Discurso no Senado Federal

INSEGURANÇA RURAL COM AS PROMESSAS DE INVASÃO DE TERRAS NO MUNICIPIO DE JOÃO LISBOA, NO MARANHÃO.

Autor
Edison Lobão (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
Nome completo: Edison Lobão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • INSEGURANÇA RURAL COM AS PROMESSAS DE INVASÃO DE TERRAS NO MUNICIPIO DE JOÃO LISBOA, NO MARANHÃO.
Aparteantes
Josaphat Marinho, Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 22/06/1996 - Página 10617
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, DENUNCIA, INVASÃO, PROPRIEDADE RURAL, MUNICIPIO, IMPERATRIZ, ESTADO DO MARANHÃO (MA).
  • TENSÃO SOCIAL, MUNICIPIO, JOÃO LISBOA (MA), ESTADO DO MARANHÃO (MA), VIOLENCIA, TRABALHADOR, SEM-TERRA, DANOS, PATRIMONIO PUBLICO, BENS PUBLICOS, INVASÃO, PROPRIEDADE RURAL.
  • NECESSIDADE, IMPLEMENTAÇÃO, POLITICA, REFORMA AGRARIA, EXPLORAÇÃO, TERRAS, CRIAÇÃO, INFRAESTRUTURA, ZONA RURAL.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL-MA. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, lastimo admitir - e o faço com grande preocupação e abatimento - que estamos caminhando com velocidade, cada vez maior, no sentido de conflitos de grandes proporções no campo.

A todo instante surgem fatos novos e a todo momento denúncias nos chegam de novos episódios ocorridos em diversos Estados da Federação brasileira.

Sr. Presidente, há 60 dias, recebi uma denúncia, com um documento que fora obtido numa agência do INCRA, em Imperatriz, segundo o qual 20 fazendas, ali listadas, estavam eleitas para serem invadidas no passo seguinte.

Preocupado com aquele documento e com aquela denúncia, procurei as autoridades do INCRA em Brasília e no Maranhão, bem como o Vice-Governador do Estado do Maranhão, em exercício, e pedi a todos que tomassem providências a respeito.

Houve informações conflitantes, negativas, de que nada ocorreria e assim por diante.

Pois bem, de duas semanas para cá, aquelas fazendas que haviam sido listadas, ali, começaram a ser rigorosamente invadidas, a maioria delas produtivas.

Agora, Sr. Presidente, recebo, na manhã de hoje, pelo fax, uma carta do Prefeito de João Lisboa, cujo teor passo a ler para conhecimento do Senado:

      Comunico a gravidade da tensão social existente na zona rural do meu Município onde 80 (oitenta) homens armados de espingardas, revólveres e ferramentas agrícolas, do Movimento dos Sem-Terra, danificaram o patrimônio municipal quando cortaram de motosserra os esteios da ponte do Riacho do Centro do Zezinho e queimaram a ponte de madeira do Centro do Toinho, ambas na estrada municipal que liga o Distrito de Mucuíba ao povoado Centro do Toinho. Neste Município interditaram a estrada e proibiram a restauração das pontes - chega-se a esse ponto. Proibiram a restauração das pontes ou sequer a execução de desvio para que o tráfego fluísse normal.

      Além do dano causado ao patrimônio municipal, os membros do Movimento dos Sem-Terra, desde o dia 18 deste mês, ameaçam proprietários de terras, invadiram a propriedade titulada, registrada e produtiva, com laudo do Incra, da Srª Rosalina Gonçalves da Costa, expulsaram o gerente de sua residência na sede da fazenda, saquearam a dispensa e mataram porcos. Ameaçam novas invasões das fazendas dos cidadãos Osvaldo Rosa, Gilmar Cavalcante, Ambrozino Fideles e Miguel Rezende.

      O Município não tem meios de prover a segurança dos bens públicos de uso comum, localizados em locais distantes do distrito-sede, e a maioria ordeira e produtiva da população da área conturbada precisa das pontes para o escoamento da produção, obtida com tanto sofrimento na labuta da lavoura.

      A intranqüilidade e insegurança reinante na zona rural de um município de economia agrícola exige uma ação dos Governos Estadual e Federal, objetivando pacificar o local.

Sr. Presidente, ainda há pouco, falei com o Coronel Diógenes, Comandante da Guarnição do Exército na região desse conflito, na região de Imperatriz. Disse-me ele que, por instruções do Governo Federal, havia tomado providência, ou seja, feito uma averiguação no local, e que essas denúncias se confirmavam e até se ampliavam. O movimento estava se ampliando, os trabalhadores sem terra estavam se armando cada vez mais e compraram grande quantidade de munição no povoado denominado Mucuíba, e essa era a situação de conflito no Município de João Lisboa, naquela região.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ainda ontem, ouvimos aqui palavras do Senador Geraldo Melo, que nos dava conta, depois de conversas que S. Exª havia tido com pessoas autorizadas, de um movimento armado em marcha, de grandes proporções, para agitar o campo neste País.

O desastre do Pará comoveu a Nação inteira, mas o desastre do Maranhão, em Buriticupu, não. No do Pará morreram trabalhadores sem terra no conflito com a Polícia, o que todos nós lastimamos. No do Maranhão, morreram os trabalhadores empregados de uma fazenda, cujos corpos foram incendiados; todavia, nenhuma comoção no País. Não sei aonde vai parar isso!

Ainda hoje eu ouvia palavras do Ministro Raul Jungmann, da Reforma Agrária, em relação ao qual tenho a melhor impressão, em que S. Exª declarava que não vai desapropriar nenhuma terra invadida, que esses movimentos são condenáveis e que o Governo federal precisa tomar uma providência para contê-los.

Sr. Presidente, se as palavras do Senador Geraldo Melo se configurarem, dentro de muito pouco tempo, pelo que estamos assistindo hoje, teremos realmente esse choque armado no campo. E aonde esse choque vai-nos levar? Para que destino estamos caminhando?

O Governo federal está interessado em fazer a reforma agrária - e está a fazê-la, está a realizá-la; e me lembro que V. Exª, quando esteve na Presidência da República, desapropriou milhões e milhões de hectares de terra, muitos dos quais ainda não foram distribuídos; este Governo e o passado também o fizeram; os três Governos somados - Sarney, Itamar e Fernando Henrique - já desapropriaram mais de 14 milhões de hectares de terra para distribuição com os trabalhadores sem terra.

No entanto, isso parece que não resolve o problema. Fico até com a sensação de que se cuida não exatamente de receber ou distribuir a terra, e sim de promover uma agitação no campo. Quero, com isso, dizer que, havendo terra para distribuir ou não havendo terra para distribuir, a sensação que tenho é a mesma: a da agitação no campo.

O Sr. Josaphat Marinho - V. Exª me permite um aparte?

O SR. EDISON LOBÃO - Ouvirei V. Exª em um minuto, com todo prazer.

Senador Josaphat Marinho, no episódio do Maranhão, tive a oportunidade de ouvir uma declaração do Ministro Raul Jungmann, em que S. Exª dizia que, naquela região de Buriticupu, havia mais terras para distribuir aos trabalhadores rurais do que o número de interessados em recebê-las.

Por que, então, a invasão naquela fazenda que resultou na morte de quatro trabalhadores? Há, portanto, o objetivo determinado da agitação no campo.

Ouço com muito prazer V. Exª, nobre Senador Josaphat Marinho.

O Sr. Josaphat Marinho - Concordo com a afirmação de V. Exª de que haja, em alguns setores, esse propósito de perturbação. Mas V. Exª vem tratando do assunto do ponto de vista geral, e temos de reconhecer que ainda não se desdobrou, efetivamente, uma política de reforma agrária. Não basta desapropriação. É preciso criar as condições para a utilização da terra. Não basta assentamento. É preciso um conjunto de providências, com recursos suficientes, para que essa localização se torne uma forma de produção, de maneira que aqueles que antes não tinham terra possam tê-la em condições de explorá-la e assim se criarem as condições de vida tranqüila no campo. É a observação. Não nego que diferentes Governos tenham tomado providências, mas não tem havido a continuidade do trabalho e o desdobramento das providências para que os assentamentos se convertam, efetivamente, numa política agrária no País, essencial para gerar a tranqüilidade no campo.

O SR. EDISON LOBÃO - Tem V. Exª total razão. Esse tema, aliás, foi o fulcro do meu discurso há cinco dias, quando tratei da questão de Buriticupu. Eu dizia isto que V. Exª agora observa: de fato, a terra é o menor item do processo de reforma agrária. Ela ingressa nesse processo com 10% do custo total da reforma. Além da terra, é preciso construir as estradas de penetração, as estradas vicinais, construir pequenos hospitais, postos de saúde, escolas, implantar a energia rural e promover assistência técnica.

Quando estive no Governo, além de tudo isso, distribuímos ferramentas aos trabalhadores rurais e também as sementes selecionadas, esse conjunto a que V. Exª se refere e tem toda razão.

O Governo Federal não tem feito, nessa dimensão, a reforma agrária. Tem procurado fazer o que pode. Mas curiosamente, Senador Josaphat Marinho, apesar de ambos termos razão, os trabalhadores até que não reclamam essa parte complementar. O de que se fala é apenas a terra, terra, terra e mais terra.

Quando vejo o grande empresário Olacyr de Moraes propor ao Governo entregar a sua fazenda - a maior fazenda de plantação de soja do mundo, totalmente cultivada dentro da melhor técnica possível - por títulos da reforma agrária, ainda que com parte do pagamento em dinheiro, chego à conclusão de que ele está fazendo aquilo que devem fazer quase todos os empresários que trabalham hoje no campo. Ou seja, em pânico com a idéia de que a sua fazenda venha amanhã ser invadida e ser desapropriada em desordem, ele prefere se antecipar e propõe ao Governo a troca da sua fazenda por títulos da dívida agrária.

Mas será que é para isso que caminhamos? Se isso acontecer, vamos desorganizar completamente o setor agrícola deste País. Nós, que hoje produzimos perto de 80 milhões de toneladas de grãos e que poderíamos estar produzindo mais de 100 milhões de toneladas de grãos, podemos, de repente, pela desorganização que se avizinha, se tudo isso acontecer, nos deparar com uma inversão nessa caminhada e reduzir a nossa produção agrícola.

O Sr. Lauro Campos - V. Exª me permite um aparte?

O SR. EDISON LOBÃO - Ouço V. Exª, com prazer.

O Sr. Lauro Campos - Nobre Senador Edison Lobão, parece-me que o ponto de vista de V. Exª tem um pequeno defeito, que é o de colocar na sombra um dos lados, esquecer um dos lados. Se os dados provenientes da CNBB são corretos, mais de 1.000 trabalhadores, posseiros foram assassinados em um período relativamente recente e nenhum culpado foi preso. Nem sequer o famigerado assassino de Chico Mendes, cuja morte teve uma repercussão mundial, foi alcançado pela nossa chamada "Justiça". Diante de uma dissipação de recursos, diante de uma falta de horizontes, diante do desvio de verbas que se destinam a bancos e não à reforma agrária, diante desse descaso, é obvio que, infelizmente, nossos trabalhadores têm que recorrer as suas formas de afirmação de suas vidas e de seus direitos. Parece-me que têm em suas mãos, como armas, os instrumentos de trabalho. Vi na televisão dois revólveres. Todas as outras armas eram as mesmas usadas pelo povo francês ao iniciar a Revolução Francesa: seus instrumentos de trabalho. De modo, então, que é uma luta muito desigual. Quero apenas lembrar também que o grande empresário Olacyr de Moraes ofereceu apenas 200 mil hectares para a reforma agrária, para a desapropriação. Os 200 mil outros hectares que ele possui - ele possui quatrocentos mil hectares -, esses não foram oferecidos. Realmente penso que seria até despicienda essa quantidade de terra, porque possuímos - como V. Exª salientou - terras suficientes para fazer pelo menos um bom início da reforma agrária no Brasil. Falta, no entanto, vontade política, e essa vontade é que deve ser espicaçada e não um movimento que não tem ainda condições de se constituir: um movimento revolucionário no campo. É perigoso, sim, que voltemos àquela situação do início dos anos 60, quando as ligas camponesas e outros movimentos vieram dar ensejo, fornecer argumentos para que o golpe de 1964 fosse desfechado. Muito obrigado.

O SR. EDISON LOBÃO - Senador Lauro Campos, não posso deixar de admitir que V. Exª também tem razão, quando diz que trabalhadores rurais têm sido assassinados em todo o território nacional e, na maioria dos casos, impunemente. É verdade! O que também é profundamente lastimável. As autoridades precisam tomar providências para que tais casos, pelo menos, não se repitam, porque os que ocorreram ocorreram, infelizmente.

Entretanto, que o movimento se amplia no Brasil, isso está a olhos vistos. Quando V. Exª se refere às ligas camponesas, eu delas também me lembro, mas para dizer a V. Exª que elas não tinham sequer 10% da dimensão do que está acontecendo hoje e, todavia, geraram aquilo a que V. Exª se refere, a Revolução de 1964, o Movimento de 1964, ou o arbítrio ou a ditadura - como queiram se referir àquele movimento.

O fato é que precisamos, hoje, contribuir para evitar que aquilo que aconteceu em 1964 surja de novo agora na sociedade brasileira, em razão de um movimento mais amplo, mais organizado e mais penetrante.

Sr. Presidente, era este o registro que desejava fazer, lamentando que isso esteja acontecendo no meu Estado e em todo o Brasil. Com a situação dos trabalhadores rurais nós todos nos condoemos, mas não podemos admitir que se transforme uma situação que existe num movimento de agitação, armado, que pode desembarcar sabe Deus em que situação.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/06/1996 - Página 10617