Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DA IMPLANTAÇÃO DE MEDIDAS QUE RESOLVAM O PROBLEMA DA MIGRAÇÃO EM DIREÇÃO AS CIDADES E QUE CONTENHAM O EXODO RURAL. ARTIGO PUBLICADO NA REVISTA TEMPO E PRESENÇA, DOS SOCIOLOGOS GUILLERMO ROGEL E MARIA CECILIA LORIO, EM QUE FAZEM UM DIAGNOSTICO REALISTA DA SITUAÇÃO DO PROCESSO DE URBANIZAÇÃO BRASILEIRA.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE DESENVOLVIMENTO URBANO.:
  • NECESSIDADE DA IMPLANTAÇÃO DE MEDIDAS QUE RESOLVAM O PROBLEMA DA MIGRAÇÃO EM DIREÇÃO AS CIDADES E QUE CONTENHAM O EXODO RURAL. ARTIGO PUBLICADO NA REVISTA TEMPO E PRESENÇA, DOS SOCIOLOGOS GUILLERMO ROGEL E MARIA CECILIA LORIO, EM QUE FAZEM UM DIAGNOSTICO REALISTA DA SITUAÇÃO DO PROCESSO DE URBANIZAÇÃO BRASILEIRA.
Publicação
Publicação no DSF de 19/06/1996 - Página 10218
Assunto
Outros > POLITICA DE DESENVOLVIMENTO URBANO.
Indexação
  • CORRELAÇÃO, INDUSTRIALIZAÇÃO, URBANIZAÇÃO, MIGRAÇÃO, ZONA URBANA, NECESSIDADE, CRIAÇÃO, TRABALHO RURAL, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, TRABALHADOR RURAL, IMPLEMENTAÇÃO, REFORMA AGRARIA.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, TEMPO E PRESENÇA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, GUILLERMO ROGEL, MARIA CECILIA LORIO, SOCIOLOGO, ANALISE, EXODO RURAL, MIGRAÇÃO, ZONA URBANA, BRASIL.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a história das nações desenvolvidas tem mostrado que, normalmente, o processo de industrialização coincidiu com o processo de urbanização: na medida em que a industrialização avançava, um contingente maior de pessoas era atraído para as cidades, devido às inúmeras oportunidades de emprego e de ganho que surgiam. Assim, urbanização virou sinônimo de desenvolvimento. Prova disso é que, hoje, os países desenvolvidos são justamente aqueles que apresentam as maiores taxas de pessoas vivendo nas cidades.

Também o Brasil não fugiu a essa tendência mundial. De acordo com dados do IBGE, em 1940, apenas trinta e um vírgula dois por cento da população brasileira vivia nas cidades. Cinqüenta e um anos depois, em 1991, o índice de pessoas que moravam nos espaços urbanos já tinha saltado para setenta e cinco vírgula cinco por cento. Somente no período compreendido entre as décadas de 1960 e 1980, vinte e oito milhões e quinhentos mil brasileiros deixaram a roça em direção às cidades.

Talvez em nenhum país do mundo a inversão entre esses dois pólos tenha sido tão grande, em tão pouco tempo. Em 1940, trinta e um vírgula dois por cento da população brasileira viviam nas cidades e sessenta e oito vírgula oito no campo; cinqüenta e um anos depois, em 1991, a população das cidades tinha crescido para setenta e cinco vírgula cinco por cento e a do campo tinha sido reduzida para vinte e quatro vírgula cinco por cento.

O brilho das luzes das cidades, o fascínio da energia elétrica com todas as facilidades e comodidades que proporciona, a maior facilidade de emprego sempre constituíram uma força de atração sem precedentes sobre o homem rural. Mas, no que tange ao Brasil, foram outros os fatores mais determinantes do espantoso êxodo rural verificado nas últimas décadas: na realidade, a vida no campo sofreu, nesse período, um progressivo processo de esvaziamento e abandono, tornando-se, por isso, quase inviável. Em muitas regiões deste imenso Brasil, desconhece-se o que seja energia elétrica, telefone ou mecanização.

De acordo com pesquisa realizada pelo IBAM entre os prefeitos de mil, duzentos e oitenta e cinco municípios que, na década de oitenta, mais sofreram as conseqüências do êxodo rural, para vinte e seis vírgula cinco por cento deles os problemas fundiários foram a primeira causa dessa debandada; quatorze vírgula um por cento dos prefeitos, destacam a falta de incentivo ao homem do campo; seis vírgula dois por cento o atribuíram a inundações dos lagos de hidrelétricas ou a projetos de irrigação; três vírgula quatro por cento dos pesquisados encontraram essa causa em condicionantes físicas, como seca e geada, que atingem principalmente os mais desprovidos de técnicas para defender a lavoura dessas intempéries; apenas seis vírgula cinco por cento deles viram a vida mais fácil na cidade como o maior estímulo para o abandono do campo.

O êxodo rural, em nosso país, é também fortemente determinado pela situação de abandono em que se encontra o campo: faltam estradas, inexiste sistema de comunicação, as escolas e os postos de saúde estão distantes e são precários, as habitações não têm qualquer infra-estrutura.

Além disso, a modernização da agricultura, o uso de novas tecnologias, de mecanização, de insumos químicos trazem embutidas duas conseqüências que afetam diretamente a mão-de-obra rural e determinam a decisão de migrar: a primeira, na agricultura, fica mais evidente o processo de substituição do homem pela máquina, pois hoje em dia, não há nem como imaginar uma grande lavoura de soja, de milho, de arroz ou de feijão sendo capinada com enxada ou colhida manualmente, o terreno dessas culturas sendo preparado com arado de boi; a segunda, a agricultura moderna também exige alguma especialização dos trabalhadores, para que possam operar adequadamente máquinas e implementos e para que possam lidar de forma segura com adubos, inseticidas, pesticidas, defensivos e outros produtos químicos.

Os sociólogos Guillermo Rogel e Maria Cecília Iório, em artigo publicado na revista Tempo e Presença (Vol. 16, Nº 273, jan./fev. 1994, fls. 9-11) fazem um diagnóstico bastante realista dessa situação: "Num país marcado pela concentração fundiária e por uma política agrícola excludente, a dificuldade de sobrevivência das populações rurais está na origem dos deslocamentos espaciais, seja para as cidades grandes ou médias, seja para fronteiras agrícolas. Nesse sentido, podemos afirmar que o processo de urbanização brasileiro está mais para expulsão do campo do que para atração da cidade. O processo migratório está diretamente relacionado ao modelo de desenvolvimento e fortemente determinado pelas políticas governamentais dirigidas ao setor agropecuário, as quais carregam um peso fundamental no desenho e redesenho da dinâmica demográfica brasileira". Mais adiante, concluem: "A decisão de migrar e enfrentar difíceis condições de vida e desemprego nas cidades, antes que uma escolha, é a falta dela".

Esse êxodo, no período anterior à década de cinqüenta foi determinado por modificações profundas no meio agrário brasileiro, em decorrência da grande concentração de terras em grandes propriedades, como conseqüência do processo de modernização das práticas agrícolas que então se processavam no país, com maior utilização da mecanização e de insumos novos, que provocaram uma significativa evolução da produtividade, com a consolidação de instituições de pesquisa e de extensão rural, com políticas de preços, de armazenamento e de créditos.

Mais recentemente, podemos citar a Constituição de 88 como um marco importante das relações sociais no campo. Se, por um lado, veio garantir ao trabalhador rural uma série de vantagens que, antes, lhe eram subtraídas, por outro, esse mesmo fato se transformou em inibidor à criação e à expansão do número de empregos, dado o crescimento das despesas sobre a folha de pagamento daí decorrente. Em conseqüência disso, os proprietários perceberam rapidamente o inconveniente de ter mão-de-obra contratada ou mesmo residente no estabelecimento e passaram a recorrer a trabalhos temporários, prestados por bóias-frias, sem nenhum vínculo empregatício direto. O crescimento do número dos sem-terra é decorrência desse desemprego crescente e da disposição de não se estabelecerem nas cidades sem qualquer perspectiva de futuro. Segundo Guillermo Rogel e Maria Cecília Iório, na matéria já citada, "a luta pela terra, levada por vários movimentos sociais (sem-terra, atingidos por barragens, seringueiros, entre outros) assume a forma de um "não" à migração e constitui um claro questionamento àquelas teses que igualam desenvolvimento com urbanização".

Se, para o homem do campo, migrar para a cidade é uma alternativa, para a cidade ele será um problema: com dinheiro curto, sem emprego e sem qualificação, estará ele inchando as periferias urbanas, aumentando ainda mais o problema social daqueles que aí moram, com uma demanda crescente por serviços que proporcionam melhores condições de vida, como água, esgoto, urbanização, escola, saúde, transporte, segurança, emprego.

A experiência e pesquisas já elaboradas têm mostrado que é mais vantajoso para o Governo cuidar para que se contenha esse processo de migração, criando novos empregos no campo ou adotando medidas que segurem esse agricultor na área rural. As estatísticas mostram que, para a criação de um emprego rural, exigem-se investimentos de cerca de dois mil e setecentos reais, enquanto que, para criá-lo numa indústria, os investimentos sobem para cerca de sete mil reais.

O que reputo necessário é que o Governo acredite nesses dados e aja para implantar ações que revertam na criação de novos postos de trabalho e que determinem uma melhora nas condições de vida daqueles que lá moram.

Nesse particular julgo de suma conveniência que se retomem aquelas ações que caracterizaram a agricultura dos anos cinqüenta, em que a produção e o número de empregos foram sensivelmente aumentados pela expansão da fronteira agrícola do Brasil. Essa expansão é hoje necessária não só para o assentamento de trabalhadores, mas também para se aumentar a produção de alimentos, de que o mundo carece cada vez mais.

Outra medida fundamental para conter o êxodo rural é promover a reforma agrária; não, porém, com a simples distribuição de terras. Esse é apenas um primeiro passo. O êxito de qualquer programa sério e bem planejado projeto de reforma agrária está intimamente vinculado à estruturação dos assentamentos, com a implantação da infra-estrutura física adequada, como construção de estradas, de postos de saúde, de escolas, de armazéns, eletrificação, concessão de créditos, incentivo ao cooperativismo, introdução de novas tecnologias de produção e fornecimento de assistência técnica. Para se evitar que agricultores assentados abandonem logo a terra, é preciso que se faça uma triagem entre eles. Não é qualquer um que se adapta às condições do campo ou que tem a aptidão para tornar uma terra produtiva.

Creio também ser necessário que se estabeleça em lei um limite máximo e um limite mínimo para as propriedades rurais, de modo a coibir a existência de grandes extensões improdutivas ou subexploradas e a proliferação de pequenas glebas que, de tão diminutas, não permitem uma exploração economicamente viável.

Implantada assim, a reforma agrária estará cumprindo um relevante papel social, no sentido também de transformar a nossa agricultura numa atividade preponderantemente familiar, em que os elementos de uma mesma casa trabalhem unidos cuidando da própria subsistência e melhorando o seu nível de renda. Em todos os países em que esse modelo foi adotado, a experiência foi vitoriosa, os agricultores melhoraram de vida.

Implementar medidas que resolvam o problema da migração em direção às cidades e que contenham o êxodo rural é hoje uma das principais exigências e necessidades da sociedade brasileira. Tão urgente que postergá-la poderá provocar a eclosão de sérios conflitos sociais tanto no campo como nas cidades. Por isso, é cada vez mais premente a necessidade de se enfrentá-lo com decisão e vontade resoluta de dar-lhe solução, para que não se tenha que agir precipitadamente depois, para contornar dificuldades outras decorrentes dessa falta de ação.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/06/1996 - Página 10218