Discurso no Senado Federal

RADIOGRAFIA PORMENORIZADA DA SITUAÇÃO BRASILEIRA MOSTRADA NO RELATORIO DE 1995, DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, DIVULGADO ONTEM. CONSEQUENCIAS DOS ACORDOS DE LIVRE COMERCIO ENTRE O BRASIL E OUTROS PAISES PARA A ZONA FRANCA DE MANAUS.

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • RADIOGRAFIA PORMENORIZADA DA SITUAÇÃO BRASILEIRA MOSTRADA NO RELATORIO DE 1995, DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, DIVULGADO ONTEM. CONSEQUENCIAS DOS ACORDOS DE LIVRE COMERCIO ENTRE O BRASIL E OUTROS PAISES PARA A ZONA FRANCA DE MANAUS.
Aparteantes
Jefferson Peres, Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 19/06/1996 - Página 10169
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • POSIÇÃO, ZONA FRANCA, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DO AMAZONAS (AM), RELATORIO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), DESENVOLVIMENTO SOCIAL, AMBITO INTERNACIONAL, EFEITO, NEGOCIAÇÃO, COMERCIO, IMPORTAÇÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, pela primeira vez se produz no País uma radiografia tão pormenorizada da situação brasileira. Refiro-me ao chamado relatório sobre o desenvolvimento humano no Brasil. A Organização das Nações Unidas, em associação com o Instituto Brasileiro de Economia Aplicada, apresentou-o ontem, em Brasília, e ali se vê o bom desempenho dos Estados do Norte.

O relatório situa o Estado do Amazonas no grupo intermediário e explica esse fato pela presença dos rios. Esclarece, ainda, que, além de fornecer peixe (proteína em abundância), eles proporcionam o saneamento natural, reduzindo a disseminação de doenças.

Também faz um paralelo com o Nordeste, dizendo que os indicadores de saúde e de pobreza, no Nordeste, não deixam dúvidas: a Região é, de fato, a porção Índia do País. E situa a Paraíba em último lugar, como ainda há pouco registrava o Senador Ney Suassuna.

Esse relatório, Sr. Presidente, pode ser, inequivocamente, a produção de alguém que é muito técnico no assunto, mas que se esqueceu de registrar que não é bem por causa da presença dos rios e da abundância dos peixes que isso acontece. Em verdade, e falo apenas pelo meu Estado, não fora a Zona Franca de Manaus e o Estado do Amazonas, hoje, não estaria nessa situação privilegiada de intermediário.

Falo com conhecimento de causa, porque tenho tido, com meu companheiro de Bancada, Senador Jefferson Péres, uma preocupação diária quando o assunto leva o emblema de Zona Franca de Manaus. Tanto isso é verdade que, ainda hoje pela manhã, o Senador Jefferson Péres e eu participamos de uma reunião, no Itamaraty, um encontro com o Embaixador José Botafogo, em virtude de notícia publicada em um dos órgãos de maior circulação do País, tendo como autor um articulista bem conceituado. Diz a notícia:

      "A expectativa do Governo brasileiro é sair dessa reunião" - a reunião a que se refere é a reunião de cúpula do Mercosul, em Buenos Aires, para resolver impasse entre o Brasil, Uruguai e Argentina - "com a data marcada para a assinatura do acordo de livre comércio com o Chile, mas o Uruguai ameaça criar empecilhos ao acordo, caso o Brasil não mude as regras de financiamento das importações do setor têxtil.

Mais adiante diz:

      "No caso das Zonas Francas - Manaus e a Terra do Fogo, na Argentina - que hoje estão isentas de qualquer taxação, o Brasil pretende negociar uma lista de produtos para impor, ao longo do tempo, restrições quantitativas às importações."

De logo, o Senador Jefferson Péres e eu vislumbramos a possibilidade de que algum arranhão pudesse sofrer a Zona Franca de Manaus. Ora, no instante em que essas tratativas são feitas e levando-se em consideração que os chineses estão se localizando em Ciudad del Este, ao conseguirem fazer a sua implantação, teríamos não só a oficialização do contrabando como uma terrível competição e concorrência desleal com a Zona Franca de Manaus.

Ao longo da conversa com o Embaixador José Botafogo, S. Exª prontificou-se a redobrar as atenções. O Senador Jefferson Péres, que é especialista em economia, fez ver a presença de dano aparente, ainda que não já devidamente localizado.

E com isso, Sr. Presidente, chamamos a atenção para um problema que é grave. 

O Sr. Jefferson Péres - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Concedo o aparte a V. Exª, Senador Jefferson Péres.

O Sr. Jefferson Péres - Senador Bernardo Cabral, quero me reportar à parte inicial do seu pronunciamento, na qual V. Exª se referiu ao relatório da ONU sobre desenvolvimento humano, que atribuiu em parte a posição do Amazonas na faixa intermediária de desenvolvimento do Brasil, ao fato de haver abundância de recursos naturais, rios caudalosos, não poluídos, piscosos. É verdade que o ribeirinho, por mais pobre que seja, não passará fome no nosso Estado, felizmente. Mas não é só por isso, como V. Exª bem salientou, que o Estado do Amazonas desfruta de uma posição relativamente privilegiada - relativamente aos mais pobres. Mas é principalmente - e isso pode ser verificado pelo indicador de renda per capita - graças a existência de um pujante parque industrial em Manaus, que decorre, evidentemente, dos incentivos fiscais da Zona Franca. É por isso, Senador Bernardo Cabral, que eu, V. Exª e todos nós do Amazonas sentimos arrepios quando vemos em editoriais, notícias de jornais do sul, verberarem a falada renúncia fiscal. Na verdade, é uma condenação aos incentivos fiscais, sem os quais estaríamos realmente relegados ao limbo, entre os Estados mais pobres da Federação. É por isso que eu e V. Exª fomos hoje ao Itamaraty, como faremos sempre, alertas, sem dormitarmos nunca, em defesa dos incentivos fiscais, que propiciaram essa posição que o nosso Estado desfruta. Meus parabéns pelo seu pronunciamento.

O SR. BERNARDO CABRAL - É claro que o aparte de V. Exª, Senador Jefferson Péres, não só pela forma como pelo conteúdo, já ingressa no corpo do meu pronunciamento, enriquecendo-o. E até para confirmar o que eu dizia ainda há pouco, quando se toca na Zona Franca de Manaus e não se lhe reconhece a atuação em favor da Nação. Eu diria mais - e o faço com absoluta segurança: foi a única iniciativa federal que até hoje deu certo naquela área.

Por isso mesmo, Sr. Presidente, quando vejo notícias como essa de que o Brasil negocia impasses com os parceiros quanto ao problema do Mercosul, que o objetivo é facilitar a entrada do Chile no Mercado Comum do Cone Sul, eu não posso - nem ficaria bem a qualquer de nós daquela área - ficar calado, sem que o alerta fosse dado. É o chamado "acender da luz amarela" para alertar "atenção com aquele rincão" porque, em termos de Amazônia, é sempre melhor integrar para não entregar.

O Sr. Ney Suassuna - Permite V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Com muito prazer, ouço V. Exª.

O Sr. Ney Suassuna - Estou pedindo a palavra, nobre Senador, exatamente para concordar com V. Exª e alertar que, daqui desta tribuna, algumas vezes, citei uma dezena de filmes americanos em que a Amazônia é apresentada como o grande problema do mundo e que é preciso tomar conta da região. Nos filmes da série Robocop, ele sempre está recém-chegado da Amazônia, onde lutava contra a poluição, contra as queimadas, enfim, contra a desorganização gerada pelos brasileiros. E fico a me perguntar com que interesse, com que objetivo, que não seja o de querer tirar de nós uma área que, com toda a certeza, será cada vez mais prazerosa para a economia nacional. Muito há que se fazer numa região gigantesca, com tantos recursos e que, com toda a certeza, ainda será a redenção econômica do nosso País.

O SR. BERNARDO CABRAL - Senador Ney Suassuna, agradeço a V. Exª o aparte, que retrata o que muitos brasileiros, talvez eqüidistantes mas não indiferentes, deixam de perceber: essa propaganda que se estende inclusive em algumas publicações dirigidas a crianças do curso elementar, dando a entender que a Amazônia é patrimônio do mundo e não do Brasil.

Veja V. Exª como isso é tão correto que o Senador Jefferson Péres me lembra que o Amazonas só tem 2% do seu território florestal devastado, enquanto as organizações não-governamentais mundo afora gritam, rebatem, repisam na mesma tecla de que está havendo uma área devastada, que ali é o pulmão do mundo - o que é um ledo engano. E, desconhecendo a área, sobre ela escrevem, através do que lêem, apenas fazendo aspas, porque em verdade com as solas dos pés nunca ali pisaram.

De modo que a nossa preocupação de alertar os canais competentes, inclusive o Ministério das Relações Exteriores, é para que possamos somar esforços e não dividi-los.

A presença do Senador Jefferson Péres e a minha na reunião com o Embaixador José Botafogo foi, exatamente, de quem quer, ao invés de trazer para a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, atalhar de logo uma notícia que poderia ser malsã e, a partir daí, podermos traçar caminho e atingir soluções.

Veja que a notícia diz também que a estratégia do Governo é ceder em alguns pontos da negociação, em troca de outras concessões dos parceiros. Uma delas seria a ampliação da lista de exceções da Tarifa Externa Comum - TEC, do Mercosul, abrindo espaço para produtos que estejam enfrentando concorrência desleais.

Nós sabemos que, na zona franca da Terra do Fogo, é feito o chamado produto branco, que concorre, de forma desleal, com algumas empresas do Brasil. A preocupação da área amazônica é que isso não leve, como dizia ainda há pouco, a esvaziar os produtos que são fabricados ali. Cito, sobretudo, a área de eletroeletrônicos, em que o País detém, hoje, a quarta posição na produção mundial, graças ao Estado do Amazonas, único local onde se produz. Brevemente teremos a nossa fábrica de cinescópio, com a instalação da Samsung.

Ora, Sr. Presidente, não é possível, quando se toma conhecimento de uma notícia desta ordem, não ter preocupação com a ponta de independência e até de soberania brasileira.

Quando vejo tomarem conta dos jornais notícias sobre o Mercosul, sobre esse relatório, três Brasis dentro de um só país, começo a notar que outras coisas são deixadas de lado, percebo que a análise político-sociológico do País começa a perder terreno. E para que isso não ocorra, quero deixar registrado nos Anais do Senado Federal, em nome do eminente Senador Jefferson Péres e do meu, esta visita, este alerta e, provavelmente, a retomada do assunto em dias vindouros.

Era a comunicação, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/06/1996 - Página 10169