Discurso no Senado Federal

ACORDO PARA SUSPENSÃO DO EMBARGO DECRETADO PELA ONU AO GOVERNO DO IRAQUE, E O CONSEQUENTE REATAMENTO DOS LAÇOS COMERCIAIS DAQUELE PAIS COM O BRASIL.

Autor
Gilberto Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AM)
Nome completo: Gilberto Miranda Batista
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA EXTERNA.:
  • ACORDO PARA SUSPENSÃO DO EMBARGO DECRETADO PELA ONU AO GOVERNO DO IRAQUE, E O CONSEQUENTE REATAMENTO DOS LAÇOS COMERCIAIS DAQUELE PAIS COM O BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 28/06/1996 - Página 11000
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • INFORMAÇÃO, ASSINATURA, ACORDO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), PAIS ESTRANGEIRO, IRAQUE, SUSPENSÃO, IMPEDIMENTO, COMERCIO, AMBITO INTERNACIONAL.
  • POSSIBILIDADE, CONTINUAÇÃO, COMERCIO EXTERIOR, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, IRAQUE, REABERTURA, EMBAIXADA.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, ECONOMIA, PAIS ESTRANGEIRO, IRAQUE, INFLAÇÃO, REDUÇÃO, QUALIDADE DE VIDA.

O SR. GILBERTO MIRANDA (PMDB-AM) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o governo iraquiano e a Organização das Nações Unidas -- ONU -- acabam de assinar acordo que suspende o embargo comercial imposto àquele país pela invasão do Kuwait, no dia 2 de agosto de 1990. Trata-se, a rigor, de um memorando de entendimento -- espécie de acordo provisório, cujos termos deverão ser ratificados brevemente.

O acordo permitirá ao Iraque comercializar sua produção de petróleo, em bases previamente delimitadas, com o objetivo de comprar alimentos e remédios para a população, além de equipamentos para reparar suas instalações petrolíferas.

Resultado de prolongadas conversações, o pacto, amparado na Resolução nº 986, do Conselho de Segurança da ONU, e assinado no dia 21 do mês passado, de um lado, respeita a soberania do Iraque; de outro, define as condições da suspensão do embargo, limitando em seis meses o prazo para comercialização do petróleo, e fixando em 700 mil barris diários a cota de exportação.

Mais do que isso, o ajuste prevê a destinação de percentuais dos recursos obtidos ao fundo de reparações da Guerra do Golfo e à distribuição de remédios e alimentos para a população, sob a supervisão direta de funcionários da ONU, aos quais se concederá imunidade diplomática.

Tal entendimento, sobre interessar a toda a humanidade, como augúrio de um futuro mais amistoso, para as nações do Oriente Médio, enseja ao Brasil uma oportunidade ímpar de reabrir nossa embaixada em Bagdá e reatar com o Iraque os laços comerciais, bruscamente interrompidos desde a Guerra do Golfo. Cabe lembrar que Brasil e Iraque mantinham relações de comércio razoavelmente sólidas, e que as potencialidades de um e de outro tornavam esse intercâmbio ainda mais promissor, como se podia perceber pelo crescimento constante dos negócios bilaterais.

Os negócios brasileiros com o governo iraquiano, que se caracterizavam pela irregularidade, tomaram forte impulso com a visita do vice-presidente daquele país, Taha Muredin Ma'aruf, que esteve no Brasil em 1979. A partir de então, foi possível definir uma pauta diversificada de produtos a serem exportados para o Iraque, de forma a compensar um déficit brasileiro que se situava na casa de 1 bilhão de dólares anuais.

Na década passada, o volume do intercâmbio (importação + exportação brasileiras), preços FOB em dólar, evoluiu da seguinte maneira:

- 1980: 4 bilhões e 69 milhões

- 1981: 2 bilhões e 200 milhões

- 1982: 2 bilhões e 850 milhões

- 1983: 2 bilhões e 486 milhões

- 1984: 2 bilhões e 368 milhões

- 1985: 2 bilhões e 435 milhões

- 1986: 1 bilhão e 332 milhões

- 1987: 1 bilhão e 740 milhões

- 1988: 1 bilhão e 457 milhões

- 1989: 1 bilhão, 817 milhões e 900 mil dólares.

Como consequência direta desse expressivo volume de comércio bilateral, fundou-se o Banco Brasileiro-Iraquiano. Basta olhar esses números para perceber que a economia brasileira perdeu bilhões e bilhões de dólares com a interrupção das relações diplomáticas e comerciais com o Iraque a partir de 1990.

A parceria, assim, foi assumindo contornos mais definidos: o Iraque só tinha a nos oferecer petróleo, mas concedia-nos a vantagem de considerar o Brasil um cliente preferencial. Em outros termos, cobrava à Petrobrás uma sobretaxa inferior àquela adotada por outros países exportadores do petróleo.

Já o Brasil via alargarem-se os horizontes da exportação. Além de alimentos, como frango congelado, açúcar e farelo de soja, e matérias-primas, como madeira e minério de ferro, o Iraque tinha interesse em produtos manufaturados, automóveis, aparelhos de ar condicionado, tratores, aviões civis e outros. Além disso, o Iraque manifestava especial interesse na área de prestação de serviços, o que abriu amplo espaço para empreiteiras brasileiras, com ênfase para aquelas da área de construção pesada.

Vale lembrar, Sr. Presidente, que até o final dos anos 70, o Iraque dividia com a Arábia Saudita a condição de maior fornecedor de petróleo ao Brasil, chegando a participar com 42 % de nossas importações de óleo cru. As compras brasileiras de petróleo iraquiano registraram um temporário declínio em razão da Guerra Irã-Iraque, mas voltaram a crescer ao fim daquele conflito, até atingir o percentual de 60% do total das importações brasileiras do produto.

Como disse há pouco, diversas empresas brasileiras participaram de projetos de desenvolvimento iraquianos. A Braspetro teve atuação destacada na área de exploração e produção de petróleo, e a construtora Mendes Júnior implementou uma série de projetos no setor de infra-estrutura e engenharia civil.

Essa parceria funcionava bem e revelava-se a cada ano mais promissora, até o advento da Guerra do Golfo, que resultou em sanção econômica imposta pela Organização das Nações Unidas. Os efeitos do embargo comercial são sobejamente conhecidos. O Iraque já tivera sua economia enfraquecida, anos antes, na guerra com o Irã. Com seus negócios restritos à vizinha Jordânia, o país viu-se carente de todo tipo de mercadorias e serviços, e impedido até mesmo de produzir e comercializar praticamente o único item de exportação -- o petróleo.

O jornalista João Batista Natali, enviado especial da Folha de S. Paulo a Bagdá, descreveu, em fins do ano passado, as agruras da população e as dificuldades econômicas do governo Saddam Hussein:

"Desde 1990, os salários subiram 200 vezes, e a comida, até 8 mil vezes. Não se sabe, em média, qual foi a inflação. O equivalente iraquiano do IBGE não publica índices há 15 anos, 'para não dar informações aos inimigos'.

Em 79, quando Saddam se tornou presidente, o país tinha reservas de 45 bilhões de dólares. O quadro já estava invertido em 88 - dívida externa de 74 milhões de dólares -- no final da guerra com o Irã.

Veio a Guerra do Golfo e veio o embargo comercial. Por causa dele, a única fonte externa de renda está nos 90 mil barris de petróleo (1 milhão e 300 mil dólares) exportados diariamente para a Jordânia. O Iraque pode exportar 44 vezes mais que isso".

Essa, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é uma breve descrição da situação em que se encontra a economia iraquiana, que desde a decretação do embargo passou a conviver com a inflação, com o desemprego, com a falência de empresas, conforme atesta o presidente da Federação das Indústrias do Iraque, Adnan al Kudsi.

Segundo Kudsi, 85% das 20 mil empresas iraquianas estão paralisadas, pois dependem de matéria-prima inexistente no país. Percebem-se facilmente as dificuldades enfrentadas pelos iraquianos em função do embargo, já que o país importava, na década anterior à sanção econômica, mais de um bilhão de dólares por ano somente em maquinaria e matérias-primas. "Nos anos 80 -- diz Kudsi --, quando os operários estavam no exército em guerra contra o Irã, chegamos a ter três e meio milhões de trabalhadores estrangeiros. Estávamos em 1990 com um milhão (600 mil só do Egito). Com o embargo, todos deixaram o Iraque, e, mesmo assim, o desemprego e o subemprego atingem milhões de assalariados".

A qualidade de vida dos iraquianos caiu assustadoramente, e as reportagens mais recentes mostram um povo carente até de alimentos e remédios. O racionamento e o contrabando passaram a fazer parte do cotidiano da população, e medicamentos essenciais têm sido adquiridos no mercado negro. Isso, porque, embora o boicote não inclua esse tipo de mercadorias, simplesmente não há dinheiro para importá-las.

A situação dos iraquianos foi descrita também, recentemente, pelo Jornal do Brasil: "Apesar de produtor de grãos, o Iraque não tem como sustentar sua população de 20 milhões e 600 mil habitantes (70% urbana). Apesar de a ONU autorizar a compra de remédios e alimentos no exterior, falta dinheiro para as importações. Antes do embargo, Bagdá importava 15 bilhões de dólares por ano".

E ainda: "Não é de se admirar que os índices de desnutrição tenham aumentado. A mortalidade infantil duplicou. Nos hospitais, falta tudo: de antibióticos a insulina. A única porta ainda aberta é a estrada que liga Bagdá à fronteira com a Jordânia, mas é por ela que passam os caminhões do contrabando".

Pode-se perceber claramente, Srªs e Srs. Senadores, que a suspensão do boicote, agora acordada entre as partes, responde a uma reivindicação do Iraque, mas também impõe-se pelo espírito humanitário dos países que congregam a ONU, condoídos pela miséria e pelo sofrimento daquele povo.

À medida que foram evoluindo as negociações com o objetivo de suspender o embargo, numerosos países demonstraram interesse em negociar com o governo de Saddam Hussein.

Notem as senhoras e os senhores que nada menos de 49 países de todos os continentes, com os mais díspares regimes políticos e econômicos, mantêm embaixadas abertas em Bagdá, uma extensa lista que incluiu, dentre outros, o Vaticano, a República Popular da China, a Federação Russa, a Índia, a Malásia, Cuba, Grécia, Noruega, Polônia, Hungria, Romênia, as Repúblicas Tcheca e Eslovaca, Tailândia, Vietnam, Espanha, Portugal e até mesma a minúscula Albânia. Estados que participaram da coligação contra o Iraque, tais como a Turquia, o Paquistão, Qatar e Omã já reabriram suas embaixadas. E aqueles países ocidentais que fecharam suas embaixadas em consequência do rompimento das relações diplomáticas ainda assim mantêm seções no Iraque para cuidar de seus interesses (casos dos Estados Unidos, da França e do Egito). Enquanto isso, o Brasil continua sem qualquer representação em Bagdá. A embaixada brasileira em Amã, na Jordânia, é que responde pelos negócios com o Iraque, os quais, em termos econômicos, financeiros e comerciais, na verdade, zeraram.

É certo que havia um embargo econômico imposto ao Iraque pelas Nações Unidas, e que o Brasil, como membro da ONU, teve que se comprometer com o cumprimento das resoluções da organização mundial, suspendendo suas transações econômicas com o Iraque. Mas essas resoluções não continham cláusula alguma que impusesse embargo político ao Iraque ou o fechamento de embaixada em Bagdá.

A reabertura da embaixada será a chave para a manutenção e o desenvolvimento das boas relações que uniram, por muitos anos, os dois países e, preparará o terreno para a retomada do relacionamento comercial após o fim do bloqueio.

A questão do congelamento dos saldos iraquianos tampouco recebeu um tratamento adequado por parte do Brasil, a despeito das recomendações do Comitê de Sanções da ONU, em sua decisão de 16 de junho de 1991, no sentido de autorizar a liberação desses saldos por considerações humanitárias, conforme o Parágrafo 20 da Resolução 670 do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Efetivamente, ficou constatado que vários países liberaram esses saldos ou parte deles, entre os quais os países líderes da coalização, como a Grã-Bretanha, que liberou cerca de 250 milhões de libras esterlinas, para a compra de remédios e alimentos.

Agora, à medida que foram evoluindo as negociações com o objetivo de suspender o embargo, numerosos países já demonstraram interesse em fortalecer seus vínculos com o Iraque. Conforme alerta recente, lançado por nosso embaixador na Jordânia, Fernando Silva Alves, delegações da França, Inglaterra, Itália, Rússia e Argentina já sondaram Bagdá com vistas à retomada ou intensificação dos fluxos bilaterais.

As mais elevadas considerações de interesse nacional do Brasil impõem-nos trilhar o mesmo caminho. É preciso que o governo brasileiro aja com rapidez no sentido de reabrir nossa embaixada, prelúdio indispensável à retomada e ao fortalecimento de nossos laços com aquela nação. Não podemos continuar a desperdiçar excelentes oportunidades de comércio bilateral, assim como afigurar-se-à um imperdoável descuido nosso se porfiarmos em negligenciar os ganhos de prestígio internacional para a imagem brasileira, decorrentes de uma contribuição, nas condições atuais, para minorar o sofrimento de um povo aja riqueza e o futuro foram assolados pelos horrores da guerra.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/06/1996 - Página 11000