Discurso no Senado Federal

INCENDIO OCORRIDO NA FAVELA DE HELIOPOLIS, EM SÃO PAULO.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • INCENDIO OCORRIDO NA FAVELA DE HELIOPOLIS, EM SÃO PAULO.
Aparteantes
Emília Fernandes, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 19/06/1996 - Página 10216
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • INCENDIO, FAVELA, BAIRRO, HELIOPOLIS (BA), CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), OCUPAÇÃO, EDIFICIO, CONSTRUÇÃO, COMPANHIA DE HABITAÇÃO POPULAR (COHAB), PRECARIEDADE, HABITAÇÃO.
  • NECESSIDADE, IMPLEMENTAÇÃO, POLITICA, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, REDUÇÃO, DESIGUALDADE REGIONAL, BRASIL.

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem, por volta das 7 horas, um edifício de três andares, que abrigava cerca de 60 famílias, na maior favela de São Paulo, localizada em Heliópolis, incendiou-se. Foi uma tragédia, e muitos puderam acompanhar, inclusive por transmissão direta das emissoras de televisão, a angústia e o sofrimento de diversas pessoas que subiram ao teto daquele edifício em busca de resgate.

Felizmente, a habilidade e a coragem de inúmeros voluntários e membros do Corpo de Bombeiros e da Polícia Militar salvaram muitas vidas. As fotos estampadas nas primeiras páginas da imprensa hoje revelam como mais de 20 pessoas estavam no teto daquele edifício semiconstruído, aguardando o momento em que helicópteros pudessem resgatar suas vidas.

Trata-se de uma tragédia decorrente do dilema da pobreza registrada no relatório da ONU sobre o Brasil, com três grandes contingentes de pessoas: o Brasil que está bem, que vive como se fosse um país desenvolvido; o Brasil que está num nível médio e o Brasil da pobreza. Os indicadores de desenvolvimento humano demonstraram que precisamos caminhar na direção de uma melhor distribuição de renda e da erradicação da miséria com muito maior energia e brevidade do que até agora foi realizado.

Conheço aquela favela já de há muitos anos. Inclusive, pude acompanhar Luiza Erundina de Sousa quando prefeita daquela capital, onde realizou inúmeras melhorias: saneamento básico, construção de edificações verticais, escola, creche e centros comunitários.

Entretanto, Sr. Presidente, três ou quatro edifícios iniciados pela Cohab tiveram suas construções interrompidas e a população favelada próxima àquela localidade ocupou aquela área e resolveu ali fazer inúmeras habitações precárias. Com madeiras e os mais diversos tipos de instrumentos e materiais acabaram fazendo com que esse edifício se tornasse semi-acabado, com instalações elétricas precárias, com botijões de gás. Ao lado desse edifício, há dois ou três edifícios em situação igualmente precária.

Nesse episódio, houve falta de cuidado. Segundo relato dos moradores, teria sido feita uma pequena fogueira para aquecer algumas pessoas. Com isso, iniciou-se um incêndio que, infelizmente, veio a matar quatro pessoas e a ferir mais de cinquenta, as quais se encontram no Hospital de Heliópolis.

Queremos expressar a nossa solidariedade às famílias que passam por tantas dificuldades e que tiveram seus lares tão simples e humildes queimados.

Por volta de 9 horas e 40 minutos, o Prefeito Paulo Maluf se dirigiu àquele local e, ao invés de tomar a iniciativa imediata de se solidarizar e procurar fazer o que era possível para ajudar a população, resolveu fazer acusações ao Partido dos Trabalhadores, a um advogado do PT e à administração de Luiza Erundina. Diante daquelas declarações, os moradores locais se indignaram com o prefeito e acabaram sendo-lhe hostis. O Prefeito Paulo Maluf precisou se retirar do local com rapidez.

Acompanhei a ex-Prefeita Luiza Erundina, que exerceu o seu mandato de 1989 a 1992, à visita feita ao mesmo local às 13 horas. Fui testemunha de como os moradores a ouviram com carinho, preocupados. A mãe que havia perdido seu marido e entes queridos abraçou Luiza Erundina e lhe transmitiu a sua dor. Luiza Erundina preferiu não responder aos ataques do Prefeito Paulo Maluf e disse que estava ali apenas para expressar a sua solidariedade, estar junto às famílias na sua dor e pensar sobre o que poderia fazer. Ela estava tranqüila, porque, durante os quatro anos de governo, ali realizou melhorias e investimentos. Aliás, aquele local ela conhece há 20 anos, porque começou seu trabalho em São Paulo como assistente social, exatamente nas favelas de São Paulo, inclusive na de Heliópolis.

Fui testemunha também do que aquelas pessoas, moradoras da favela de Heliópolis, disseram a Luiza Erundina: "Aqui você não precisa de segurança, nós somos a sua segurança". Eles a acompanharam, bem como ao candidato a Vice-Prefeito, Aloízio Mercadante, ex-Deputado Federal, e ao advogado José Mentor, que é também vereador e que havia manifestado que, no início da administração Paulo Maluf, os moradores tinham solicitado providências do prefeito para que aquela situação fosse consertada. Infelizmente, a resposta demorou muito e agora estamos vivendo esta tragédia.

Sr. Presidente, precisamos adotar medidas para que o Brasil possa ter indicadores de desenvolvimento humano, seja de expectativa de vida, de escolaridade, de renda, que nos coloquem em uma situação muito melhor do que a apontada pela ONU, em seu relatório sobre o desenvolvimento do mundo.

É impressionante observar que favelas de São Paulo continuam aumentando extraordinariamente.

Quando eu era estudante, lembro-me do movimento de desfavelização de São Paulo, do qual meu pai era um dos membros. Havia, na época, 60 mil favelados em São Paulo; os dados hoje demonstram que há 1 milhão e 900 mil pessoas morando em favelas. A própria favela de Heliópolis não cessa de crescer. Aquele aglomerado humano está mais apertado, com mais gente, e nós precisamos pensar em como resolver o problema dos seus 70 mil moradores, bem como de todos aqueles que, no Brasil, vivem ainda em condições de vida tão precárias.

A Srª Emilia Fernandes - V. Exª me permite um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Com muito prazer, Senadora Emilia Fernandes.

A Srª Emilia Fernandes - Nobre Senador Eduardo Suplicy, ao agradecer antecipadamente o aparte concedido, gostaria de também me somar às manifestações de pesar pelo ocorrido recentemente em São Paulo. Neste plenário, nesta tarde, ouvimos alguns pronunciamentos buscando mostrar todas as formas de violência que têm acontecido contra pessoas neste País. Num primeiro momento, houve uma reflexão em relação à violência ocorrida no campo, agora, V. Exª se refere a uma outra forma de violência, porque, sem dúvida, as condições indignas de moradia são também um meio de atingir e de aviltar a situação das pessoas. As recentes notícias dos jornais demonstram, por meio de um relatório, até mesmo da Comissão da Pastoral da Terra, que o Rio Grande do Sul foi um dos 10 Estados onde, no ano de 1995, houve o menor número de conflitos da década. Isso se dá, logicamente, a meu entender, como resultado, inclusive por parte dos governantes, do reconhecimento dos movimentos organizados, sejam eles do campo ou da cidade em relação à luta pelos seus direitos. Gostaria também de registrar que muito se fala da preocupação com relação às conseqüências do que está ocorrendo. Há enfoques com os quais não concordo, outros, numa linha à qual me associo. Vejo que a violência - assim como as condições indignas em que hoje vivem algumas pessoas, em grande número, quer pelas condições de habitação, quer pela falta de emprego, segurança, saúde e educação - não cresce por si só, não nasce sozinha; ela não é um fim, mas um efeito. Hoje, em outro momento da sessão, essa questão estava sendo discutida, e, por falta de tempo, lamentavelmente, não pude fazer um aparte. Penso que o Brasil está - sem querer comparar com a triste realidade que recentemente viveu São Paulo, em relação ao ocorrido no shopping - sob um grande choque, sob o efeito do gás da desesperança, do distanciamento entre os que têm muito e os que não têm nada. Os dados comprovam que o índice de pessoas que vivem em condições de miséria cresceu. Há a questão do desemprego e uma permanente intranqüilidade que preocupam constantemente não só o trabalhador, mas também o funcionário público, o aposentado em relação ao que se levanta como prioritário no Brasil. Deveríamos - junto com a luta e o combate à inflação, que aplaudimos - ter demonstrado, desde o início, por meio dos nossos governantes, uma vontade política de desenvolvimento do País e tranqüilidade para o campo e a cidade, tratando as causas, dando recursos, emprego e, acima de tudo, condições de manter o camponês no campo, onde ele possa produzir. Hoje, a nossa grande preocupação tem sido essa. Precisamos de reforma agrária? Sim, e urgentemente. Mas, acima de tudo, a vontade política precisa manifestar-se e dar a atenção ao homem do campo, profundamente prejudicado. E, nós, do Estado do Rio Grande do Sul, sabemos disso. Cumprimento V. Exª. Todos esses acontecimentos, que estão ocorrendo no País, devem exigir uma reflexão mais profunda por parte do Governo. Talvez, o grande equívoco foi buscarmos as mudanças por intermédio das reformas previdenciárias e administrativas, quando deveríamos ter iniciado por uma reforma fiscal e tributária, apresentando soluções e, principalmente, garantindo os locais de emprego para que as pessoas, a partir daí, tivessem condições de vida mais tranqüilas. São causas que precisam ser combatidas. É bem possível pensar que estamos vivendo um momento de "estopim aceso" no Brasil. Porém, se as causas não forem atacadas, logicamente, teremos conflitos e problemas em todos os setores da sociedade, como resultado da desatenção em relação às grandes questões sociais, que são fundamentais para o desenvolvimento de um país. Muito obrigada.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Agradeço o aparte de V. Exª e compartilho da análise que faz das suas preocupações. É importante o registro da ONU, que mostra o índice de desenvolvimento humano no Rio Grande do Sul, demonstrando que há muito para aprendermos com o seu Estado, já que a qualidade de vida lá, felizmente, hoje, é melhor que em outros lugares. Mas é preciso que todo o Brasil se aproxime desses indicadores, que já fazem do Rio Grande do Sul um "país" próximo do desenvolvimento.

Mesmo em Estados mais desenvolvidos, como São Paulo, há extraordinárias diferenças. No meu Estado, temos extraordinária riqueza, uma grande classe média e extraordinária pobreza.

O Sr. Pedro Simon - Senador Eduardo Suplicy, V. Exª me permite um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Ouço V. Exª com muita honra, Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon - Nobre Senador Eduardo Suplicy, com todo o carinho, peço à Taquigrafia que faça uma corrigenda no seu pronunciamento, pois V. Exª disse que o Rio Grande do Sul é um "país" próspero, mas ele é um Estado próspero. Felicito o pronunciamento de V. Exª pela sua serenidade. Acontecimentos como os de São Paulo são lastimáveis para todos nós. Não é este o momento e nem a hora de se procurar culpados. Com toda a sinceridade, não me parece correto querer atingir uma pessoa tão extraordinária como a querida Prefeita Erundina ou o Sr. Maluf. Como diz V. Exª, fatos como esses acontecem e temos que ter muito cuidado no trato deles, principalmente num ano eleitoral. Na verdade, não me considero com autoridade para atirar pedra em alguém. Creio que há uma co-responsabilidade generalizada neste País, mormente por parte das classes dirigentes - entre as quais nos incluímos - e das elites que participam deste Brasil nº 1, a que a ONU se referiu. É certo que somos responsáveis por esses acontecimentos. Parabenizo, como sempre, seu tom sereno ao abordar essa grande campanha que será feita em São Paulo. Em pronunciamentos anteriores, já me referia - e as manchetes dos jornais antecipavam - que José Serra, Luiza Erundina e outros trarão a antecipação do pleito federal naquela cidade, onde vislumbraremos se haverá ou não reeleição; se Fernando Henrique, Lula, Maluf serão ou não candidatos à Presidência da República. Por isso, é de muita importância que esse debate esteja à altura das grandes propostas, pois temos de reconhecer que São Paulo é realmente grande, com suas riquezas e seus potenciais, mas também tem suas injustiças e seus guetos, que estão à margem da sociedade brasileira. Por isso, felicito o tom, como sempre tranqüilo e sereno, de V. Exª. E peço, por intermédio de V. Exª, aos presidenciáveis ou não presidenciáveis, mas aos candidatos à Prefeitura da Cidade de São Paulo, que entendam que o Brasil inteiro está olhando para aquele debate, e que eles estejam à altura do interesse, do significado e da importância que eles representam para o Brasil.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Agradeço o aparte e, inclusive, a sua correção. Quis dizer que o Estado do Rio Grande do Sul tem o índice de desenvolvimento humano próximo àqueles de países desenvolvidos. O mais desenvolvido é o Canadá, com 0,95, e o Rio Grande do Sul tem um índice de 0,871. Ou seja, enquanto o Brasil está com 0,797 - o máximo é um, e o mínimo é zero -, Canadá, Estados Unidos e Japão estão entre 0,937 e 0,95. E o Rio Grande do Sul tem 0,87 e deve ser olhado com muita atenção para aprendermos com o Estado de V. Exªs.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/06/1996 - Página 10216