Pronunciamento de Sebastião Bala Rocha em 02/07/1996
Discurso no Senado Federal
TRANSCRIÇÃO DA REPRESENTAÇÃO APRESENTADA PELO SENADOR DARCY RIBEIRO A PROCURADORIA-GERAL DA REPUBLICA, SOLICITANDO SUA ATUAÇÃO JUNTO AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL QUANTO A INCONSTITUCIONALIDADE DO DECRETO 1.775, DE 1996, QUE ABRE OS TERRITORIOS INDIGENAS JA RECONHECIDOS E DEMARCADOS A CONTESTAÇÃO. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS RELATORIOS DO PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO HUMANO E DO INSTITUTO DE PESQUISA APLICADA - PNUD/IPEA.
- Autor
- Sebastião Bala Rocha (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AP)
- Nome completo: Sebastião Ferreira da Rocha
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
JUDICIARIO.
POLITICA INDIGENISTA.
POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
- TRANSCRIÇÃO DA REPRESENTAÇÃO APRESENTADA PELO SENADOR DARCY RIBEIRO A PROCURADORIA-GERAL DA REPUBLICA, SOLICITANDO SUA ATUAÇÃO JUNTO AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL QUANTO A INCONSTITUCIONALIDADE DO DECRETO 1.775, DE 1996, QUE ABRE OS TERRITORIOS INDIGENAS JA RECONHECIDOS E DEMARCADOS A CONTESTAÇÃO. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS RELATORIOS DO PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO HUMANO E DO INSTITUTO DE PESQUISA APLICADA - PNUD/IPEA.
- Publicação
- Publicação no DSF de 03/07/1996 - Página 11332
- Assunto
- Outros > JUDICIARIO. POLITICA INDIGENISTA. POLITICA SOCIO ECONOMICA.
- Indexação
-
- TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, REPRESENTAÇÃO JUDICIAL, APRESENTAÇÃO, DARCY RIBEIRO, SENADOR, PROCURADORIA DA REPUBLICA, SOLICITAÇÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), AÇÃO DIRETA, INCONSTITUCIONALIDADE, DECRETO FEDERAL, POSSIBILIDADE, ABERTURA, CONTESTAÇÃO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, SIMULTANEIDADE, PROPOSTA, AÇÃO JUDICIAL, MINISTERIO PUBLICO, IMPROPRIEDADE, NATUREZA ADMINISTRATIVA, NELSON JOBIM, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ).
- ANALISE, RELATORIO, PROJETO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD), INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), CONTEUDO, SITUAÇÃO, BRASIL, CONTEXTO, ECONOMIA INTERNACIONAL, DIVULGAÇÃO, INDICE, DESIGUALDADE SOCIAL, FALTA, JUSTIÇA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, PAIS, RESULTADO, AUSENCIA, POLITICA, DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
- CRITICA, AUSENCIA, PLANEJAMENTO, GOVERNO FEDERAL, MOTIVO, DISPARIDADE, INDICE, PREVISÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO, BRASIL, DIVULGAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, COMPARAÇÃO, DECLARAÇÃO, PEDRO MALAN, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF).
O SR. SEBASTIÃO ROCHA (PDT-AP. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em 28 de junho que passou, o Senador Darcy Ribeiro, eminente membro do nosso partido, o PDT, apresentou uma representação ante o Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro, solicitando que atue junto ao Supremo Tribunal Federal, pedindo remédio quanto a duas questões fundamentais: a inconstitucionalidade do Decreto nº 1.775/96, já bastante abordado neste plenário, inclusive por mim mesmo, e a irresponsabilidade funcional do Ministro da Justiça, Sr. Nelson de Azevedo Jobim, a respeito do assunto.
O Senador Darcy Ribeiro o faz em razão da incumbência que a Procuradoria-Geral da República assumiu, desde que foi instituída, de defensora dos direitos das populações indígenas do Brasil. Isso se dá em razão da condição civil dos índios como tutelados da Nação. Também o faz em defesa das terras indígenas, que são em essência bens da União.
O referido Decreto, abrindo os territórios indígenas já reconhecidos e demarcados à contestação, grassou a inquietação e o terror em todos os povos indígenas do nosso País. Os índios viram bem que, se anulado o reconhecimento de um território, afinal demarcado depois de 500 anos de luta, por um simples ato administrativo, todas suas terras seriam questionáveis. O Ato Ministerial consubstanciado em Decreto Presidencial foi objeto de espanto e revolta, também pela opinião pública nacional e internacional, que viam nele um retrocesso aos compromissos constitucionais brasileiros de reconhecimento dos direitos dos índios às suas terras.
Essa mesma tese de contestação das demarcações dos territórios indígenas - neste ponto chamo a atenção dos Srs. Senadores - foi apresentada originalmente pelo Sr. Nelson Jobim, quando Deputado Federal, na qualidade de advogado do Estado do Pará contra os índios caiapós do sul daquele Estado. Sua causa e sua tese foram levadas até o Supremo, que por unanimidade a rejeitou.
Volta, agora, à mesma causa o Sr. Nelson Jobim, na qualidade de Ministro da Justiça, induzindo o Presidente da República a firmar o Decreto nº 1775/96. Esse ato, reiterando a mesma tese, promove a revisão de todos os territórios indígenas ao torná-los contestáveis por qualquer pessoa interessada em tomá-los total ou parcialmente.
O Ministro, nessa sua atitude contra os índios, chega ao ponto de dirigir-se aos Estados onde sobrevivem populações indígenas aconselhar os governadores a promoverem ações contra a União para reaverem os territórios reconhecidos e demarcados.
Constitui uma nobre e vetusta tradição brasileira o reconhecimento do direito dos índios às terras que ocupam, na qualidade de propriedade coletiva e inalienável que garanta a sobrevivência com base no seu próprio sistema de adaptação ecológica. Ela se inscreve nas Falas do Trono do século XVII, que mandavam respeitar, na concessão de sesmarias, as áreas ocupadas por povos indígenas "como os originais e naturais senhores delas". Toda a legislação brasileira posterior reafirma o reconhecimento desses direitos, que jamais foram contestados. As dificuldades na aplicação prática desse direito decorrem dos óbices gerais na aplicação da lei nas fronteiras da civilização. Chegamos, entretanto, a um nível de desenvolvimento histórico em que não é mais admissível desconhecer tais direitos e, sobretudo, é crime contestá-los para defender interesses privados.
Nessas bases, o Senador Darcy Ribeiro, que luta há quarenta anos na defesa dos direitos indígenas, somou-se a todas as centenas de organizações nacionais e estrangeiras que discutem a matéria, contestando a legalidade do referido decreto e a ação irresponsável do Ministro da Justiça.
Todos esses esforços resultaram na dupla representação que o Senador Darcy Ribeiro apresentou dia 28 à Procuradoria-Geral da República. Solicita, em primeiro lugar, que obtenha do Supremo Tribunal Federal ação direta de inconstitucionalidade contra o Decreto nº 1.775/96, pedindo sua sustação. Em segundo lugar, solicita que seja proposta pelo Ministério Público Federal ação de improbidade administrativa contra o Ministro da Justiça Nelson Jobim, por deslealdade à União Federal, patrocínio infiel e negligência funcional.
Quero, na oportunidade, pedir que se faça constar dos Anais da Casa o teor da representação, que foi encaminhada pelo Senador Darcy Ribeiro ao Ministério Público, na forma como mencionei nesta fala curta que busca tornar pública essa iniciativa que deve ser elogiada e aplaudida por todos nós do PDT e todos nós que queremos o respeito aos índios do nosso País.
O segundo assunto que me traz á tribuna nesta tarde, Sr. Presidente, já foi abordado por dois Senadores que me antecederam. Trata-se exatamente do relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e do Instituto de Pesquisa Aplicada (PNUD/Ipea).
Quero demonstrar, como já fizeram alguns, que se identifica nesse relatório um "terceiro Brasil", caracterizado como uma parcela "emergente" do nosso País, comparada à Bulgária em termos de qualidade de vida. Compõe-se de sete Estados: Minas Gerais, Mato Grosso, Roraima, Rondônia, Amazonas e, para surpresa nossa e surpresa agradável, o Amapá, o Estado que represento nesta Casa.
O relatório surpreende ao mesmo tempo que assusta. O Brasil, que é hoje uma das maiores economias do Planeta, ocupa um medíocre 65º lugar entre 131 países avaliados pelo ONU. Ora, isso revela o mar de desigualdades sociais e a precária distribuição de renda no Brasil.
O relatório, por exemplo, aponta o Amapá como o 10º melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e com a terceira melhor expectativa de vida do Brasil, com 73 anos de vida.
No entanto, pouco tempo atrás, o Ministério da Educação e Cultura constatou, em estudo nacional, que o Amapá possui uma das piores qualidades de ensino do País. Nota-se aqui, portanto, uma contradição.
Se somarmos ainda as informações contidas no Texto para Discussão nº 424, de maio de 1996, do próprio Ipea, intitulado "PIB por Unidade da Federação (a custo de fatores)", vemos facilmente que a participação de todas as regiões brasileiras, exceto o Sudeste, diminuiu de 1994 para 1995.
A participação do Norte caiu 0,47%; a do Nordeste, 0,05%; a do Centro-Oeste, 1,78%; e a do Sul, 0,19%, enquanto que o Sudeste aumentou sua participação em 2,48%.
Percebam que estamos utilizando dados exclusivamente oficiais. Esse é, portanto, o retrato inequívoco da ausência de uma política de desenvolvimento regional. E, como já relembrei várias vezes aqui no plenário do Senado, um dos compromissos do Senhor Fernando Henrique Cardoso, ao assumir a Presidência da República, foi combater com veemência as desigualdades regionais no nosso País.
Mas o que se vê, repito, é a ausência de uma política de desenvolvimento regional. Essa é a prova definitiva de que continua a prevalecer a lei do mais forte. Estamos na contramão portanto. Estamos na direção do agravamento das desigualdades regionais, e conseqüentemente, da maior concentração de riquezas no País.
Os números nos fazem pensar: será que existe realmente um país emergente? Ou existe uma parte do País que não consegue sobreviver à incompetência do planejamento governamental e definitivamente naufraga?
Queria contar com a benevolência de V. Exª, Sr. Presidente, para me conceder alguns minutos para eu encerrar, apesar de o tempo já estar esgotado. Quero dizer que, segundo o Presidente do Ipea, Fernando Rezende, a boa colocação de alguns Estados da Região Norte decorre de fatores ambientais e a baixa densidade demográfica que acabam por promover uma relativa fartura de alimentos e uma vida mais saudável. Por esse motivo, provavelmente, Roraima e o Amapá aparecem, respectivamente, em lº e 3º lugares no item "Esperança de Vida".
Quero mencionar também um aspecto que considero importante, qual seja, o de que, durante o processo de apreciação da Lei de Diretrizes Orçamentárias este ano, apresentei uma emenda que exigia do Poder Executivo a elaboração de um relatório sobre a evolução do Produto Interno Bruto per capita, consolidado por região macroeconômica, dos três últimos anos, bem como a projeção para os anos de 1996 e 1997, como forma de avaliar a eficácia da gestão governamental quanto ao atendimento do § 7º do art. 165 da Constituição Federal. Infelizmente, fui voto vencido.
O referido artigo dispõe que:
Os orçamentos previstos no § 5º, I e II, deste artigo, compatibilizados com o plano plurianual, terão entre suas funções a de reduzir desigualdades inter-regionais, segundo critério populacional.
Mas, mesmo assim - gostaria de enfatizar -, embora voto vencido, caso o Poder Executivo não mutile o texto da LDO a ser examinado pelo Congresso, já aprovado inclusive, trará mais clareza ao processo orçamentário do que em qualquer outro ano.
Parece que planejamento realmente não é o forte do atual Governo, pois, enquanto o Presidente Fernando Henrique Cardoso, em balanço apresentado aos alunos da Escola Superior de Guerra, previu um crescimento econômico de cerca de 6% até o final do ano, seu Ministro da Fazenda, Pedro Malan, propagandeou um índice de 3% a 3,5% para o mesmo período - está na Folha de S. Paulo, edição de 20 de junho de 1996. Então, verifica-se uma diferença de quase 100% entre as duas estimativas, o que deixa os números oficiais sob forte suspeita. Se o Governo olhar atentamente para os seus próprios dados, com sensibilidade, isto lhe servirá de alerta para as contradições do nosso Brasil.
Era o que tinha a dizer.
Muito obrigado, Sr. Presidente.