO  - Agradeço a V. Exª, Senador Vilson Kleinübing, o testemunho que traz. A Argentina acaba de resgatar também uma dívida de 70 anos passados. E assim tem ocorrido em quase todas as nações do mundo.

A família Dart, nos Estados Unidos, acaba de receber também a indenização de títulos que estavam em seu poder, no valor de aproximadamente US$4 bilhões. Uma única família, sem que isso tivesse causado qualquer problema junto ao governo.

Hoje, autoridades como o Sr. Andrea Calabi e o Sr. Murilo Portugal, que criticam a ação desta emenda, não pronunciaram nenhuma palavra contrária ao resgate da dívida da família Dart.

Continuo, Sr. Presidente, em substancioso parecer - chegado às minhas mãos nos instantes em que eu concluía a redação deste pronunciamento -, os Drs. José Kléber Leite de Castro, ex-Diretor do Banco Central do Brasil, e Percio Gomes de Mello demonstram com clareza que os mencionados Decretos-leis 263 e 396 "violentaram atos jurídicos perfeitos e direitos adquiridos, eis que alteraram as cláusulas, condições e termos das apólices emitidas pelo Tesouro, reduzindo-lhes o prazo de resgate e o prazo de prescrição, sem que, para tanto, se obtivesse o assentimento dos credores (isto é, dos portadores dos títulos).

Ambos os juristas fazem um longo estudo de todas as Constituições brasileiras e transcrevem abundante jurisprudência dos Tribunais Superiores para reconfirmarem que, à exceção da de 1937 - de índole nazi-fascista, como dizem -, consagra-se em nossa tradição constitucional e jurídica a "proteção declarada ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido, seja por modo direto, seja por preceitos de maior abrangência."

Acrescentam que não houve "a divulgação pública da conclusão das obras financiadas com as captações, ou seja, em nenhum momento se determinou a data de início de fluência do prazo de resgate", pelo que asseguram, entre outras considerações, que "assim, quer por sua inconstitucionalidade, quer pela nulidade emergente do vício de execução, os decretos-leis 263 e 396 seguramente não tiveram nenhuma eficácia jurídica."

Resumindo o resultado dos seus estudos, concluem os Drs. José Kléber Leite de Castro e Percio Gomes de Mello:

"a) o decreto-lei 263 e o decreto-lei 396 são inconstitucionais, por ferirem o ato jurídico perfeito e o direito adquirido, que estavam consagrados à época de sua edição, por constarem expressamente como garantias da Constituição de 1967 e por se ampararem na tradição jurídica nacional:

b) as condições inscritas nas apólices da dívida pública e nos decretos autorizativos de sua emissão, constituíram relações jurídicas definitivas e incorporaram direitos ao patrimônio dos seus portadores, não podendo, então, ser alteradas unilateralmente pela via de decretos-leis, por consubstanciarem atos jurídicos perfeitos e direitos adquiridos;

c) as regras referentes ao prazo de resgate e à prescrição dizem respeito à substância do ato jurídico perfeito e do direito adquirido; logo, não poderiam ser vulneradas por legislação superveniente, cuja retroatividade é vedada pelo texto constitucional;

d) a falta de publicação do respectivo edital torna nula a execução do decreto-lei 396 e, por conseguinte, interrompe o fluxo do prazo prescricional nele previsto;

e) a comunicação do término das obras igualmente constitui condição expressa de início do resgate das apólices e sua omissão também elide o curso do prazo prescricional;

f) a correção monetária não caracteriza um "plus", mas simples instrumento de preservação da moeda; é, portanto, juridicamente lícita a sua incidência, desde a data da emissão das apólices, até a data do resgate efetivo, sob pena de enriquecimento ilícito da União, de afronta às exigências da moralidade administrativa (CF/88, art. 37) e de ofensa ao princípio da isonomia, pois os índices de atualização se aplicam a todos os créditos da fazenda pública;

g) a restauração dos direitos dos detentores das apólices pode operar-se pela via judicial, com as desvantagens que lhe são próprias, ou por lei nova, observadas as exigências formais e materiais do processo legislativo, com maior proveito do Poder Público e dos seus credores."

O Deputado Delfim Netto ofereceu declarações irônicas no bojo da reportagem de "Veja" que ora comentamos, esquecido, porém, que o seu decreto, de 1968, também alterou a seu bel prazer o prazo definido em diploma anterior como o da prescrição.

Um Decreto-lei, ao regular dívidas vencidas do Estado, não pode fixar regras de prescrição que contrariem a sistemática adotada pelo Código Civil Brasileiro, mormente quando inova, sem ouvir as partes - como no detalhe dos 200 anos -, os termos anteriormente contratados. O ex-Ministro Delfim Netto - signatário do decreto de 1968 que, para felicidade nossa, ainda sobrevive, e sobrevive bem, com saúde e muita verve - talvez seja o único brasileiro que não devia tocar no assunto, muito menos dar entrevistas à imprensa sobre o problema, pois isto soa, no mínimo, como hipocrisia.

O Sr. Andrea Calabi, Secretário Executivo do Ministério do Planejamento, e o Sr. Murilo Portugal, Secretário do Tesouro, também participaram da reportagem da revista, tendo dito o primeiro que a emenda propugnando pelos claros direitos dos possuidores dos títulos da Dívida Pública, "é uma tentativa de extorquir o País."

Ambos os burocratas, ao que parece, não consideraram extorsão o profundo mergulho que se deu no bolso dos contribuintes, aliviando-os dos mais de 20 bilhões de reais que se ofereceram aos bancos falidos, decisão para a qual certamente contribuíram esses senhores pela alta posição de assessoramento que ocupam.

Os Srs. Andrea Calabi e Murilo Portugal, integrantes da mais alta hierarquia econômico-financeira da nossa administração, naturalmente também foram ouvidos e concordaram com a submissão do Brasil às pressões da família Dart, pagando-lhe o Banco Central em dinheiro, segundo o noticiário da imprensa e informações obtidas junto ao próprio Banco, todas as prestações atrasadas e, em bônus, os valores de 2,2 bilhões reais! E tudo isto a uma família, apenas!

O Sr. Andrea Calabi não definiu este fato como uma miserável extorsão contra o País. Por que não o fez?...

O "caso Dart" - referido até mesmo nos documentos que o Banco Central encaminhou ao Senado através da recente Mensagem nº 156, de 1996, solicitando autorização para que a União realize operações de reestruturação dos bônus da dívida externa brasileira - é aquele episódio que envolve o grupo norte-americano Dart Container Corporation.

Os Dart recompraram títulos da dívida externa no mercado secundário a preço de banana. O preço dos títulos brasileiros chegou a ser estabelecido com desconto de 78% do valor facial em dezembro de 1989. Os Dart compraram os títulos com descontos elevadíssimos. Conseguiram juntar US$ 1,4 bilhão em títulos da dívida brasileira e, por fim, exigiram o pagamento in totum da dívida.

Quando o Brasil realizou o acordo de reescalonamento da dívida externa no âmbito do Plano Brady, os Dart formaram uma frente de oposição ao acordo. Embora o acordo brasileiro fosse muito generoso para com os credores (alguns bônus previam a captação de um desconto de apenas 35% em troca da formação de cauções que garantiam o pagamento do principal da dívida), os Dart fizeram tudo que puderam em sentido contrário. Eles se recusaram a assinar o acordo e criaram todo tipo de problema nas Cortes de Justiça.

Em resumo, os Dart não emprestaram um centavo de dólar ao Brasil, não investiram um centavo de dólar, e, no entanto, tornaram-se grandes credores da dívida externa brasileira.

A argumentação do Banco Central é a de que precisava resolver a pendência com os Dart para melhorar a imagem do Brasil. Ora, o Brasil não tem imagem ruim. Ao contrário, goza do melhor conceito no âmbito internacional. Podia ter negociado sua dívida com os Dart em melhores condições.

No entanto, não vimos qualquer reação dos Srs. Andrea Calabi e Murilo Portugal a esses acontecimentos que resultaram em valores possivelmente superiores aos reclamados por milhares de investidores que, no passado, acreditaram no governo.

E ressalte-se ainda, como oportuno esclarecimento, que minha proposição apenas propugna no sentido de que os títulos de 1910/1911 sejam trocados por outros títulos no processo da desestatização, não importando em nenhum desembolso de dinheiro por parte da União.

Quando formalizamos nesta Casa uma proposição, seja projeto, seja emenda, o nosso objetivo é o de oferecer o assunto a debate, esperando que a matéria seja aprimorada pelas sugestões dos ilustres Colegas.

Com a minha emenda, não foi outro o meu propósito. Pareceu-me e parece-me que se torna óbvia e inafastável a obrigação do governo de cumprir os seus compromissos externos e internos. Cabe-nos definir qual o melhor processo para tais resgates, de acordo com as possibilidades do Tesouro, mas jamais eliminar direitos ou estimular situações de calote que beneficiem quem quer que seja, especialmente o poder público.

As minhas inspirações, e as de Vossas Excelências, são sempre as de interesse público. Os debates e mesmo as críticas são sempre bem-vindos, mas necessário se faz que sejam respeitosos e construtivos para merecerem também o nosso respeito e a nossa atenção.

Fora disso, terão sempre o nosso repúdio. Não será por temor às pressões externas que suportaremos calados os golpes da maledicência e da injustiça.

Era o que tinha a dizer, Senhor Presidente, solicitando que sejam partes integrantes deste pronunciamento os documentos que anexo.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/06/1996 - Página 10474