Discurso no Senado Federal

SALIENTANDO A PASSIVIDADE DO GOVERNO FEDERAL COM RELAÇÃO A AÇÃO DOS SEM-TERRA.

Autor
Antonio Carlos Magalhães (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Antonio Carlos Peixoto de Magalhães
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • SALIENTANDO A PASSIVIDADE DO GOVERNO FEDERAL COM RELAÇÃO A AÇÃO DOS SEM-TERRA.
Aparteantes
Ademir Andrade, Ernandes Amorim, Geraldo Melo, Hugo Napoleão, Jader Barbalho, José Eduardo Dutra, Lúdio Coelho, Marina Silva, Ney Suassuna, Pedro Simon, Totó Cavalcante.
Publicação
Publicação no DSF de 19/06/1996 - Página 10191
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • POSIÇÃO, GOVERNO FEDERAL, REFERENCIA, OCUPAÇÃO, PROPRIEDADE RURAL, TRABALHADOR RURAL, SEM-TERRA.
  • QUESTIONAMENTO, LEGITIMIDADE, MANIFESTAÇÃO, ORGANIZAÇÃO RURAL, TRABALHADOR, SEM-TERRA, INVASÃO, PROPRIEDADE RURAL, DESRESPEITO, DIREITO DE PROPRIEDADE, AUTORIDADE FEDERAL.
  • NECESSIDADE, IMPLEMENTAÇÃO, REFORMA AGRARIA, MANUTENÇÃO, AUTORIDADE FEDERAL, ORDEM PUBLICA.

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES (PFL-BA. Como Líder, pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não preciso salientar a gravidade da situação que o País atravessa em virtude dos problemas provocados pela inação do Governo no que tange ao Movimento dos Sem-Terra.

Cumpre-me vir a esta tribuna porque alertei quando aconteceu o incidente em Eldorado dos Carajás. Condenei a ocorrência, porque sabia que aquele fato estava tomando maiores dimensões, justamente para que se pudesse fazer o que se está fazendo em todo o território nacional: vivendo-se, como se vive, momentos de gravidade em todos os Estados do País.

No caso do Pará, infelizmente, faltou, na hora própria, manifestação de S. Exª o Governador Almir Gabriel, assumindo a responsabilidade do que autorizou aos seus prepostos fazerem e condenando o excesso ocorrido. Se tivesse, na realidade, dito que mandou desobstruir uma via que não poderia ser obstruída e que os seus prepostos exageraram numa reação contra os sem-terra, acredito que S. Exª teria procedido corretamente no episódio, e não teria passado pelos momentos injustos por que tem passado, em virtude de sua atuação naquele caso.

Os homens públicos são obrigados a assumir posições nem sempre as mais simpáticas, mas é do dever de cada um assumir na hora própria a sua responsabilidade, sobretudo quando exercem função de governo.

O que está acontecendo no Movimento dos Sem-Terra no Brasil é que, devido ao caso de Eldorado dos Carajás, o Governo deu ao episódio uma dimensão maior do que deveria, como desejavam tantos que o alardeavam, para que pudesse haver o que está havendo, que é a desordem interna do País, com conseqüências graves para a estabilidade do regime e para, sobretudo, a paz nos Estados.

A inação do Governo Federal - que é responsável, no caso, por essa segurança - leva a problema nos Estados. Todos os dias estamos vendo que os Governadores dos diversos Estados do Brasil estão às voltas com problemas dessa ordem e as autoridades federais responsáveis, de certa forma, cruzam os braços, observando o que vai acontecer.

Isso evidentemente não está certo. A ação do Ministério da Justiça não está correta, a ação do Ministério da Reforma Agrária no momento está absolutamente passiva. Conseqüentemente, isso não pode continuar, sob pena de o Governo perder totalmente o controle da situação e coisas mais graves acontecerem, não apenas no campo como, sobretudo, na cidade.

Ouvimos ainda ontem o discurso do nobre Senador Bello Parga nesta mesma tribuna, em que S. Exª salientava o que aconteceu no Maranhão, onde toda a responsabilidade ficou com o Governo do Estado, que agiu com presteza e competência, inclusive diminuindo muito a gravidade da situação e a indiferença das autoridades federais responsáveis.

Ora, isso não pode continuar! Existe o Ministério da Justiça, existe a Polícia Federal, existem os órgãos federais responsáveis; mas, quando acontece um assunto dessa ordem, toda a responsabilidade é jogada para os governos dos Estados, que se desgastam diretamente com os episódios.

Portanto, achei do meu dever vir salientar esse caso, sobretudo porque ontem eu aparteava o nobre Senador Bello Parga, chamando a atenção para o caso do INCRA, na Bahia, que teve a sua sede invadida recentemente. Os invasores lá permaneceram por 15 dias, fazendo do superintendente refém, que ali ficou de boa vontade. Tudo isso numa combinação esdrúxula. O fato tinha sido esquecido, quando ontem, depois que falei aqui, invadiram novamente a mesma sede do INCRA. Hoje, o Governo do Estado, a pedido do Governo Federal, do próprio Senhor Presidente da República, está tomando, a esta hora, novas providências sobre o assunto.

Não é justo que não se dêem, pelo menos, os meios necessários aos governos dos Estados para que cumpram aquilo que é dever do Governo Federal cumprir.

Conseqüentemente, vim a esta tribuna chamar a atenção do Ministro da Justiça e do Ministro da Reforma Agrária, que deve ser um homem que conhece os problemas da terra, que tem bom trânsito na área dos sem-terra, mas nem por isso pode ser um homem passivo com o Movimento dos Sem-Terra.

Ou o Governo toma providências ou teremos conseqüências gravíssimas neste País.

No caso do Maranhão, ninguém tratou de coisa alguma nesta tribuna.

Vimos, há cerca de um mês, um mês e meio, o próprio Ministro da Fazenda ser tomado como refém da CUT ou de órgãos semelhantes, aqui, na Esplanada dos Ministérios, por mais de 12 horas. Isso não acontece num país que quer democracia e que deseja ser bem cotado no Primeiro Mundo. Isso não pode acontecer! Isso é uma tristeza para o nosso País e nós, do Senado da República, não poderemos calar a nossa voz. Temos de reagir a isso sem que se produzam fatos que venham ferir a democracia, mas também não podemos fazer dos sem-terra os donos da Nação, porque muitos com-terra estão junto a eles, querendo prejudicar, porque não ganham no voto a ordem institucional do País.

O Sr. Jader Barbalho - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES - Com muito prazer.

O Sr. Jader Barbalho - Senador Antonio Carlos Magalhães, quero, inicialmente, cumprimentar V. Exª pela oportunidade do pronunciamento que faz, da tribuna do Senado, para alertar o Governo Federal em relação a esse problema a que a sociedade brasileira assiste, com muita preocupação. De início, quero dizer a V. Exª da minha solidariedade com a causa da reforma agrária no Brasil. Creio que nós, homens públicos, temos a obrigação de reconhecer que esse é um problema que deve ser enfrentado como sendo de natureza econômica e de natureza social. Inclusive pelo fato de ter sido, por duas vezes, Governador do Estado do Pará, o qual, nos últimos anos, tem sido palco de conflitos agrários, e pelo fato de ter ocupado, durante a gestão do Presidente José Sarney, o Ministério da Reforma Agrária, tenho defendido que, em relação à reforma agrária, em primeiro lugar, o Governo tem de encará-la como um problema econômico, como assim deve encarar a reforma urbana. Por outro lado, deve descentralizar a questão. Tem muita razão V. Exª quando afirma que o Governo Federal acaba por debitar aos Estados aquilo que é competência precípua do Governo Federal. Creio que o Governo Federal deveria estabelecer uma política de co-responsabilidade com os Estados. Esses não podem participar apenas com a Polícia Militar, o que, lamentavelmente, está a ocorrer. Os Estados deveriam participar do processo de assentamento, da seleção dos agricultores. Afinal de contas, quem está próximo do problema é o governador do Estado. Infelizmente, não se tem adotado essa política. Por outro lado, V. Exª tem razão quando afirma que não é possível assistirmos a um clima como o do episódio no Maranhão. Evidentemente, vou me louvar no noticiário, referindo-me a uma afirmação de que havia um processo de desapropriação em curso - ou seja, havia a boa vontade do Poder Público. No entanto, parece que há um interesse em não se deixar o Poder Público estabelecer a política de desapropriação, mas, sim, a política a partir do radicalismo, em nome de uma causa nobre, para se determinar que o processo de desapropriação é o processo pronto-socorro: tem que se invadir, tem que se criar o conflito; não há possibilidade de se estabelecer no País uma política de reforma agrária que seja programada; tem que ser a política da invasão, do conflito. V. Exª toca num aspecto que deve chamar a atenção das nossas autoridades federais. Não é possível permitir que se estabeleça um clima de caos. Neste momento, particularmente no meu Estado, está ocorrendo um clima de caos, e o mesmo deve estar acontecendo em todo o Brasil. Liminar de juiz não vale; a Justiça está, de certa forma, também acovardada. Há juízes no meu Estado que não sabem o que fazer ao conceder uma liminar, porque isso, inclusive, ameaça até a integridade física e a vida de juízes no interior do Estado. E a direção da Justiça cassa a liminar do juiz, desmoralizando-o, portanto, em nível local, e deixando-o totalmente desamparado. No caso específico do Pará, depois do desastrado e infeliz episódio de Eldorado dos Carajás, a Polícia Militar também não tem nenhuma motivação para agir. Esse é o preocupante quadro nacional, particularmente no meu Estado. Pedindo desculpas a V. Exª por ter me alongado neste aparte, quero dizer que V. Exª tem toda razão em chamar a atenção das autoridades federais; não é possível que o Governo Federal funcione como bombeiro, onde os radicais tocam fogo, o Ministro sai correndo para um lado e para o outro, e não há política nenhuma de reforma agrária; e nem vai haver política de reforma agrária dessa forma, porque a política vai ser essa, a política do incêndio, com o Governo correndo atrás. Evidentemente que essa política só vai gerar muito mais violência, e violência gera violência. Não será espanto para mim, e creio que para ninguém, que daqui a um ou dois meses a UDR esteja, no outro lado, com o braço da violência armado, quando assistiremos, lamentavelmente, a um clima de caos e de desobediência civil, com conseqüências imprevisíveis. Meus cumprimentos pelo alerta que V. Exª faz nesta oportunidade.

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES - Agradeço o aparte de V. Exª, que não considerei longo, tendo em vista a propriedade com que abordou o tema, em toda a sua extensão.

Em verdade, não há nesta Casa, nem no Brasil, quem hoje seja contra a reforma agrária. Na realidade, temos o dever de trabalhar para que ela se efetive o mais rápido possível, dentro dos padrões do interesse nacional, que nem sempre são os defendidos ou pelos sem-terra, ou pelos perturbadores da ordem pública.

V. Exª tem razão quando diz que a UDR, amanhã, ou algum órgão similar à UDR, vai se armar para o confronto. Falo com absoluta tranqüilidade, porque nunca fui da UDR e, conseqüentemente, abomino esse radicalismo, seja de um lado ou do outro. Daí por que me sinto com autoridade para reclamar uma posição do Governo nesse particular.

Mais ainda, V. Exª fala com autoridade quando salienta a posição da Justiça, incômoda, e agora, sobretudo, esquiva. Quando aconteceu Eldorado dos Carajás, vimos mobilizarem-se os Presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, o Chefe do Poder Executivo e o Presidente do Supremo Tribunal, para tomar providências. Quando acontece um caso como o do Maranhão, ninguém assume a responsabilidade nem toma providências para defender trabalhadores rurais, também indefesos, mas que não pertencem a esse Movimento ou, se pertecem, fazem parte de uma dissidência do mesmo. Isso é inacreditável. A Justiça fica sem saber que posição adota, porque não sabe se tem o respaldo para cumprir as suas decisões. Até porque, como V. Exª também salientou, com propriedade, as Polícias Militares passaram a uma posição de timidez, a uma posição, em alguns casos, até de acovardamento, porque não sabem se terão o suporte, a força dos seus superiores para agir. Em alguns casos, como o de Eldorado, exorbitaram, em função da época, da hora. Assim, tendo em vista a grande grita das autoridades contra a ação da Polícia Militar, que estava, no caso, cumprindo o seu dever, e condenada como foi por todos nós pelos excessos que praticou, ela fica inibida de tomar uma ação.

Enquanto isso, campeia a desordem no campo e a intranqüilidade em toda a Nação. Isso não pode acontecer! E não vemos nenhuma ação por parte da área competente do Governo Federal. Esta é uma contribuição que estamos dando ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, até mesmo no dia do seu aniversário, alertando contra esse perigo pelo qual está passando o País, por falta de providências dos seus auxiliares de Governo, que têm o dever de sentir isso e levar para o Chefe da Nação o que está se passando no País.

O Sr. Ney Suassuna - V. Exª me concede um aparte?

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES - Concedo o aparte com prazer.

O Sr. Ney Suassuna - Excelência, outro dia, ocupei a tribuna desta Casa para manifestar o medo que tenho em relação à quebra do ordenamento jurídico que vem ocorrendo no País, quando se invadem propriedades privadas e o Governo faz-de-conta que não vê. Afirmei também, Excelência, que a reforma agrária é necessária. Aliás, preciso acreditar que essa questão será resolvida ou, pelo menos, minorada pelo Governo Federal. Na ocasião do meu discurso, mencionei o medo que sinto ao ver o que era uma lagartixa, no início - o Movimento dos Sem-Terra -, transformar-se em um crocodilo e marchar para transformar-se em um dinossauro. Medo de ver um Governo Federal amofinar-se e virar refém, levando as Polícias à desmotivação não só no Pará, mas em todo o Brasil. Doeu-me mais ainda ler no Jornal de Brasília uma notícia intitulada: "Chefe do Incra é refém de novo." Essa reportagem noticia que o Superintendente interino do Incra na Bahia, Fernando Piton, havia sido tomado novamente como refém, tendo passado duas semanas em cativeiro na sede do órgão. Cerca de 1000 trabalhadores, que vieram de ônibus alugados, invadiram, desde início do mês, a sede daquele órgão; e o Ministro, autoridade constituída, pediu mais dez dias aos invasores. Doeu-me o coração ver uma autoridade constituída ceder e se colocar nessa situação. E ainda mais: porque não havia condições de higiene, os sem-terra até estavam concordando, uma vez que todas as instalações sanitárias estavam entupidas, havendo resto de comida por todo o lugar do prédio. Isso me doeu muito!

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES - A repartição é federal.

O Sr. Ney Suassuna - A repartição é federal. Isso me doeu muito e fiquei aqui pensando: nós, do PMDB, no primeiro momento, fizemos um documento apoiando, na íntegra, qualquer solução para a reforma agrária. Mas não podemos, de maneira alguma, assistir, impassíveis, a essa dificuldade que está tendo o Governo de se movimentar. A hora é realmente difícil. A Governadora Roseana, por exemplo, com a maior agilidade e bom-senso, resolveu o problema do Maranhão, mas resolveu uma situação específica, porque a situação é nacional e é um problema do Governo Federal. Parabenizo V. Exª por abordar um problema que hoje é ainda pequeno, mas que poderá transformar-se, em razão das declarações que ouvimos aqui de generais de que essas lideranças estão armadas e estão sendo treinadas, inclusive, na Nicarágua, num rastilho de pólvora exposto para qualquer louco tocar fogo. Parabéns.

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES - Agradeço a V. Exª pelo seu aparte, que incorporo com muito prazer ao meu discurso.

O Sr. Ademir Andrade - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Ademir Andrade - Senador Antonio Carlos Magalhães, é importante todos nós discutirmos esses temas e levantarmos aqui essas preocupações. Entretanto, há de se reconhecer que, apesar do radicalismo dos integrantes do Movimento dos Sem-Terra, eles se dão exclusivamente em razão da falta de ação do Governo Federal, que é, na verdade, o que V. Exª e o Senador Jader Barbalho reclamam. Creio que o Ministro Raul Jungman está agora tentando resolver o problema. Não há outra alternativa que não seja, infelizmente, no primeiro instante, a de ser o bombeiro; e ele está sendo, com muita cautela, com muita competência, inclusive, porque está tratando o Movimento com paciência, com calma, com diálogo, em busca de solução. S. Exª está demonstrando vontade de resolver o problema, mas é evidente que isso depende muito mais do Presidente da República, porque recursos são necessários. Mas não podemos querer que, de repente, se solucione tudo e o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra fique só aguardando, porque essa situação já vem de anos e anos. Então, há de se ter compreensão. Quero, aqui, elogiar a compreensão que tem tido o Ministro da Reforma Agrária, sua cautela, inteligência, competência, que, com diálogo, tem conseguido resolver o problema, apresentando soluções, ainda que esteja agindo como bombeiro. Quem sabe, se dermos um tempo, logo em seguida, ele possa ter uma ação que se antecipe à do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Mas, neste momento, devemos ter a compreensão da ação desse Movimento, que não é armado, Senador Antonio Carlos Magalhães, que não invade sede do Incra ou qualquer repartição pública neste País com arma na mão, não é o que fazem. Evidentemente, nos acampamentos, um ou outro tem arma. Isso é comum, normal. Mas nas invasões, nos atos que são praticados nos centros, nas capitais, onde se pode dar solução aos seus problemas, sempre vão completamente, totalmente, desarmados. Portanto, os sem-terra insistem no diálogo e, na hora em que são atendidos, os problemas se resolvem. De imediato, retiram-se, saem. Eles querem negociação. Então, vamos ter um pouco de compreensão com o radicalismo de um Movimento, de um lado; e elogiar a ação do Ministro, que tem sido cauteloso, ponderado, compreensivo com esse mesmo Movimento. Vamos esperar que essa fase de conflito inicial passe e que ele possa agir, para deixar de ser o bombeiro e ter uma ação concreta. Isso é o que esperamos. Mas, enquanto isso, é preciso ter compreensão, não ser alarmista, não imaginar que isso vai virar um caos etc. O Movimento precisa existir para que esta Nação acorde e compreenda a gravidade dessa situação, para que as autoridades tomem uma atitude - inclusive nós, do Congresso Nacional. Porque, no início, as Lideranças se reuniram, prometendo aprovar em caráter de urgência todos os projetos relacionados com a reforma agrária - e V. Exª sabe que a Bancada ruralista está impedindo o andamento e a aprovação desses processos. Então, todos somos um pouco responsáveis. Penso que a hora é de compreensão, de entendimento com o Movimento dos Sem-Terra, com a ação do Ministro e com o próprio Governo Federal. Muito obrigado.

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES - Agradeço o aparte de V. Exª, que até está menos radical, o que já é um avanço. Infelizmente, não posso concordar in totum, porque na pressa de atendê-lo não respondi como deveria ao Senador Ney Suassuna - até lamento que S. Exª não esteja mais presente -, que salientou algo muito importante: o fato de o Ministro concordar com a invasão e dar um prazo de dez dias para resolver de acordo com o que pedem os Sem-Terra.

O que me preocupa, principalmente, o que não cheguei ainda a tratar - e V. Exª me leva a fazê-lo imediatamente -, é a falência da autoridade no Brasil, que está trazendo graves conseqüências para o País, inclusive afetando as instituições. Quem viveu e já tem algum cabelo branco já assistiu a episódios como esse, onde a falência da autoridade é aparente e, depois, não existe de fato nem de direito, porque os responsáveis por ela, pela autoridade, vieram a fazer com que ela exista.

Então, temos que evitar tudo isso; e se evita isso trabalhando, é verdade, cumprindo e fazendo as leis que o País necessita e reclama, mas sem permitir a perturbação da ordem, que, inevitavelmente, ninguém pode negar, existe no Movimento dos Sem-Terra. Algo no Movimento dos Sem-Terra é legítimo; muita coisa, entretanto, é perturbador, propositadamente com o objetivo de se auferir vantagens que não são conseguidas através do voto. E falo à vontade, porque os que estão aqui todos chegaram pelo voto. De maneira que não estou me referindo aos que aqui estão, mas aos frustrados pelas derrotas eleitorais que incentivam esses Movimentos dos Sem-Terra, que geram intranqüilidade no campo, nas capitais, na vida brasileira, que é o que estamos sentindo no presente momento.

O Sr. Lúdio Coelho - Permita-me V. Exª um aparte?

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES - Ouço V. Exª com muito prazer.

O Sr. Lúdio Coelho - Senador Antonio Carlos Magalhães, participo das preocupações de V. Exª. Assistimos através da imprensa brasileira, nos últimos dias, a ocupação dessa fazenda no Pará e vimos fotografias dos que ocuparam a fazenda armados, mantendo a ocupação protegida por armas. Entretanto, não vi o Poder Público tomar alguma providência. Para reforçar as preocupações de V. Exª, quero informar que, há quatro dias, foi realizada em Ponta Porã e em Pedro Juan Caballero, uma reportagem com o proprietário de uma loja de armas que possui armamento muito moderno, como metralhadoras e armas calibre 12. Já tive oportunidade de visitar essa loja, não para comprar metralhadora, mas para dar uma olhada no que era vendido por lá. Esse cidadão declarou na televisão que suas vendas tinham aumentado enormemente, nos últimos tempos, e que seus principais clientes eram os sem-terra e os senhores ruralistas. Presto este depoimento, para que o Senado Federal tome conhecimento desse fato. Há muito tempo venho alertando o Senhor Presidente da República para o risco de quebra de autoridade. Era o que gostaria de informar a V. Exª. Muito obrigado.

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES - Agradeço-lhe o aparte. Por ser um homem autêntico e fiel ao que pensa, V. Exª é respeitado, estimado e querido no seu Estado. Por isso, em todas as pesquisas realizadas em sua região, o seu nome é muito bem cotado - como ocorre agora nas eleições para Prefeito da sua Capital. Isso lhe dá autoridade para falar pelo seu Estado no Senado ou em qualquer parte.

O seu depoimento é verdadeiro e coincide exatamente com o que temos falado aqui. Os dois braços salientados pelo Senador Jader Barbalho existem. Um e outro vão confrontar-se e, evidentemente, a Nação não deseja isso. Não é nosso papel ficarmos assistindo a esse espetáculo passivamente. Muito menos o Governo, com mais obrigação do que nós, pode ficar passivo diante de um quadro como esse.

Mais ainda - e isto servirá de resposta ao nobre Senador Ademir Andrade -, é necessário mostrar que, além de usar armas, eles fazem o absurdo que fizeram no Maranhão: chegaram ao ponto de queimar os cadáveres! Se isso tivesse ocorrido em Eldorado dos Carajás, por exemplo, qual não seria o escândalo que se faria nesta Nação?! A OAB, a ABI, os órgãos de cidadania e de direitos humanos estariam todos perplexos! O nosso Presidente do Supremo, o Sr. Sepúlveda Pertence, estaria arrepiado!

Entretanto, ninguém falou coisa alguma, ficou tudo tranqüilo. Foi a Governadora do Maranhão quem teve a sábia iniciativa de pedir à Unicamp, um reduto adversário, legistas para atestarem a queima dos cadáveres dos trabalhadores rurais no Maranhão.

Por aí observa-se a que ponto chega a violência. É isso que temos de tentar evitar. É isso que é papel do Governo evitar. Portanto, estou trazendo um assunto, que considero grave, sem nenhuma eiva, ou de partidarismo, ou de ideologia. O que quero é a tranqüilidade desta Nação. E acredito ser esse o desejo de todos os Srs. Senadores.

O Sr. Geraldo Melo - V. Exª me permite um aparte?

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES - Com muito prazer, ouço o aparte do Senador Geraldo Melo.

O Sr. Geraldo Melo - Agradeço-lhe por ter tomado a iniciativa de nos proporcionar a oportunidade de debater uma questão que está tomando rumos graves e preocupantes. Sinto-me à vontade para discutir o assunto, porque, como já disse por mais de uma vez no Senado, tive a honra de participar como candidato em apenas duas eleições e em todas as duas contei com o apoio público, oficial e ostensivo dos trabalhadores rurais da minha terra. A propósito, o Presidente da Contag, Francisco Urbano, foi meu companheiro de chapa e candidato a Senador ao meu lado, pelo meu Partido, nas eleições que me trouxeram a esta Casa. Sou um homem que defende a modernização do meu País e, por isso, não posso deixar de ser favorável à reforma agrária. Todavia, não acredito que o Movimento dos Sem-Terra, na forma como está acontecendo no País, esteja interessado em reforma agrária. Esse movimento não tem nada a ver com reforma agrária. Não vejo como justificar que se ampliem as invasões, que se amplie a desordem justamente no momento em que o Governo dá todos os sinais de que deseja acelerar o processo de reforma agrária, no momento em que cria um ministério extraordinário e escolhe para ministro extraordinário alguém que recebe, como ocorreu nesta tarde, manifestações de confiança e homenagens também de Parlamentares da Oposição. Assim, o que na realidade existe por trás desse projeto e desse programa dos sem-terra é alguma outra coisa que está começando a ficar muito clara. Queria apenas dizer a V. Exª, Senador Antonio Carlos Magalhães, que compreendo que nenhum de nós pode ser indiferente ao drama do homem sem terra do nosso País. Nenhum de nós pode ser indiferente à necessidade que têm os trabalhadores rurais, que foram sempre tratados como párias neste País; nenhum de nós pode ser indiferente ao seu drama e aos seus problemas. Contudo, nós somos responsáveis perante a sociedade brasileira toda; não é apenas em relação a um dos seus segmentos. Não podemos, em nome dos interesses de uma categoria de brasileiros, permitir que os direitos, aqueles direitos que a Constituição e a lei oferecem a todos os cidadãos, sejam sacrificados em nome da tragédia que realmente sofrem os trabalhadores rurais de nossa Nação. Se a estrutura jurídica que aí está, se o conjunto de leis que estabelece o conjunto de normas que se aplicam à questão da terra não serve, que esta Casa e a Câmara dos Deputados, que lidam com a questão, ofereçam novos instrumentos jurídicos ao País. Concordo com V. Exª. Sou amigo do Presidente da República, seu correligionário; fui até hoje Vice-Líder do seu Partido nesta Casa; tenho confiança em Sua Excelência. Porém, penso que o Governo está falhando em assumir o papel de liderança que lhe cabe. O Governo não pode ser caudatário de processo algum, pois na hora em que um processo como esse assume o comando e o Governo acompanha, nessa hora o poder, pelo menos em relação a isso, foi transferido para o movimento. Espero que o Governo do Presidente Fernando Henrique reconheça que ainda está em tempo de assumir a liderança do processo, de garantir os direitos que a lei oferecer a todos os brasileiros, de liderar a discussão que seja necessária para que se reformem os instrumentos jurídicos, para que, aí sim, novos comportamentos possam ser aceitos. Até lá, é preciso cobrar das autoridades que cumpram o dever de garantir a todos os brasileiros aquilo que a lei determina que seja garantido e que se mantenha a ordem e a paz, sem a qual o Brasil não irá encontrar-se com o grande futuro que o espera. Obrigado a V. Exª.

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES - Agradeço o aparte feito com a competência que lhe é própria, com a proficiência que lhe é intrínseca. V. Exª sempre traz luz ao debate e, neste caso, mostra a responsabilidade que nós temos não só em relação aos trabalhadores rurais mas também em relação a toda sociedade.

É um quadro que se aplica ao País inteiro, aos vários segmentos da sociedade e, portanto, não podemos setorizar. É óbvio que é um quadro gritante, por isso temos que tomar providências aproveitando os projetos existentes. É necessário que façamos o que é do nosso dever fazer. Independentemente do que está existindo, o Legislativo tem que tomar as providências indispensáveis, até para que o Executivo não nos venha colocar culpa pelo atraso de suas providências. Portanto, V. Exª tem absoluta razão. Mas não é apenas em relação aos sem-terra. Em virtude da nossa pobreza - que vem diminuindo -, os vários segmentos sociais passam por momentos difíceis. É natural que parte da sociedade queira avançar para a melhoria, sobretudo num País em que a renda sempre se concentrou nas mãos dos mais poderosos, enquanto os mais pobres perdem cada vez mais. Isso, evidentemente, é gritante no Brasil e chama atenção a todo homem sensato. Espero que este Congresso seja muito sensato.

O Sr. Pedro Simon - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES - Ouço o aparte do nobre Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon - Felicito V. Exª por trazer esse tema à tribuna. Está absolutamente correta a colocação de que esse é um assunto muito importante e sobre o qual o Governo deve se definir. Com todo o respeito, discordo do nobre Senador pelo Rio Grande do Norte, quando se refere apenas aos direitos, assegurados na Constituição, dos proprietários de terras. Esse é um dos direitos da Carta Magna. Todavia, temos de considerar os demais. Por exemplo: todo cidadão tem direito ao trabalho e a receber, como fruto de seu labor, para ele próprio e sua família, a necessária alimentação, educação, saúde, bem-estar, moradia e outros. Isso também está na Constituição. Penso que, assim como temos de estar angustiados - e acredito ser correto - para defender os direitos do proprietário de terra, ainda que tenham 100 mil, 200 mil, 500 mil hectares, temos de ter o direito de defender tantos outros. Este é um País que não assegura o mínimo necessário para que a pessoa viva com dignidade. V. Exª observa muito bem quanto a ser uma ida a um caminho que não nos serve. É ruim o que está acontecendo! Estranho que o Movimento dos Sem-Terra faça o que fez. Estamos num daqueles momentos em que devemos somar. Veja o exemplo do Exército que, depois de uma longa luta, além de entregar suas terras para a reforma agrária, designou seus técnicos para delimitá-las e dividi-las. Estamos vivendo um grande momento porque o Ministro da Reforma Agrária está disposto a concretizá-la e tem a credibilidade do Congresso e da sociedade. Não era hora de os sem-terra agirem dessa forma; sinceramente, deveriam repensar suas atitudes. Há momento para tudo. Este é o de darmos as mãos e cerrarmos fileiras no sentido de cobrar a realização da reforma agrária. Há momento para luta e para o debate. Creio que o Congresso Nacional tem sua responsabilidade nessa culpa, pois não conseguiu, até agora, encontrar um estatuto real para realizar a reforma agrária. O melhor que tivemos foi feito pela ditadura, quando o próprio Castello Branco fez o Estatuto da Terra sem as duas Casas. De lá para cá, não se fez nada, e o pouco que se fez é pior que o Estatuto da Terra. Em verdade, na hora da Constituinte, houve um debate, uma briga tão grande que se saiu do buraco negro. Inserir na Constituição um texto que falasse de reforma agrária só se fosse um trecho de mentirinha que dissesse o seguinte: onde será feita a reforma agrária? Em propriedade considerada improdutiva. Mas o que é propriedade improdutiva na forma da lei? Então, como eles não conseguiram encontrar solução, empurraram adiante. Essa é a questão. Na hora de se resolver problema como o do Proer, resolve-se; na hora de se solucionar a dívida dos agricultores com o Banco do Brasil, encontra-se uma forma. Entretanto, até agora não se encontrou uma saída concreta, objetiva, séria e responsável de como fazer a reforma agrária. O Governo nem se preocupou; tinha até que fazer a contraprestação. Quem são os que estão na reforma agrária? Quem são os sem-terra, quem não são, quem é essa gente? Por que o Governo não faz, junto às Prefeituras, um cadastramento para que se saiba quem são os sem-terra daquela localidade para depois realizar a reforma? O Governo se despreocupou, ao longo do tempo, com essa matéria. Então, o atual Presidente, que conhece a matéria e demonstrou, na minha opinião, que quer resolvê-la, deve prosseguir com a reforma agrária. Perdoe-me V. Exª, mas, na minha opinião, o Congresso é bem mais conservador do que o Presidente. É muito difícil, na Câmara e no Senado, mais na Câmara até, encontrar-se uma fórmula de avançar, de se chegar ao entendimento. Fizemos reforma agrária, aprovamos o Estatuto da Terra. Lá nos Estados Unidos, quando da conquista para o oeste, eles conseguiram. Quando houve aquele desenvolvimento fantástico de faroeste, que vemos constantemente nos filmes, eles estabeleceram que quem chegava e tinha a posse da terra passava a ser dono da terra. Desde aquela época, o Direito consuetudinário americano funcionou dessa forma, enquanto que, no Brasil, eram títulos de propriedade. E até hoje não conseguimos um instituto para resolver essa questão. Fizemos lá na minha terra, o Rio Grande do Sul. No Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, trouxemos imigrantes italianos e alemães há 170 anos e demos um pedaço de terra a eles. E há pessoas dizendo que os colonizadores italianos e alemães são fantásticos, porque fizeram uma obra fantástica no meu Estado, depois em Santa Catarina e no Pará. Mas dizer que foram eles, porque se fosse gente nossa não faria, isso não! Eles fizeram porque ganharam um pedaço de terra e tiveram chance de fazer, enquanto para o nordestino, para o paulista, para o resto do Brasil não se deu essa oportunidade. Então, creio que é chegado o momento de se procurar realizar uma reforma agrária séria. Concordo com V. Exª quando salienta que o Presidente da República deve dizer à Nação que o seu Governo quer sentar e decidir a reforma agrária; que o Exército aceita essa proposta; que o próprio Presidente do Supremo Tribunal Federal diz que a medida provisória pode servir para decidir a matéria sobre a reforma agrária. Por outro lado, deve fazer um apelo para os sem-terra, no sentido de que, neste momento, eles devem agir de forma diferente. É preciso reconhecer que eles agiram errado no Maranhão, mas aconteceu no Pará, em Rondônia. Há uns percentuais que devemos analisar: nos últimos 20 anos, quantos morreram assassinados pelos sem-terra e quantos sem-terra morreram nessa confusão? Penso que não temos muita autoridade para não reconhecer que o índice dos que tombaram é muito maior do que o dos que mataram. Meu abraço e meus cumprimentos a V. Exª pela importância e pela seriedade com que V. Exª está apresentando a questão para todos nós, desta Casa.

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES - Agradeço o aparte do Senador Pedro Simon e concordo com quase a sua totalidade.

Penso que, mesmo sem o Legislativo, o Executivo tem como adotar algumas medidas. Com imaginação, faz-se muito na reforma agrária. Se o Legislativo é o cravo, que digam os poucos pontos de estrangulamento e que mandem a responsabilidade para o Legislativo, pois Senado Federal e Câmara dos Deputados vão encontrar os caminhos para resolver esse problema, dentro do espírito de eqüidade, de justiça, sem que se prejudique qualquer das partes e sem que se fira a Constituição.

Não posso fazer a pilhéria que ia fazer, porque o Senador Bernardo Cabral se retirou, mas a Constituição de 1988 - o Presidente Fernando Henrique também foi Líder nessa ocasião e o Senador Bernardo Cabral, seu Relator - fez muitas concessões, inclusive o direito à vida. O sujeito poderia até não morrer. A Constituição substituía até Deus. Conseqüentemente, a Carta de 1988, nesse ponto de dar, foi pródiga. Dessa forma, se fôssemos seguir a Constituição de 1988, o País seria inviável. Infelizmente, estamos constatando isso com as reformas que se fazem necessárias. Nem todos pensam assim, mas uma grande parte da Nação tem essa opinião.

O Sr. Jader Barbalho - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES - Ouço V. Exª com muito prazer.

O Sr. Jader Barbalho - Senador Antonio Carlos Magalhães, volto a aparteá-lo para me referir particularmente à observação que V. Exª acaba de fazer em relação a essa cobrança do Parlamento. A Bancada do PMDB no Senado se reuniu e elaborou um documento que foi entregue ao Presidente da República. Nesse documento, a bancada do PMDB admite que seja editada medida provisória para regular a reforma agrária. Essa é a posição do meu Partido, mas tenho certeza de que os demais partidos com representação no Congresso Nacional estão dispostos a ajudar. É preciso que o Executivo tome a iniciativa. Estamos dispostos a oferecer o nosso apoio. O Ministro da Reforma Agrária é uma pessoa idealista e com vontade de acertar, mas talvez S. Exª não esteja entendendo a situação. Em entrevista publicada domingo retrasado no Correio Braziliense, o Ministro Raul Jungmann dizia que seria interessante nomear coronel do Exército para a superintendência do INCRA, porque coronel do Exército não se mata. Fiquei assustado quando li essa declaração. Quer-se reconhecer e transformar a questão da reforma agrária numa questão de segurança nacional, envolvendo uma instituição permanente da República nesta questão. Isso é preocupante! Espero que o Governo reconheça e fique na defensiva. O Governo tem que avançar; tomar medidas e liderar o processo. Estamos dispostos a apoiá-lo, mas ele é que tem que dar o tom. Concordo também com V. Exª. Segundo a imprensa, quem morreu no Maranhão foi um pobre carpinteiro. Qual é a diferença entre um pobre carpinteiro, que trabalha numa empresa rural, e um sem-terra? Qual a diferença entre o tratorista e os outros empregados da fazenda que morreram lá e um sem-terra? Senador Antonio Carlos Magalhães, o que desejamos, na verdade, é o primado da lei. No Pará, houve o caso de uma reintegração de posse, que não foi divulgado em nível nacional, no qual o proprietário tentou negociar. Sabe o que aconteceu? Deram um tiro na cabeça do motorista dele e ele escapou de perder a vida por pouco, com um mandado judicial na mão, tentando negociar. Se vamos inverter tudo, ou seja, ao invés do primado da lei, o primado da violência, já sabemos qual será o resultado. Quero, em mais este aparte ao pronunciamento de V. Exª, dizer que estou cansado de ouvir algumas figuras pitorescas e folclóricas cobrarem do Congresso Nacional o tempo todo. É o caso da reforma. Até hoje não sei o que aconteceu com a reforma da Petrobrás, que aprovamos no ano passado. Não sei o que aconteceu com cabotagem, empresa nacional, mas todo dia o Congresso é culpado. E nós, no Senado, temos até dificuldade e constrangimento de fazer emenda do que vem da Câmara para não atrapalharmos nada. É um processo também de acuamento. Eu, como Congressista, estou cansado de ouvir isso. No caso da reforma agrária, da parte do PMDB no Senado, o Presidente da República conta até com medida provisória para tratar do assunto. Muito obrigado e desculpe-me, mais uma vez, se me alonguei e tomei o tempo de V. Exª.

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - Senador Antonio Carlos Magalhães, pediria licença a V. Exª para dizer que o seu tempo está esgotado.

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES - Sr. Presidente, se V. Exª me permite, gostaria de conceder mais dois apartes e agradecer ao Senador Jader Barbalho, que é o Líder do PMDB.

E, embora rebelde, o Senador Pedro Simon é uma figura da sua Bancada.

O Sr. Jader Barbalho - O Senador Pedro Simon foi quem propôs. E o Senado aprovou porque a idéia era boa, e tinha carta branca do Presidente. Estou ressaltando exatamente isso.

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES - Muito bem, Senador. Então, veja que a culpa não é da Casa.

O Sr. Ernandes Amorim - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES - Ouço V. Exª com muito prazer.

O Sr. Ernandes Amorim - Senador Antonio Carlos Magalhães, gostaria de repetir as palavras do meu Líder sobre a intenção do PMDB, que é a de apoiar qualquer que seja a atitude do Presidente no sentido de atender aos sem-terra. E gostaria de acrescentar a todas essas idéias brilhantes aqui expressadas que o Presidente da República escolheu um cidadão honesto, um cidadão competente, o Dr. Jungmann, para dirigir o INCRA no Brasil. O que está ocorrendo não é falta de lei para desapropriar, para cumprir a missão de assentamento. O que eu acredito que está faltando é boa vontade por parte do Presidente da República para colocar recursos à disposição para desapropriar ou assentar os sem-terra. Na verdade, até então - e estamos na metade do ano -, o Governo Federal só repassou ao INCRA R$600 mil para atender a todos os seus setores. Com essa quantia, se o Dr. Jungmann fosse milagroso, conseguiria desapropriar terras. Gostaria ainda, para completar o meu aparte, de falar a respeito de Rondônia. Houve aquela matança, houve o problema de Corumbiara, e tantos outros que já nem me lembro mais, e as pessoas daquele movimento ainda se encontram amontoadas, sequer foram assentadas pelo INCRA. Por isso, digo que está havendo uma falta de entendimento no Governo Federal, falta de recursos, e não má vontade desta Casa. Obrigado.

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES - Agradeço o aparte de V. Exª. E, para fazer justiça ao Presidente do INCRA, não posso concordar com V. Exª. S. Exª foi nomeado, é um homem de bem como todos atestam e, se estivesse nessa situação, acredito que não ficaria no cargo. Conseqüentemente, creio que V. Exª está errado. Ou então o Sr. Raul Jungmann não é o homem que todos achamos que é - e sei que é. Como sei também que o Presidente da República quer realmente fazer a reforma agrária e, por isso mesmo, o Exército, por ordem de Sua Excelência - como salientou o Senador Pedro Simon -, doou terras como nunca tivera feito antes, daí por que a emoção do Sr. Jungmann, que até quis colocar como superintendente do INCRA um coronel do Exército. Mas, sendo como é, um homem de bem, não ficaria com R$600 mil no Ministério. De maneira que acredito que V. Exª deve estar equivocado quanto à cifra.

O Sr. José Eduardo Dutra - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES - Ouço V. Exª com muito prazer.

O Sr. José Eduardo Dutra - Senador Antonio Carlos Magalhães, estou inscrito logo após V. Exª. E gostaria de fazer um pronunciamento sobre alguns ataques que meu Partido vem sofrendo ultimamente.

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES - Não de minha parte.

O Sr. José Eduardo Dutra - Não. E é exatamente por isso que preferi fazer um aparte ao seu pronunciamento, pois caso eu não procedesse dessa forma, daria a impressão de que meu discurso seria uma resposta ao de V. Exª. Portanto, farei um aparte em relação a alguns pontos levantados por V. Exª, até porque meu pronunciamento não tem semelhança com o seu, até porque este foi bastante ponderado. Gostaria de fazer algumas retificações:

1º) o Senador Eduardo Suplicy, Senador do meu partido, foi o primeiro a fazer referência ao episódio do conflito do Maranhão. Ainda na quinta-feira passada, manifestou preocupação com o fato e também exigiu que fossem apurados os responsáveis pelo mesmo, de igual forma queremos que sejam apurados os responsáveis pelo episódio de Carajás. Tratamos os dois episódios da mesma maneira: queremos que sejam apurados os fatos e que os responsáveis sejam punidos;

2º) aproveitando para contestar um aparte do Senador Geraldo Melo, não concordo que o MST não queira a reforma agrária. O MST quer a reforma agrária e é esse fato que lhe dá a sustentação popular e de massa que possui hoje. Se ele fosse apenas um movimento lunático que pregasse a revolução armada não possuiria o menor apoio, como diversos outros movimentos que existem no Brasil e que são meros desvios de parte da sociedade. O MST possui sustentação popular e de massa porque, efetivamente, quer a reforma agrária. Se há um ou outro desgarrado que tem outras intenções, está dentro das divergências que há dentro de diversos movimentos, principalmente de entidades da sociedade civil. Gostaria também de discordar quando V. Exª diz que não há quem seja contra a reforma agrária no Brasil; acredito que isso não é verdade.

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES - Não. Disse que não há no Parlamento.

O Sr. José Eduardo Dutra - Mesmo no Congresso. Senador, quando aconteceu o episódio de Eldorado de Carajás, houve um grande debate com diversas lideranças no sentido de dar agilidade a projetos que estavam em tramitação na Casa e que poderiam contribuir para a reforma agrária. Um desses projetos poderia ter evitado esse conflito no Maranhão, que é o do Deputado Domingos Dutra, do PT desse Estado, que estabelece um certo ritual para concessões de liminares. Como a área do Maranhão já estava inclusive em processo de desapropriação, se esse projeto já tivesse sido aprovado, com certeza não teria havido conflito. E nesse aspecto, Senador, em relação a esse projeto, se o Governo Federal tivesse efetivamente pulso para fazer o que pretende, essa matéria poderia ter sido objeto de medida provisória e, com certeza, não haveria nenhum questionamento por parte da Oposição, porque, de acordo com a Constituição, a medida provisória pode ser editada em caráter de relevância e urgência. Reforma agrária, no meu entendimento, é um caso de extrema relevância e urgência. Concordo com a opinião do Senador Pedro Simon de que o Congresso tem sido mais conservador do que o Presidente da República, mas não foi feito por medida provisória porque, infelizmente, nesse assunto em particular, Sua Excelência fica refém da bancada ruralista na Câmara dos Deputados. Se fizer por medida provisória, com certeza a bancada ruralista depois não votará na reforma previdenciária, na reforma administrativa e em outras que o Governo quer fazer, pois precisa do famoso quorum de três quintos. Portanto, fazendo essas retificações, acredito que seria possível, se houvesse uma maior vontade política do Governo Federal, que tem tanta vontade de resolver o problema dos bancos, por meio de medidas provisórias, se quisesse, poderia ter resolvido ou pelo menos evitado esse episódio do Maranhão, caso já tivesse em vigor o projeto do Deputado Domingos Dutra. Muito obrigado.

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES - Agradeço o aparte de V. Exª. Quando digo que ninguém no Parlamento é contrário à reforma agrária, evidentemente sabe-se que há várias formas de se fazer reforma agrária. Deve-se encontrar um denominador comum, uma engenharia política de todos os pensamentos. Acredito que V. Exª há de colaborar, não sendo radical como outros de qualquer facção política ou ideológica.

Se houver um denominador comum, vamos conseguir obter, com facilidade, uma legislação adequada. Mas, se nos prendermos a pontos de vista radicais, dificilmente iremos encontrar aquilo de que, com urgência, o País precisa para fazer a reforma agrária.

Falo com certa autoridade. Nesse ponto, faço uma confissão de certo afeto: além de me dar bem com V. Exª, com o Senador Eduardo Suplicy e com as Senadoras Marina Silva e Benedita da Silva, enfim com os representantes do PT nesta Casa, tenho muita admiração pelo ex-Líder do PT na Câmara Federal, o Deputado Jaques Wagner, que tem conversado comigo a respeito desse problema da Bahia. S. Exª me sugeriu uma indicação para lá, à qual aceitei. Desse modo, V. Exª pode perceber que, nesse problema da terra, não há nenhuma animosidade que não possa ser composta.

Penso que poderemos encontrar caminhos adequados para os homens certos. Não se deve radicalizar no sentido de se colocar pessoas para servirem ao dono da terra em postos do INCRA, em delegacias ou em superintendências. Se o Governo proceder dessa forma, estará cometendo um erro. Também não se deve marchar para o outro extremo. Deve-se encontrar denominadores comuns para o País sair desse impasse. Essa é a opção inteligente. Por isso, há pessoas de várias tendências nesta e na outra Casa. Isso é o que deveríamos fazer e vamos encontrar, tenho certeza. V. Exª vai colaborar com isso.

Estou devendo um aparte ao Senador Flaviano Melo e à Senadora Marina Silva. Não sei se V. Exª é tão fiel intérprete do Regimento como o seu antecessor, o Senador Hugo Napoleão. Se V. Exª permitir os apartes, eu os concedo; senão, concluo o meu pronunciamento.

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Suplicy) - Senador Antonio Carlos Magalhães, V. Exª coloca este Senador que está na Presidência numa situação extremamente difícil, porque o Senador Levy Dias, que aqui me antecedeu, foi extremamente generoso com V. Exª. Afinal a anotação diz que o seu tempo já teria terminado, pois seria das 16h05min às 16h25min, e são 17h04min. Obviamente, V. Exª trouxe hoje ao Plenário do Senado um tema de extraordinária relevância, mas me sinto na obrigação de ser tão cumpridor do Regimento quanto V. Exª o é quando está à frente seja do Governo da Bahia, seja da Presidência de comissões. Quisera eu ter o poder aqui de, seguindo a recomendação do Senador Josaphat Marinho, aproveitar a minha presidência interina e decretar a reforma agrária. Como não tenho esse poder, tenho outro, qual seja, o de consultar o Plenário do Senado no sentido de saber se estão todos de acordo em que V. Exª tenha a possibilidade de conceder os apartes, porque, em caso afirmativo, eu interpretarei como Presidente o Regimento Interno do Senado, e se todos estiverem de acordo, vou pedir aos três Srs. Senadores mencionados que sejam muito breves, e possa este assunto ser debatido com a importância que tem. Assim, se ninguém se manifestar em contrário, V. Exª poderá ter os apartes, que eu pediria que sejam breves, para que não haja descumprimento até mesmo da interpretação do Regimento.

O Sr. Flaviano Melo - Senador Antonio Carlos Magalhães, V. Exª aborda um assunto muito interessante de uma forma muito clara, e um assunto sobre o qual, queiramos nós ou não, existe atenção no campo. Gostaria de fazer duas observações. Ouvimos o Líder do PMDB, Senador Jader Barbalho, dizer que o nosso partido inclusive sugeriu ao Presidente da República que usasse da medida provisória nas leis necessárias para completar a reforma agrária. Gostaria de observar que, em conversas com o Ministro da Reforma Agrária, ele mostrou interesse em dois projetos que já estão nesta Casa: um mandado pelo Governo, que é o Projeto do Rito Sumário, está na Câmara e já passou na comissão, indo para o plenário, e o segundo é um que tramita nesta Casa, de minha autoria, que aperfeiçoa a Lei nº 8.629. Não vi ainda, em momento algum, nesta Casa, um discurso contra a reforma agrária. Entendo que caberia a nós também agilizar esse projeto. Em segundo lugar, gostaria de dizer que o Movimento dos Sem-Terra existe porque existem os sem-terra. Pode haver uma liderança aqui, outra acolá insuflando, não discuto essa questão, mas o movimento existe porque existem os sem-terra no País. Cito aqui um exemplo do meu Estado. Na década de 70, quando se tentou modificar a economia da região, saindo do extrativismo para uma pecuária, criou-se, naquela região, um conflito terrível, muitas mortes aconteceram, e o caminho era bastante nebuloso. Naquele momento, o Governo Militar desapropriou uma quantidade enorme de terras, fez os assentamentos, e, hoje, o clima na região é de tranqüilidade. O Governo tem realmente que trabalhar para realizar a reforma agrária, desapropriar áreas e assentar. A partir do momento que isso acontecer, calmamente, claramente o Movimento dos Sem-Terra será desmobilizado. Eram essas as opiniões que eu queria dar ao seu pronunciamento.

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES - Agradeço a V. Exª, mas, como existem os sem-terra, existem os famintos, existem os "sem-educação", os "sem-remédio", os "sem-teto", existem todos esses. Se cada um fizer um movimento desses, vamos viver só vendo esses movimentos e, se todos estiverem armados, evidentemente acabou. A lógica não está a seu lado nessa conclusão.

Agora, que deveremos fazer tudo para realizar a reforma agrária e dar terra a quem precisa e pode cultivá-la, não tenho a menor dúvida disso, mas não pelo argumento de que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra existe porque existem pessoas sem terra; existem pessoas sem tudo, infelizmente.

A Srª Marina Silva - V. Exª me permite um aparte?

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES - Ouço V. Exª.

A Srª Marina Silva - Serei breve, obedecendo aos apelos da Mesa. Primeiro, quero registrar a importância dos debates que estamos fazendo nesta tarde e também dizer que, nesta Casa, apresentei três projetos no que se refere à questão da agilização da reforma agrária. A Constituição de 1988 estabelece a questão da função social da terra, e existem propriedades que não a cumprem. Se não o fazem, não devem receber por parte do Estado a proteção que recebem aquelas que cumprem. Os meus projetos são nesse sentido e dariam, se aprovados, uma grande contribuição à reforma agrária. Outro aspecto interessante que V. Exª abordou é o fato de que aqui todos somos a favor da reforma agrária; nos métodos e nas formas é que talvez tenhamos divergência. Em um ponto temos de estar em unanimidade: segundo os dados levantados pela revista Veja e pela Comissão Pastoral da Terra, 1% dos proprietários são - digamos assim - donos de 44% das terras agricultáveis do Brasil, enquanto os demais ficam com irrisórias propriedades, sem condição de sustentar suas famílias. Uma situação como essa caracteriza uma grave injustiça social; além disso, o relatório da ONU coloca o Brasil como um dos maiores concentradores de renda. Então, considero que a perda de autoridade do Brasil não é simplesmente por falta de pulso, mas por falta de crédito. Se as autoridades brasileiras tiverem, realmente, crédito naquilo que fazem - e nós também fazemos parte de tudo isso -, passaremos a ter um pouquinho mais de autoridade. Por exemplo, a questão da reforma agrária no Brasil é um problema, porque as pessoas não conseguem mais dar-lhe crédito. Já tivemos o Ministério da Reforma Agrária; agora, o reeditamos novamente. Tínhamos à frente daquele Ministério o Dr. Francisco Grazziano, que estava realizando a reforma agrária por meio de um processo de negociação. Tenho a certeza de que Dr. Raul Jungmann também tem a mesma preocupação e busca, com a experiência que possui, fazer uma reforma agrária sem conflitos - como espero -, mas pactada com a sociedade, com os sem-terras, com os proprietários, espero, e com as autoridades. Uma coisa é certa: não podemos - e isso é difícil para os que são contrários e os que são a favor - ideologizar o tema reforma agrária porque é uma questão de democracia e de sobrevivência. Existem milhões de pessoas que não têm acesso ao mercado de trabalho. A única forma de inclusão é por meio de um pedaço de terra para sobreviver. Nesse aspecto, todos temos que lutar com afinco para que a reforma aconteça. Posiciono-me contrariamente à questão da violência. Já vivi a violência do lado em que me encontrava. Sempre defendíamos os empates, que era a solução dos conflitos pela realização da reforma agrária do Acre. Quando começaram a derrubar a floresta para instalar a pecuária, a nossa posição foi a mesma: sem violência, que era fazer os empates como o Chico fazia. Mas, vi morrer os companheiros Elias, Calado, Evair e Gino e teria muitos outros para citar. Por último, vi morrer o Chico Mendes. Do lado deles, graças a Deus, nunca caiu nenhum. Realmente, a quantidade de pessoas assassinadas, do lado dos que não tem terra, é infinitamente maior do que do lado dos proprietários de terra. No entanto, as vidas não podem ser diferenciadas, uma vez que uma vida se equipara à outra. Não gostaria que nenhum soldado ou nenhum sem-terra morresse, mas, infelizmente, morreu um maior número dos sem-terra. Muito obrigada.

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES - O aparte de V. Exª, não há dúvida, tem pontos extremamente positivos. Não concordo apenas com o que V. Exª fala em relação à autoridade. O meu ponto de vista sobre falência da autoridade não tem nada a ver com credibilidade. A credibilidade se busca através de ação.

Posso falar isso porque, como no seu Estado, onde V. Exª tem credibilidade, no meu Estado, tenho absoluta credibilidade. De maneira que falo com uma tranqüilidade de consciência muito grande, em função do meu trabalho, daquilo que realizei. Portanto, tenho muita credibilidade.

Quanto à concentração de renda e ao fato de a propriedade rural estar enfeixada na mão de poucos, quando deveria estar nas mãos de muitos mais, entendo que deve haver mesmo a democratização do capital - e V. Exª nem usou essa expressão -, mas sou muito mais favorável a essa democratização. Embora não pareça, sou.

Entendo perfeitamente o aparte de V. Exª, até mesmo quando combate a violência. Sabe V. Exª, que hoje está militando numa área de equilíbrio total - estou constatando isso no seu aparte -, que nem sempre houve equilíbrio do lado em que V. Exª fez parte. Hoje V. Exª vê que o equilíbrio é realmente a melhor conduta para esses caminhos e, sobretudo, para encontrar solução.

De modo que só tenho que me congratular com V. Exª pelo conhecimento que tem de sua região, que eu não tenho e, portanto, nem posso discutir assuntos de sua região. Seria estultice discutir um problema que não conheço com a perfeição de V. Exª.

De modo que só posso louvar e incorporar o seu aparte com muito prazer ao meu discurso, certo, entretanto, de que não concordo, in totum, mas concordo com muitas das colocações de V. Exª, que entendo serem minhas também e de todas as pessoas sensatas que querem ver um caminho para o País. E é neste ponto que vamos encontrar soluções comuns aqui, porque todos pensam assim. E já vejo V. Exª numa rota interessante para encontrar a solução, não só desse problema agrário, como de tantos outros que vamos ter que discutir aqui ao longo dos sete anos de mandato que ainda temos.

O Sr. Hugo Napoleão - V. Exª me permite um aparte, nobre Senador Antonio Carlos Magalhães?

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES - Ouço V. Exª, Senador Hugo Napoleão, mas peço-lhe que seja breve, para atender à solicitação do Sr. Presidente, Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Hugo Napoleão - Eminente Senador Antonio Carlos Magalhães, serei sensível ao apelo do Presidente Eduardo Suplicy, e direi, em síntese, que V. Exª trouxe à consideração dos seus Pares um tema da maior atualidade, da maior profundidade, indiscutível e indubitavelmente da maior importância, a nível nacional. O número de apartes, de debates, de opiniões diversas que aqui foram oferecidas pelos Srs. Senadores já demonstra a importância do tema. É certo que, no meu Estado do Piauí, a questão agrária não é a mais aguda se comparada com a existente em outros Estados da Federação. Nem por isso deixa de ser problema. O problema agrário vai na exata medida - e aí, sim, acertou a Senadora Marina Silva, a meu ver - em que a questão social está envolvida. Não é possível que, em um País de oito e meio milhões de quilômetros quadrados, não tenhamos terras para quem nelas deseje trabalhar. Agora, concluindo, Senador Antonio Carlos Magalhães, o mais importante do discurso de V. Exª transcende até a essa importantíssima questão agrária: é a questão dos direitos humanos. O Brasil não pode se permitir a "Eldorados," a "Carandirus" ou a "Candelárias". O mundo questiona a posição brasileira, e o Governo tem que dar uma resposta firme. O Presidente tem obrigado a diplomacia brasileira a, exemplarmente, procurar demonstrar os esforços que estão sendo envidados para que evitemos esses males. Então, aí, sim, penso que o grande tema que V. Exª está a abordar é o da defesa dos direitos humanos no nosso Brasil. Também por isso, minhas congratulações a V. Exª.

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES - Agradeço a V. Exª.

Antes de terminar o meu discurso, que infelizmente se prolongou muito mais do que era meu desejo, quero dizer que o tema é importante, mas o mais importante é chamar a atenção do Governo Federal. Até mesmo os que concordam com as excelências do Ministro da Reforma Agrária devem ver: se o Presidente Fernando Henrique Cardoso o nomeou, Sua Excelência o nomeou porque ele tem credibilidade; e quem nomeia quem tem credibilidade, credibilidade também tem. Conseqüentemente, o Governo tem credibilidade para tratar o assunto. E, por conseguinte, precisamos encontrar a credibilidade, mas não perder a autoridade.

A perda da autoridade vai ser funesta para qualquer reforma que se faça no País, porque, no momento em que se perca a autoridade, não se fará reforma alguma, e muito menos sobreviverão as instituições. E quando quisermos acordar para resolver esse problema, infelizmente, não teremos voz, Sr. Presidente, porque estaremos silenciados pela violência e, sobretudo, por aqueles que não querem a democracia no País.

O Sr. Totó Cavalcante - V. Exª me permite um aparte?

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Suplicy) - Fico preocupado, Senador Totó Cavalcante. Espero que seja muito breve, pois, do contrário, será um desrespeito aos demais Senadores inscritos.

O Sr. Totó Cavalcante - Sr. Presidente, com todo o respeito, devo dizer que, ainda adolescente, aprendi a admirar o Senador Antonio Carlos Magalhães. E ninguém mais do que S. Exª tem autoridade para debater esse assunto e, inclusive, exigir do Senhor Presidente da República determinadas atitudes. Senador Antonio Carlos Magalhães, entendo que o sacrifício imposto à sociedade brasileira já é bastante grande, em especial no setor de produção agrícola. Não se pode fazer reforma agrária apenas dando terra para quem não a tem, mas, sim, fazendo a terra produzir. No meu Tocantins, onde não havia trabalhadores sem-terra, já começam a aparecer: lá encontrei um ex-trabalhador rural e um ex-pequeno proprietário rural. Já está na hora de exigirmos que Sua Excelência, o Senhor Presidente Fernando Henrique Cardoso, abra a torneira do setor de produção. O conflito no campo existe em razão da ausência de uma política agrícola direcionada ao homem que produz, ao trabalhador rural, enfim, ao sem-terra, porque ele também quer produzir. Entendo, também, que na cidade temos de abrir a torneira do setor habitacional, porque os bolsões de pobreza existem nas grandes cidades, e por intermédio do setor de construção civil haveremos de evitar o aparecimento dos com-fome, dos sem-remédios. Eram essas considerações que eu gostaria de associar ao seu pronunciamento.

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES - Senador Totó Cavalcante, agradeço o aparte de V. Exª. Acredito que não há motivo para desânimo, mas temos de ficar alerta para o problema que estamos vivendo. Os índices do Brasil, mesmo tomando-se como base os de 1991, já são melhores hoje do que eram ontem e poderão ser melhores amanhã. Nós do Nordeste temos obrigação de ver isso com certo cuidado, na medida em que somos de uma região que talvez esteja em pior condição do que as do resto do País.

Chamamos a atenção para que a melhoria da nossa região aconteça sob a égide da democracia. Não queremos o império da desordem, queremos o império da ordem. E é por isso que vim à tribuna tratar desse assunto que considero palpitante para o Brasil.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/06/1996 - Página 10191