Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM POSTUMA AO EX-MINISTRO RENATO ARCHER.

Autor
José Sarney (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: José Sarney
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM POSTUMA AO EX-MINISTRO RENATO ARCHER.
Publicação
Publicação no DSF de 22/06/1996 - Página 10612
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, RENATO ARCHER, ESTADO DO MARANHÃO (MA), EX-DEPUTADO, EX MINISTRO, MINISTERIO DA PREVIDENCIA SOCIAL (MPS), MINISTERIO DA CIENCIA E TECNOLOGIA (MCT).

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB-AP. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, encontrava-me ausente na tarde de ontem do plenário do Senado Federal, quando esta Casa aprovou um requerimento subscrito por mim para inserir, na Ata dos nossos trabalhos, um voto de profundo pesar pelo falecimento do ex-Ministro Renato Archer.

Hoje estou aqui para cumprir uma obrigação de consciência, dar uma palavra de tristeza e de saudade pelo desaparecimento de Renato Archer. Sendo ele de uma geração um pouco mais à frente da minha, as nossas vidas cruzaram-se muitas vezes; em muitas divergências no Maranhão, onde nascemos, e em muitas convergências de pensamento a respeito dos problemas do País. Tivemos mesmo a oportunidade de trabalharmos juntos em momento difícil da história da nossa Pátria.

Jamais a luta política impediu-nos de manter uma relação de afeto e mesmo de amizade. Porque a personalidade de Renato Archer era marcada sobretudo por uma qualidade que o Marquês de Abrantes julgava essencial aos homens públicos, a isenção, a tranqüilidade do que ele chamava as excelências parlamentares, a necessidade de os políticos preservarem a educação, o gosto pela convivência, sempre num terreno neutro, onde pudessem se encontrar para discutir os problemas comuns.

Renato Archer era filho de uma das mais tradicionais famílias políticas do Maranhão, a família Archer da Silva, e colocou toda a sua inteligência e todo o seu espírito público a serviço do nosso Estado, que tanto amava e tão bem representou.

Conheci-o de perto; era um homem que se aprofundava no estudo dos problemas. Essa qualidade testemunhei quando, Presidente da República, o tive como Ministro de Estado.

Quando fui eleito Vice-Presidente na chapa de Tancredo Neves, na composição do Governo, Tancredo escolheu Renato Archer para Ministro da Ciência e Tecnologia, em um Ministério que então era criado. Chamou-me à sua casa e consultou-me sobre essa escolha, sob a alegação de que não poderia escolher um homem do Estado do Maranhão para Ministro do seu Governo sem que consultasse o Vice-Presidente da República.

Respondi-lhe de duas maneiras: Presidente Tancredo Neves, em primeiro lugar, a qualquer nome do Maranhão que figurasse numa lista para ser ministro, não teria senão aplausos a colocar. Em segundo lugar, só tenho a aplaudir a escolha do Deputado Renato Archer para Ministro da Ciência e Tecnologia, pelo seu talento, pelas suas virtudes e pelo que ele representa na história política do meu Estado e na história política brasileira.

Com a morte de Tancredo, Renato Archer foi meu Ministro da Ciência e Tecnologia. Teve a função de implantar o Ministério, numa área tão necessária ao Brasil do futuro. Acreditávamos, e muitas vezes tive a oportunidade de dizer-lhe, que o mundo do futuro não seria divido entre países ricos e países pobres, mas entre países que dominavam tecnologias e os que não as dominavam.

Durante o seu período à frente do Ministério da Ciência e Tecnologia, pudemos ter algumas metas marcantes alcançadas. As bolsas de estudo concedidas para tecnologias de ponta foram em maior número do que todas as bolsas concedidas desde a fundação do CNPq até o fim do meu Governo. Foram mais de 100 mil bolsas de estudo para treinar cientistas, para colocar inteligências brasileiras no exterior, de modo que nos centros de excelência eles se capacitassem para que, dentro do País, tivessem oportunidade de gerenciar o Brasil, dominando também o terreno da ciência e da técnica.

Durante a sua gestão no Ministério de Ciência e Tecnologia também vimos o cuidado excepcional que teve, ajudando-me a obter muito bons resultados no setor dos avanços da informática, dos semicondutores, síncroton, acelerador de partículas, laboratório de testes de satélites, fibra ótica, descoberta de novos materiais, no domínio do enriquecimento do urânio, enfim, em algumas tecnologias importantes que o País não dominava e nas quais passamos a ter uma presença marcante depois da criação do Ministério da Ciência e Tecnologia, tendo à frente o Ministro Renato Archer.

De tal modo o Ministro Renato Archer se dedicava aos seus problemas, se aprofundava no estudo de cada uma de suas matérias, que eu, que o conhecia tanto, pouco a pouco fui desenvolvendo uma admiração bem maior por essa sua qualidade de manter, ao mesmo tempo em que conservava a sua linha de administrador, o pensamento sobre onde essas linhas da administração pública se entrelaçavam com relação ao futuro do País.

Quando vagou o Ministério da Previdência e Assistência Social, logo depois da Constituição de 88 - e tínhamos que reformulá-lo, com a nova visão da seguridade social -, por essa convivência, pela admiração que passei a ter pelo Ministro na sua ação dentro do Governo, convidei-o a ocupar aquela Pasta. Lá também realizou um trabalho excepcional, que o País hoje reconhece, importante como o da montagem do Ministério da Ciência e Tecnologia.

Renato Archer também tinha uma personalidade marcada pelo gosto da amizade. Nesse sentido, construiu algumas amizades definitivas, não só no terreno da política como no terreno cultural.

Em 1961, há tantos anos, estava eu em Nova Iorque, nas Nações Unidas, com Gilberto Amado, também meu amigo e por quem eu tinha grande admiração, o qual teve oportunidade de falar-me do carinho recíproco que havia entre ele e Renato Archer, de quem era grande amigo.

Santiago Dantas, aquele homem inteligente, Parlamentar extraordinário, Jurista cuja presença foi marcante na história do pensamento brasileiro, também nutria grande admiração por Renato Archer, e entre eles havia grandes laços de amizade.

Da mesma maneira Renato Archer ligou-se a Juscelino Kubitscheck. Eu estava ainda no Parlamento, na Câmara, no Palácio Tiradentes, no Rio de Janeiro, quando começou a campanha para a eleição de Juscelino. Eu era adversário. Renato Archer era do PSD; eu, da UDN. Ele fazia parte da Ala Moça do PSD, que lutou pela candidatura de Juscelino Kubitscheck, e tornou-se seu amigo íntimo e confidente, amizade essa que, posteriormente, aprofundou-se ainda mais. Depois que Juscelino saiu do Governo e, em 1964, após ter perdido os seus direitos políticos, Renato Archer juntou-se a ele; com um idealismo muito grande, tentou reunir as forças mais divergentes do País em torno de uma Frente Ampla que pudesse ajudar o Brasil a sair daqueles dias que estávamos começando a viver, de um regime revolucionário.

Justamente Renato Archer, com a sua capacidade de articulação e de relacionamento humano, o seu gosto pelo consenso, fez o que se julgava inteiramente impossível naqueles tempos: reuniu Carlos Lacerda, João Goulart e Juscelino Kubitschek, colocando-os lado a lado.

Lembro ainda Carlos Lacerda, o qual, após ter sido grande adversário de Renato Archer durante tantos anos, pouco antes de morrer afirmou a mim, e a Roberto de Abreu Sodré, que passou a ter por Renato Archer uma grande admiração, um grande respeito e uma grande amizade.

Esse homem, portanto, tinha capacidade de articulação política, sensibilidade de ver os problemas maiores, tentando reunir os homens e romper barreiras pessoais.

Quero, nesta manhã e nestas palavras, render à sua memória o tributo do meu respeito, da minha admiração e dizer do meu sentimento de pesar e da lacuna que representa a sua morte para o Estado do Maranhão, onde ele foi uma das referências políticas e uma das maiores expressões, ao longo de toda a vida do nosso Estado.

Eu não terminaria esta breve alocução sem registrar um fato que, para mim, foi da maior importância, sobretudo porque mostrou a personalidade do ex-Ministro Renato Archer. Fomos adversários na política do Maranhão a vida inteira. Como eu disse, muitas divergências tivemos, sempre lutando em campos opostos. Ele foi candidato a Governador junto comigo, quando venci as eleições de 1965.

Pois bem, na última eleição do Maranhão, sem qualquer articulação ou coordenação - e isso em política é difícil -, eis que sou surpreendido, como todos nós, pelo apoio ostensivo do Ministro Renato Archer à candidatura da Roseana Sarney, minha filha, para o Governo do Estado do Maranhão. Era, certamente, um gesto de extrema generosidade, que ele justificou mostrando a sua grande linha de elegância política: ele a apoiava, não por quaisquer motivos políticos, mas porque seu amor ao Maranhão era tão grande que ele se sentia no dever de apoiar a candidatura que julgava melhor para o seu Estado.

Esse gesto marcou definitivamente todas as admirações que tinha por ele: a generosidade do seu espírito público, capaz de tamanha grandeza, mostrando que os homens públicos jamais podem ficar limitados ao horizonte de suas paixões ou visões pessoais quando há um interesse maior a ser resguardado.

É esse o exemplo de toda a vida de Renato Archer, a qual deve ser lembrada no Senado Federal. Foi um homem capaz de unir pessoas divergentes quando o Brasil necessitava que elas fossem unidas. E, no seu Estado, sabia que, a par das lutas políticas, havia um interesse maior - o seu amor e a sua dedicação ao Maranhão.

Portanto, em nome do Maranhão, quero dizer do nosso sentimento de perda, associar-me às tristezas da sua família e integrar-me à sua dor, neste momento em que sente a grande lacuna que deixa o Ministro Renato Archer. O Brasil perdeu um grande político, que marcou com a sua vida uma época importante da história brasileira.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/06/1996 - Página 10612