Discurso no Senado Federal

COMENTANDO NOTICIA PUBLICADA PELA REVISTA VEJA, DA PRIMEIRA SEMANA DO MES DE ABRIL, SEGUNDO A QUAL MILHARES DE BRASILEIROS TERIAM PASSADO O ANO DE 1995 SEM O SUPRIMENTO DE IODO, TRADICIONALMENTE ADICIONADO AO SAL DE COZINHA.

Autor
Flaviano Melo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
Nome completo: Flaviano Flávio Baptista de Melo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • COMENTANDO NOTICIA PUBLICADA PELA REVISTA VEJA, DA PRIMEIRA SEMANA DO MES DE ABRIL, SEGUNDO A QUAL MILHARES DE BRASILEIROS TERIAM PASSADO O ANO DE 1995 SEM O SUPRIMENTO DE IODO, TRADICIONALMENTE ADICIONADO AO SAL DE COZINHA.
Publicação
Publicação no DSF de 26/06/1996 - Página 10742
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ANALISE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, SAUDE PUBLICA, BRASIL, CRITICA, FALTA, ATENÇÃO, MEDICINA PREVENTIVA.
  • COMENTARIO, DENUNCIA, IMPRENSA, SUSPENSÃO, ADIÇÃO, IODO, SAL, MOTIVO, BUROCRACIA, PROCESSO, LICITAÇÃO, PREJUIZO, POPULAÇÃO.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO, FALTA, INFORMAÇÃO, SOCIEDADE, RESPONSABILIDADE, PROBLEMA, SAUDE.

O SR. FLAVIANO MELO (PMDB-AC) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não é novidade para ninguém o fato de ser calamitosa a situação da saúde pública no Brasil, sobremodo em tudo o que se refere ao atendimento às parcelas mais pobres da população. Casos como o das mortes por intoxicação nas máquinas de hemodiálise, em Caruaru (Pernambuco), de causas já conhecidas mas ainda não sanadas, por exemplo, causam pasmo e indignação até fora do País. Nenhuma alegação de falta de recursos cabe quando a incúria pelo bem-estar público e o desprezo pela vida alheia estão entre as fontes principais desses verdadeiros crimes continuados.

Concedamos, porém, como desculpa, Senhoras e Senhores Senadores, o fato de que a penúria de verbas, resultante da falência do Estado, vem depauperando nossos sistemas de ação social, como os das áreas da educação e da saúde, de tal modo que nossos hospitais não curem e nossos ambulatórios não atendam, assim como nossas escolas, reconhecidamente, não ensinam satisfatoriamente. Mesmo assim, mesmo aceitando-se o abandono à própria sorte dos que adoecem, esquecida a medicina curativa, fica sem qualquer possibilidade de justificação a desídia para com a medicina preventiva, muito mais barata e de alcance social muito maior.

Diante disso, é preocupante a notícia publicada pela revista "Veja", da primeira semana do mês de abril, segundo a qual milhares de brasileiros teriam passado o ano de 1995 quase inteiro sem o importantíssimo suprimento de iodo, tradicionalmente adicionado ao sal de cozinha. Tudo isso paradoxalmente porque, seguindo uma recomendação da Organização Mundial da Saúde e preocupado com a efetiva iodação do sal consumido pelo povo, o Governo tornou obrigação legal do Ministério da Saúde o fornecimento do iodato de potássio a todas as salineiras do País.

Tornada a compra pelo Governo uma exigência da lei, foi preciso abrir uma licitação internacional para a aquisição regular da substância, mas a empresa que anteriormente fornecia entrou na Justiça e suspendeu a concorrência. O problema foi que o processo ficou estacionado por vários meses e o iodo não foi fornecido.

Certamente deve ser do conhecimento das Senhoras e Senhores Senadores, mas não custa lembrar os malefícios da falta de iodo no organismo. O mais conhecido é o bócio, popularmente chamado de "papo" pela aparência decorrente do inchaço da glândula tireóide, endêmico por décadas nas regiões distantes do mar. Mas a falta de iodo é também responsável por dificuldades de atenção e raciocínio e por apatia crônica.

Ainda há mais, Srªs e Srs. Senadores, e mais grave: a falta de iodo na dieta de mulheres grávidas e na alimentação perinatal do bebê pode levar as crianças a uma doença mental irreversível, chamada cretinismo.

Cálculos talvez um tanto alarmistas, divulgados no meio médico, estimam que mais de duzentas mil crianças nascidas no último ano podem ter sido atingidas. Mesmo que o número seja muito menor, não se pode fugir ao prejuízo de vidas e capital humano que isso representa.

É verdade que as três maiores empresas salineiras do Brasil, responsáveis por sessenta por cento do abastecimento, garantem haver obtido o iodo por conta própria e mantido os teores necessários em seus produtos. Análises feitas em Pernambuco, porém, mostram que apenas duas delas haviam realmente mantido as quantidades legais de iodo no sal.

Sério mesmo é que, "para variar", são as comunidades mais desinformadas e carentes aquelas supridas pelo sal das mais de duzentas salineiras, responsáveis pelos outros quarenta por cento do mercado, que venderam seu produto sem iodo.

Desde fevereiro de 1996, segundo o semanário, o problema jurídico foi resolvido e a distribuição das primeiras trinta e cinco toneladas de iodato de potássio já começou. O problema moral, no entanto, continua de pé, uma vez que a população não foi informada sobre o problema.

O Ministro da Saúde, Adib Jatene, questionado sobre o silêncio governamental a respeito do assunto, declarou não haver vantagem em se notificar a população sobre um problema em que ela não pode influir. Penso, ao contrário, que o direito à informação é um dos fundamentos da democracia e do Estado Moderno, sobretudo se essa informação é sobre a saúde de cada cidadão.

De qualquer forma, o problema já está formado. Quero apenas deixar claro que considero de inteira responsabilidade do Governo, quaisquer problemas mais graves da saúde pública que venham ocorrer em virtude desse incidente.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/06/1996 - Página 10742