Discurso no Senado Federal

PARADIGMAS DO COMPORTAMENTO DESPORTIVO AO LONGO DO TEMPO. POSSIBILIDADE DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO EM SEDIAR AS OLIMPIADAS DO ANO 2004.

Autor
Artur da Tavola (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RJ)
Nome completo: Paulo Alberto Artur da Tavola Moretzsonh Monteiro de Barros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESPORTE.:
  • PARADIGMAS DO COMPORTAMENTO DESPORTIVO AO LONGO DO TEMPO. POSSIBILIDADE DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO EM SEDIAR AS OLIMPIADAS DO ANO 2004.
Publicação
Publicação no DSF de 26/06/1996 - Página 10692
Assunto
Outros > ESPORTE.
Indexação
  • ANALISE, IMPORTANCIA, OLIMPIADAS, AMBITO, ESPORTE, CULTURA, NACIONALISMO, TURISMO, ATIVIDADE ECONOMICA, CRIAÇÃO, EMPREGO.
  • DEFESA, PARTICIPAÇÃO, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), SORTEIO, SEDE, OLIMPIADAS, ANALISE, VANTAGENS, CIDADE, AUSENCIA, ONUS, PODER PUBLICO.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, teremos, dentro de breves dias, as Olimpíadas de Atlanta.

As olimpíadas já são um evento que caracteriza um marco da contemporaneidade, uma mescla do esporte com o entretenimento, com o turismo, com a cultura e com uma intensa atividade comercial em torno da mesma.

O professor Manuel Tubino, em um estudo, apresenta três paradigmas de comportamento desportivo ao longo do tempo, principalmente neste último século. O primeiro é o paradigma olímpico, que acompanha a humanidade ao longo do tempo, e é destinado à valorização do ser, da disputa; trata-se daquela velha máxima da competição pela competição e que tem embutidos valores outros de vida, de atividade associativa, de desenvolvimento do corpo, de desenvolvimento do espírito. Esse é o paradigma olímpico que durante muitos anos marcou predominantemente as atividades desportivas no mundo.

Por volta dos anos 30, surge no mundo um outro paradigma de comportamento desportivo: aquele que marca o caráter ideológico ou político da atividade desportiva. Era o crescimento dos coletivismos no mundo; era o começo da expansão do nazismo; era a reação, do outro lado, do movimento comunista; era uma expansão do Estado como elemento "factor" da atividade humana em predomínio; era a idéia do Estado, quando não único, pelo menos do Estado total.

Esse paradigma marca o esporte deliberadamente. É a idéia do esporte como afirmação dos valores intrínsecos da sociedade que o pratica. É o sentido do esporte como a afirmação esplendorosa das virtudes dos sistemas políticos.

Da Primeira para a Segunda Guerra Mundial, principalmente perto da Segunda Guerra Mundial, o esporte passa a ganhar esse tipo de comportamento. Ele é a afirmação do predomínio de um sistema político. Chegou até a representar, nos sistemas políticos que levantavam a idéia estúpida da superioridade racial, a idéia também de que a superioridade racial refletir-se-ia na atividade desportiva.

É bem verdade que, enquanto alguns sonhavam com essa idéia, negros derrubavam arianos no esporte do boxe, mostrando que a superioridade racial nada mais era que um sonho bestial de um momento infeliz de uma nacionalidade.

O esporte, como paradigma ideológico, está muito bem caracterizado numa frase de Nelson Rodrigues a respeito da Seleção Brasileira de Futebol. Nelson Rodrigues, com aquele seu modo de dizer, com aquela sua fala inconfundível - que me permito, por momentos, tentar aproximar-me dela -, dizia: - "A Seleção é a pátria de chuteiras". A idéia de que a Seleção Brasileira era a pátria brasileira vestindo chuteiras. Ainda estava ali, nessa concepção de Nelson Rodrigues, que é a concepção ainda predominante, a idéia de que o esporte é a representação da pátria na sua plenitude.

Claro que tudo isso corresponde aos nacionalismos, corresponde ao Estado-Nação. Tem uma série de implicações na própria história, no próprio desenvolvimento.

Da década de 70 em diante, o esporte penetra num novo paradigma, que podemos chamá-lo mercadológico. É a época do desenvolvimento de muitas tecnologias dos plásticos, do motor à explosão e, também, do desenvolvimento das tecnologias da comunicação.

Essas tecnologias fazem com que o esporte não mais permaneça no campo, onde está a ser disputado, e, via televisão, alcance o próprio mundo. E mais, o desenvolvimento dos circuitos miniaturizados da televisão leva o esporte à possibilidade de ser apreendido na minúcia, no pormenor, no infinitesimal.

Recordo-me que, já na Olimpíada de Munique, câmeras debaixo d'água davam uma visão absolutamente precisa das competições de natação e o acompanhamento de cronômetros, e, ao mesmo tempo, a possibilidade do slow motion permitia um conhecimento absolutamente pormenorizado da atividade desportiva. E em torno dessa forma, desse paradigma de esporte, desenvolve-se todo um procedimento de natureza mercadológica. É o que hoje chamamos de esporte de alta competição.

Sr. Presidente, o esporte de alta competição tem uma característica diferente das demais. Ele é um esporte praticado por pessoas de extrema competência; ele possui um nível de total competitividade; é um espetáculo que existe como espetáculo fora do campo onde está sendo disputado, portanto, ele é um grande negócio. Para que se tenha idéia do tamanho do esporte mercadológico, nos Estados Unidos, por exemplo, há três ligas de boxe e não uma apenas. A seleção norte-americana de basquetebol, que disputará esta Olimpíada de Atlanta, só do ponto de vista do que ganham anualmente, no mínimo, seus principais jogadores, é uma seleção da ordem de US$50 milhões, apenas de ganhos diretos dos seus praticantes, sem contar os ganhos de publicidade, sem contar toda a indústria que se movimenta em torno, porque a prática é disseminada pelos Estados Unidos, sem contar tudo o que se movimenta em torno apenas do basquete. Este esporte movimenta cerca de US$5 bilhões/ano. Portanto, estamos em plena era do esporte de natureza mercadológica.

O que desejo lhes dizer é que esses três grandes paradigmas da atividade desportiva não são separados no tempo. O paradigma olímpico não acaba e começa o paradigma ideológico do esporte. O paradigma ideológico não termina e começa o mercadológico. Não. Eles se mesclam na atividade desportiva.

Pessoas há que olharão o esporte exclusivamente pelo paradigma olímpico, por suas características educativas inclusive. Pessoas há que verão o esporte, inevitavelmente, como a pátria de chuteiras, ou seja, o paradigma ideológico, doutrinário.

O Brasil viveu durante muitos anos a idéia do esporte como manifestação nacional. Fui Relator da Lei do Esporte, quando Deputado, e ali tivemos oportunidade de verificar o quanto o esporte no Brasil já estava estatizado, com uma lei de 1941 em pleno vigor, lei do tempo do Estado Novo.

Tivemos todo um trabalho de dissolver a estatização do esporte, de fazer um conselho, que aliás não foi seguido pelo atual Ministro, que criou, a meu ver de modo irregular, um órgão chamado Indesp, para fazer um esporte inteiramente independente. O esporte é típica atividade da sociedade. O Estado tem muito pouco a ver com o esporte. Cabe ao Estado, conforme está na Constituição Brasileira, apenas a obrigatoriedade, e essa, sim, justa, do esporte educacional, do esporte ligado à escola e do auxílio, em determinados casos, ao esporte de alto rendimento.

Pois bem, dentro desse marco, teremos neste ano as Olimpíadas de Atlanta.

Para que se tenha idéia de um evento como uma olimpíada, de 1970 para cá, em dados gerais, podemos lembrar: 15 mil atletas praticando uma olimpíada. Para quem se lembrar que as olimpíadas nasceram na Grécia em 776 a.C. com uma simples corrida de 180m em torno de um estádio, a prática de 15 mil atletas, técnicos e dirigentes, de 197 países, já revela o tamanho, o vulto, a importância, o significado da competição.

São 28 modalidades desportivas; 150 mil profissionais envolvem-se nesse projeto - 150 mil profissionais - para um público local. Estou dando dados de Atlanta, nos Estados Unidos, dentro de um mês. Três milhões de pessoas compõem o público que diariamente, de um ou de outro modo, acompanhará diretamente os jogos e dois bilhões de pessoas é a medida do público que acompanhará o evento, via televisão, em todo o mundo.

Estes dados são importantes para que possamos compreender em profundidade o significado de uma Olimpíada. Ela é, hoje, um grande evento desportivo, com tudo que o esporte significa - já analisei no princípio da fala -, possui em torno de si uma das maiores mobilizações na face da Terra, talvez a maior. É um empreendimento de vulto do ponto de vista econômico e, do ponto de vista mercadológico, é um enorme empreendimento.

Nos países que recentemente sediaram as Olimpíadas, tivemos trabalhos absolutamente notáveis de reconstrução urbana e de preparação da infra-estrutura para organização do evento. Não sei se os Srs. Senadores têm na memória, porque os dados que vou citar foram todos já cobertos pelas emissoras de televisão: a Olimpíada de 1976, há 20 anos, foi em Montreal no Canadá; em 1980, a Olimpíada aconteceu em Moscou, na Rússia - não sei se recordam ainda do belíssimo espetáculo de abertura, com aquele urso característico da marca da então União Soviética, feito no próprio desenho das pessoas na platéia, um espetáculo inolvidável de abertura e de encerramento -; Los Angeles, em 1984; Seul, na Coréia, em 1988; Barcelona, na Espanha, em 1992; e, agora, Atlanta e, no ano de 2000, a cidade de Sidney sediará as olimpíadas.

A escolha da sede das Olimpíadas é feita de forma extremamente percuciente, cuidadosa e demorada, pelo Comitê Olímpico. São selecionados vários países, gradativamente, até ficarem quatro para decisão final, que deverá ocorrer no princípio do ano que vem.

O fato é que o Brasil, desta vez, está participando diretamente da escolha da sede da Olimpíada do ano 2004, apresentando o Rio de Janeiro como a cidade apta a sediar o evento, por várias razões que, caso tenha tempo, deverei abordar.

Em primeiro lugar, o Brasil passa a ter grandes chances nessa escolha, por algumas razões que passo a descrever. São 11 as cidades candidatas neste momento: a Cidade do Cabo, na África do Sul - aliás uma concorrente forte, porque a África, assim como a América do Sul, jamais sediou uma Olimpíada; Buenos Aires, na Argentina; São Petersburgo, na Rússia; Estocolmo, na Suécia; Lille, na França; Sevilha, na Espanha; Roma, na Itália; Atenas, na Grécia; Istambul, na Turquia; e Porto Rico, nos Estados Unidos. Muitas dessas cidades não devem ter uma classificação segura, até porque seus países têm sediado recentemente atividades olímpicas, como o caso de Roma, Sevilha, Porto Rico e Lille. Basta dizer que a Olimpíada de inverno de 1998 será em Paris, o que desclassifica, desde logo, a pretensão da França. Estocolmo sediou a Olimpíada de Inverno do ano passado.

Lembro, ademais, que na Europa já foram realizadas 14 Olimpíadas; nos Estados Unidos, cinco; na Oceânia, duas - considerando a Olimpíada do ano 2000 que será em Sidney, na Austrália. Os dois únicos continentes que jamais sediaram uma Olimpíada são a América do Sul, que tem como cidades candidatas Buenos Aires e o Rio de Janeiro, e a África, que tem como candidata a Cidade do Cabo.

Pois bem, quais são as chances e por que desejo eu, através deste discurso, mobilizar o próprio Senado da República? No sentido, em primeiro lugar, da compreensão da grandeza do significado desse evento e, em segundo lugar, no apoio nacional que deve existir internamente para que uma consciência interna desse problema ajude-nos a uma posição bem clara no plano externo, de vez que até o Presidente da República, em sua recente viagem à França, foi até a Suíça para uma conversa particular com o Diretor do Comitê Olímpico Internacional, para ali colocar com clareza a pretensão do Rio de Janeiro de sediar as Olimpíadas.

O Rio de Janeiro possui algumas condições que não são bem conhecidas do ponto de vista da importância e da facilidade da realização de uma Olimpíada, tais como, condições de clima. As Olimpíadas são realizadas entre 17 julho e 3 de agosto e a média de temperatura no Rio de Janeiro, nessa época, é de 25 graus centígrados e não é uma época de chuvas. É evidente que nos países da Europa e nos Estados Unidos, nessa época do ano, as temperaturas estão a 40ºC. E na própria Argentina, que conosco compete, as temperaturas são muito baixas. Essa temperatura média de 25ºC é absolutamente ideal para a prática desportiva, considerada por atletas, por técnicos, inclusive a mais bem qualificada para obtenção de recordes, a obtenção de resultados superiores. Esse é um ponto que pesa em favor do Rio de Janeiro.

Além disso, o Rio de Janeiro tem, na sua tradição, a realização já de alguns eventos que merecem a nossa atenção, porque foram realizados com pleno êxito, apesar de todas as dificuldades pelas quais a cidade tem passado. Por exemplo: o Rio de Janeiro já organizou a Copa do Mundo de Futebol de 1950; a Copa Davis de 1992; o Mundial de Vôlei de 1961; Mundial de Fórmula 1, todos os anos até que foi para São Paulo; Mundial de Surfe de 1988 a 1995; Mundial de Basquetebol Masculino, em 1954 e 1963; Mundial de Basquetebol Feminino, em 1957; Mundial de Voleibol Masculino em 1990; Mundial de Vôlei de Praia de 1988 a 1995, e, recentemente, um Campeonato Mundial de Natação nas areias de Copacabana, num estádio especialmente montado para tal.

Pois bem, não fosse o êxito dessas realizações e a sua completa normalidade - o que nem sempre ocorreu em eventos esportivos em outras capitais -, há um fator determinante e que é talvez o elemento central da argumentação brasileira para sediar as Olimpíadas de 2004: o fato de que, pela primeira vez, uma cidade permitirá a realização de uma olimpíada num raio de não mais de 21 quilômetros. Isso pode parecer irrelevante, porém não é. Nas Olimpíadas de Atlanta, nos Estados Unidos, por exemplo, os eventos serão em cidades diferentes, em locais distantes às vezes mais de mil quilômetros, o que traz enormes dificuldades para a cobertura de imprensa, para a cobertura mundial de emissoras de televisão e, ao mesmo tempo, para o deslocamento dos atletas e das pessoas que desejam assistir ao evento.

O Rio de Janeiro concentra, em suas várias áreas, em 21 quilômetros, esse perímetro dentro do qual as Olimpíadas deverão se realizar. A cidade está divida em seis áreas: Área 1, na Ilha do Fundão, onde está a cidade universitária, que deverá, após as Olimpíadas, ganhar uma infra-estrutura extraordinária com o esquema montado; a Área 3, na Glória, para competições de vela; a Área 2, no Maracanã, com o Maracanãzinho e todo um complexo desportivo para esportes coletivos.

Poderei, depois, se os Srs. Senadores se interessarem, já que meu tempo está-se esgotando, especificar cada esporte em cada uma dessas áreas. A área 4, na Lagoa Rodrigo de Freitas, com, evidentemente, as competições de remo e várias outras; a área 5, na Barra da Tijuca, com competições de tiro e várias outras; e as competições de hipismo, na área 6, na Vila Militar.

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - Interrompo V. Exª para prorrogar a Hora do Expediente por dez minutos, a fim de que V. Exª conclua o seu discurso, e para conceder a palavra ao Senador Pedro Simon, por cinco minutos, para uma comunicação inadiável.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Agradeço a V. Exª.

Vejam Srªs e Srs. Senadores que a infra-estrutura necessária para a realização de um evento olímpico está pronta no Rio de Janeiro. Ela mobilizará muito menos esforço do que o mobilizado nos demais países que não possuíam na sua malha urbana a rede de estádios necessária para a realização de eventos tão diversificados, 28 modalidades desportivas. Tirando apenas uma, ao que me parece, a canoagem, que será feita em Friburgo, perto de Muri, todas as demais serão realizadas num mesmo local, num perímetro que não ultrapassa 21 Km. É absolutamente notável a possibilidade, a oferta do Rio de Janeiro, no sentido de dotar essa olimpíada de recursos e condições para a plenitude. Isso sem falar na beleza natural, isso sem falar no que significará para o mundo um evento dessa ordem, assistido por dois bilhões de pessoas, de seres humanos, ser transmitido de uma Cidade com as características de beleza do Rio de Janeiro.

É evidente que para que se tenha uma idéia do vulto desse empreendimento, na preparação para as Olimpíadas, somente do ponto de vista de empregos diretos, as Olimpíadas do ano 2.004 permitirão cerca cem mil.

Para concluir, Sr. Presidente, Srs. Senadores, é esta uma proclamação para o investimento de dinheiro público nas Olimpíadas? Não se pense tal. Não entra um tostão de dinheiro público em Olimpíadas. Entra, sim, dinheiro do Comitê Olímpico Internacional e entram as parcerias com os patrocinadores, aliás, não poucos, porque o esporte é, dentre todas as atividades contemporâneas, aquela que maior retorno dá aos investimentos privados que a ele se associam. Não se está, portanto, a pleitear para o Brasil via Rio de Janeiro a realização das Olimpíadas senão no sentido de dar do Brasil para o mundo um exemplo formidável de organização, de possibilidade, de empreendimento e de projeção do nome do nosso País.

Agradeço a tolerância da Mesa e a dos Srs. Senadores.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/06/1996 - Página 10692