Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DE MOBILIZAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL, GOVERNO E SOCIEDADE PARA A GARANTIA DE SOBERANIA NACIONAL NA REGIÃO AMAZONICA.

Autor
Casildo Maldaner (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/SC)
Nome completo: Casildo João Maldaner
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SOBERANIA NACIONAL.:
  • NECESSIDADE DE MOBILIZAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL, GOVERNO E SOCIEDADE PARA A GARANTIA DE SOBERANIA NACIONAL NA REGIÃO AMAZONICA.
Publicação
Publicação no DSF de 28/06/1996 - Página 10900
Assunto
Outros > SOBERANIA NACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, REFERENCIA, TRATAMENTO, IMPRENSA, AMBITO INTERNACIONAL, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, REGIÃO AMAZONICA, RESPONSABILIDADE, MUNDO, PREJUIZO, SOBERANIA NACIONAL, BRASIL.
  • PROTESTO, FALTA, DEFINIÇÃO, ACORDO INTERNACIONAL, BIODIVERSIDADE, REGIÃO AMAZONICA, ANALISE, INTERESSE, AMBITO INTERNACIONAL, AREA ESTRATEGICA, RISCOS, INTERVENÇÃO, EXERCITO ESTRANGEIRO, NECESSIDADE, BRASIL, OCUPAÇÃO, REGIÃO, DEBATE, IMPLANTAÇÃO, SISTEMA DE VIGILANCIA DA AMAZONIA (SIVAM).
  • NECESSIDADE, RECURSOS, PROJETO, DESENVOLVIMENTO, GARANTIA, FRONTEIRA, REGIÃO NORTE, REPUDIO, OCUPAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), IGREJA, AMBITO INTERNACIONAL.

           O SR. CASILDO MALDANER (PMDB-SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, recentemente, através da imprensa, tive a oportunidade de ler importante artigo do jornalista Carlos Chagas sobre os encontros e desencontros da Amazônia, vistos pela ótica de alguns personagens residentes no chamado Primeiro Mundo.

           Trata-se de um tema antigo, o qual, porém, nunca se torna caduco, quando o examinamos sob o prisma da cobiça e dos interesses internacionais.

           A Amazônia, ao mesmo tempo em que é lenda e exotismo, "folclore", aventura e sonho nos corações e mentes de pessoas pouco informadas nos países desenvolvidos, é também magia, misticismo e mistério, pelo seu tamanho, pela sua biodiversidade, pelas suas incalculáveis riquezas naturais e, sobretudo, pela sua posição geopolítica e estratégica em pleno continente americano. A Amazônia é, portanto, o maior espaço praticamente vazio e ainda virgem da América e, também, sem dúvida alguma, uma permanente preocupação e dor de cabeça para a maior potência econômica, militar e política do Planeta, os Estados Unidos, neste final de século.

           Em seu artigo, o jornalista Carlos Chagas chama a atenção do leitor para uma propaganda que se apresenta com cunho comercial, veiculada na programação de um dos canais a cabo, onde aparece uma mulher falando sobre a exuberância da Amazônia, em meio a imagens belíssimas da floresta, de sua fauna, de sua flora, dos seus rios e igarapés e de sua imensidão. Inesperadamente, relata o jornalista, as imagens belas são substituídas por outras. Agora, aparecem fotografias tiradas por satélite, chocantes, onde o telespectador se vê diante de enormes áreas devastadas por incêndios e queimadas, grandes extensões destruídas pela atividade garimpeira -- mostrada como predatória e irresponsável --, enormes espaços desmatados -- com restos de milhares de troncos de madeira nobre apodrecendo ao relento sobre a terra nua --, e a mesma mulher dizendo, com voz pausada e embargada, que o Brasil está destruindo a mais importante fronteira verde da terra e que, em nome da sobrevivência da floresta, ela deveria pertencer à humanidade, e não a um só país.

           Ora, Senhor Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em seu artigo, que tem como título "Recado aos Militares", o jornalista Carlos Chagas coloca a seguinte pergunta e nos deixa também em dúvida: "Será que a citada propaganda deve ser vista como um fato isolado, fruto do ardor e da angústia ecológica de alguma entidade privada ou de algum abnegado milionário?" O próprio jornalista diz: "De graça essas coisas não acontecem. Paranóias à parte, desenvolveu-se uma campanha subliminar para acostumar o cidadão comum do Hemisfério Norte à idéia de que será preciso mobilizar-se para preservar uma região tida como propriedade comum, mesmo contra seus atuais proprietários, ou seja, nós".

           Mais adiante, ele diz ainda: "Fica evidente uma investida psicossocial, reafirmada por recente decisão dos países ricos, de rever as promessas acertadas na Conferência Ecológica Mundial do Rio, em 1992, quando se comprometeram a enviar perto de 1 bilhão de dólares para ajudar o Brasil a preservar a Amazônia. Vieram 50 milhões de dólares".

           Não me parece cansativo repetir que a Amazônia, além de ser responsável por boa parte do ar puro disponível na terra, guarda reservas importantes de minérios, inclusive estratégicos, pedras preciosas, semi-preciosas, metais nobres, fauna e flora inigualáveis. Agora mesmo, a imprensa brasileira acaba de noticiar a descoberta de uma importante jazida de ouro no Pará, a dois quilômetros de Serra Pelada, no local denominado Serra Leste. As avaliações preliminares estimam as reservas em l50 toneladas do metal, podendo, no entanto, representar dez vezes mais. Segundo o Presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social -- BNDES, essa riqueza poderá elevar para 13 bilhões de dólares o valor patrimonial da Companhia Vale do Rio Doce, que se situa hoje em torno de 11 bilhões de dólares. Cabe aqui lembrar que, mesmo com esse enorme potencial, a Vale está na lista do Governo de empresas a serem privatizadas.

           Em relação à fauna e à flora, não podemos nos esquecer de que a Conferência sobre a Defesa do Meio Ambiente, realizada em 1992, no Rio de Janeiro, terminou praticamente em um impasse, com a recusa dos Estados Unidos em assinar os acordos sobre a biodiversidade. Até hoje, não houve uma definição oficial sobre o assunto, e o controle dos países amazônicos sobre as pesquisas científicas realizadas com sua flora e fauna continua sem um estatuto formal. Tampouco se pode esquecer que mais de 70% das três mil espécies de plantas medicinais, investigadas em laboratório para o tratamento do câncer, por exemplo, provêm das florestas tropicais. Evidentemente, os constantes adiamentos da decisão final dessa questão tão importante têm causado grandes prejuízos aos países que compõem a bacia amazônica, bem como prejudicado o exercício de suas soberanias sobre esses imensos recursos naturais.

           A cobiça internacional sobre a Amazônia tem data de início, já fez história e é secular. Muita gente não sabe, mas a Amazônia sempre foi o grande calcanhar-de-aquiles e o mais grave problema geopolítico do Brasil. O começo de tudo foi no século XVI, quando os espanhóis contestaram, juntamente com outros países coloniais da época, sua incorporação ao território brasileiro. Depois de muita batalha, finalmente, com o Tratado de Madrid, assinado em 1750, a Amazônia passou a fazer efetivamente parte do Brasil. Todavia, isso não foi conquistado tão pacificamente assim. Houve derramamento de sangue e confrontos decisivos, que levaram à expulsão de holandeses, ingleses, franceses e irlandeses, que tentaram ocupar a região.

           Outro fato importante ocorreu na década de 60 do século passado. Num episódio pouco conhecido pelos brasileiros, os Estados Unidos tentaram trazer populações negras do seu país para instalar na região, com o pretexto de amenizar as pressões que esquentavam o pavio curto da Guerra de Secessão. Os americanos chegaram mesmo a propor a criação da República Amazônica, mas receberam o sinal vermelho do Imperador D. Pedro II, que se recusou veementemente a discutir a questão.

           No início do nosso século, foi o caso da Bolivian Syndicate, que tentou ocupar a região limitada com o Acre e a Bolívia. Houve mortes, conflitos e guerra contra os bolivianos, promovida por seringueiros, liderados por Plácido de Castro.

           A cobiça internacional sobre a Amazônia continuou a se manifestar, dessa vez com o projeto de criação do Instituto Internacional da Hiléia Amazônica, que o Congresso Nacional, sob a liderança de Arthur Bernardes, rejeitou.

           Mais recentemente, nos anos 60, sob a liderança do pretenso cientista, futurólogo americano Herman Kahn, já falecido, surgia um estranho projeto de construção de um imenso lago amazônico, com o objetivo de geração de milhares de megawatts de energia, que inundaria para sempre imensas áreas. Além disso, o projeto não definia muito bem o destino da energia que seria gerada quando do funcionamento da usina. A concretização dessa idéia maluca teria provocado um desastre ecológico irreversível e monumental.

           Outros projetos surgiram após a idéia do grande lago amazônico, como o de propriedade do magnata Henry Ford, a Fordlândia, em Santarém, e o famoso projeto Jari, iniciado pelo milionário Daniel Keith Ludwig, também já falecido, situado no Pará. É importante salientar que os dois projetos sofreram pesados bombardeios por parte de inúmeras organizações brasileiras preocupadas com o futuro da Amazônia. Em relação a projetos privados para a região, financiados por magnatas americanos, suspeitava-se que esses empreendimentos inseriam-se no espírito da política do chamado big stick, política do "porrete", idealizada pelo presidente americano Theodore Roosevelt, na primeira década deste século XX, para definir o que deveria ser o relacionamento dos Estados Unidos com os outros povos americanos.

           Até o falecido ex-Presidente socialista François Mitterrand, da França, apresentou em reunião do G7 na Holanda, há cerca de quatro anos, proposta no sentido da definição em nível mundial das chamadas "zonas de interesse da humanidade", inspiradas na questão indígena brasileira. Aliás, nesse momento, em Bruxelas, o Parlamento Europeu e algumas organizações não governamentais internacionais fazem pesadas críticas ao nosso País, condenando justamente a nova política indigenista brasileira definida pelo Decreto nº 1.775/96.

           É sabido, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que os militares estão muito temerosos quanto ao futuro da Amazônia e quanto à soberania brasileira na região. Na verdade, o momento é realmente um dos mais preocupantes de toda a nossa história, e o Congresso Nacional não pode distanciar-se dele.

           As Forças Armadas estão admitindo a possibilidade de intervenção do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que invocaria a noção de "soberania relativa" em áreas de "interesse da humanidade", conforme proposta defendida pelo ex-Presidente François Mitterrand. Por outro lado, os conselheiros da Escola Superior de Guerra e outros especialistas em assuntos estratégicos e militares sabem que a Amazônia é o cenário mais provável de um conflito bélico, e propõem que o Brasil se prepare militarmente para rechaçar qualquer ação que vise à ocupação da Amazônia por tropas estrangeiras.

           É importante ressaltar a presença constante de soldados americanos nos países que fazem fronteira com a Amazônia brasileira. Em 1993, por exemplo, tropas de elite dos Estados Unidos realizaram manobras militares de grande porte com as Forças Armadas Surinamesas, com o pretexto de adestrá-las nas técnicas de guerra na selva e fazer reconhecimento das fronteiras do Suriname com o Estado de Roraima. Segundo o embaixador americano Melvyn Levitsky, que costuma interferir de maneira pouco hábil em assuntos internos brasileiros, a presença de militares daquele país na selva amazônica se dá unicamente por uma questão de cortesia, em virtude de pedidos dos próprios países.

           Não devemos, de maneira alguma, considerar a possibilidade de intervenção militar estrangeira como uma idéia absurda. Muito pelo contrário, devemos considerá-la como uma possibilidade concreta. Acreditar, como diz o embaixador dos Estados Unidos em nosso País, que são fantasiosas as opiniões emitidas pelos brasileiros a respeito do interesse americano na Amazônia, seria o mesmo que admitir que a empresa Raytheon, escolhida para fornecer os equipamentos do Projeto SIVAM, abriria mão do faturamento de 1,11 bilhão de dólares, no maior contrato de sua história.

           Uma política mais firme de ocupação da Amazônia precisa ser implantada imediatamente. Não podemos perder mais tempo com improvisações e erros. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -- IBGE, todas as políticas e planos de ocupação e colonização da Amazônia, realizados ao longo do tempo, apresentam hoje resultados muito modestos. A bem da verdade, a região continua abandonada. É preciso, portanto, ativar o projeto do Sistema de Proteção da Amazônia -- SIPAM, discutir realmente a fundo o projeto que visa a implantar o Sistema de Vigilância da Amazônia -- SIVAM, e examinar com atenção o estudo desenvolvido pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência -- SBPC e o seu projeto alternativo para a vigilância da Amazônia.

           Se na proposta da SBPC os custos seriam da ordem de US$934 milhões contra US$1,43 bilhão da proposta inicial e se as empresas brasileiras têm realmente capacidade técnica para desenvolver a maior parte do projeto, sem sombra de dúvida, todos os brasileiros ganhariam muito com isso. Pelo menos, ficaríamos um bom tempo livres dos grampos telefônicos, das tentativas de criação de comissões de inquérito, de depoimentos, de gafes diplomáticas estrangeiras, enfim, de bate-boca.

           Relembrando o polêmico acordo nuclear do Brasil com a Alemanha, celebrado há mais de 20 anos e que mobilizou a sociedade participativa, a intelectualidade e a classe política em acalorados debates, em plena ditadura militar, constatamos o gasto de uma soma fabulosa de recursos para comprar uma tecnologia duvidosa, cujo resultado é, hoje, incontestavelmente ridículo. Naquela época, sem que existisse plena liberdade de expressão, os cientistas brasileiros e muitos patriotas tiveram a coragem de dizer aos militares que nós tínhamos capacidade técnica para desenvolver o projeto e atingir, a médio prazo, todos os objetivos que pretendíamos no campo da energia nuclear.

           Para garantir a Amazônia, precisamos igualmente reativar o projeto Calha Norte, que infelizmente anda a passo de cágado. Nos últimos dez anos, os recursos destinados a ele foram insuficientes. Segundo dados da imprensa nacional, o Calha Norte recebeu no ano passado apenas 10% dos recursos que consumiu no seu auge, em 1989, quando foram investidos US$47 milhões. Em relação a 1995, a previsão era de US$8 milhões, mas foram aplicados apenas US$5 milhões. Agora, em 1996, estão previstos US$8 milhões no orçamento, segundo dados fornecidos pelo jornal Folha de S. Paulo. Vale lembrar ainda que, futuramente, a integração entre Calha Norte, SIPAM e o Sistema de Vigilância que vier a ser implantado será de fundamental importância para o futuro da Amazônia e para a soberania brasileira sobre o território.

           Por outro lado, face a todas essas preocupações, não podemos mais aceitar que a presença deficiente do Governo Federal na região e as dificuldades dos Governos Estaduais em empreender ações concretas sejam compensadas pelo trabalho suspeito de representantes de igrejas estrangeiras, que atuam sob o manto de missionários e de organizações não-governamentais internacionais, praticando uma política de ocupação sob a duvidosa alegação da defesa do meio ambiente e dos direitos indígenas.

           Antes de terminar este discurso, gostaria de citar um parágrafo final do artigo do jornalista Carlos Chagas, "Recado aos Militares": "Estaria o Presidente Clinton seguindo os passos do Presidente Bush, que, para preparar a campanha da reeleição, mandou invadir o Golfo? Não deu certo para o antecessor, derrotado, mas as eleições vêm aí, no próximo ano. Quem sabe desta vez?"

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, confesso que os últimos debates e as notícias mais recentes sobre a Região Amazônica têm-me deixado de cabelo em pé. A sociedade brasileira precisa ser informada de tudo o que está se passando, e o Congresso Nacional tem uma enorme responsabilidade na defesa da integridade do Brasil.

           O nosso País precisa assumir definitivamente o seu verdadeiro papel nessa parte da América. A soberania sobre a Amazônia representa, para toda a Nação brasileira, o grande sonho de realizar nos trópicos o primeiro exemplo de uma sociedade multiracial, unida, desenvolvida e justa. Será esse o grande legado e o grande exemplo que deixaremos para toda a humanidade.

           Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/06/1996 - Página 10900