Discurso no Senado Federal

ANALISE DAS DIFICULDADES DO GOVERNO PARA A ADMINISTRAÇÃO DO PLANO REAL.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • ANALISE DAS DIFICULDADES DO GOVERNO PARA A ADMINISTRAÇÃO DO PLANO REAL.
Aparteantes
Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 04/07/1996 - Página 11457
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, ADOÇÃO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO FEDERAL, OBJETIVO, CONTENÇÃO, PROCESSO, INFLAÇÃO, PARIDADE, REAL, DOLAR, PROVOCAÇÃO, AUMENTO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, DESEMPREGO, REDUÇÃO, PODER AQUISITIVO, MAIORIA, POPULAÇÃO, CRESCIMENTO, DIVIDA MOBILIARIA, OMISSÃO, GOVERNO, GARANTIA, REPOSIÇÃO, PERDA, SALARIO, CATEGORIA PROFISSIONAL, FUNCIONARIO PUBLICO, RESULTADO, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, ESTRUTURAÇÃO, SETOR, PRODUÇÃO, PAIS.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, temos assistido esses dias a uma verdadeira guerra de estatísticas. O Governo, querendo justificar o injustificável, tem lançado mão de alguns dados que nos parecem pouco confiáveis.

Gostaria, neste momento, de fazer uma ligeira análise das dificuldades que tem um governo que adota um plano como este. Aplicá-lo é fácil, basta uma medida provisória, um ato de força, e as novas normas, que remodelam e modernizam a sociedade, são instituídas de cima para baixo. O difícil é sair do plano, é livrar-se das conseqüências sociais das medidas tomadas.

Não tenho dúvida alguma sobre esta questão, porque escrevi, há quase trinta anos, que é muito fácil livrar-se da inflação, mas os males que ela provoca, como a redução de salários, as injustiças sociais, a concentração de renda e o aumento de lucro, que vêm no bojo da inflação, poderão ser substituídos por outros instrumentos diretos, talvez mais violentos e mais socialmente perniciosos.

É fácil combater a inflação se, por exemplo, o Governo resolve reduzir as emissões, mas aumentando a carga tributária, para que o montante da receita que tem nas suas mãos não diminua, pelo contrário, aumente, devido à reforma tributária de que lança mão. Os reajustes salariais provocados por ele estavam numa relação promíscua com a alta de preços, reajustes salariais que sempre tentaram - como diz Maurice Flamant - acompanhar a alta de preço, mas que, como no suplício de Sísifo, quando os trabalhadores conseguiam se aproximar do ponto em que a sua recuperação seria feita, de novo caía a pedra, e todo o processo recomeçava, ou seja, toda a luta dos trabalhadores contra as perdas salariais recomeçava.

Portanto, se fecharmos os sindicatos, se impedirmos que as reivindicações salariais sejam feitas, é óbvio que a taxa de inflação diminuirá, e a taxa de lucro permanecerá no nível anterior ou até mesmo aumente.

Instrumentos despóticos autoritários podem substituir, com eficácia, a inflação. Se, por exemplo, valorizarmos o câmbio, é óbvio que as importações a preços inferiorizados farão com que o índice de preços caia. Mas a taxa cambial que favorece as importações desfavorece as exportações e reduz a renda dos exportadores. E não apenas isso. A cesta de consumo dos trabalhadores desconhece carros importados, perfumes, vinhos finos, gravatas Hermés. Nela não entram os artigos que invadem o País, subsidiados por essa taxa cambial altamente valorizada.

Portanto, é a cesta de consumo dos ricos a privilegiada por esta taxa de inflação, que permite a entrada dos artigos de luxo que citei, componentes subsidiados - frise-se - da cesta de consumo dos ricos, agravando as condições anteriormente existentes. À perversidade interna se soma agora uma perversidade importada, externa.

O Sr. Ney Suassuna - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LAURO CAMPOS - Ouço V. Exª com prazer, nobre Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ney Suassuna - Senador Lauro Campos, isso não entra no cômputo da valorização da cesta, mas apenas beneficia a classe alta. Não é verdade?

O Sr. Pedro Simon - Mas Excelência, isso altera a balança de pagamentos. Estamos verificando déficit na balança de pagamentos em virtude da importação de supérfluos.

O SR. LAURO CAMPOS - Sim, Excelência, e o que estou querendo demonstrar é que há o consumo dos ricos e o consumo dos pobres. Os primeiros estão sendo beneficiados, porque os artigos de luxo importados têm preços subsidiados, porque são importados a um custo barato por causa da taxa de câmbio artificialmente valorizada. Mas, como já disse, os pobres não têm acesso a eles e, obviamente, têm que comprar os componentes da sua cesta de consumo a preços nacionais, ou seja, a preços não-subsidiados.

O Sr. Ney Suassuna - Senador Lauro Campos, quando solicitei o aparte a V. Exª, gostaria apenas de lembrar que horas há em que essa balança de pagamento também é desequilibrada. A entrada de produtos importados, que têm similares produzidos no Brasil, alteram e prejudicam o emprego no Brasil. Por exemplo, no meu Estado, a Paraíba, tivemos um incentivo para plantar algodão. Estava a R$0,60 o quilo, mas quando a safra foi plantada permitiram o ingresso de algodão estrangeiro, fazendo com que o preço despencasse para R$0,30. Quem plantou não conseguiu tirar nem mesmo o insumo. E todos aqueles que estavam reiniciando essa cultura levaram um prejuízo violento, porque sequer conseguiram ser ressarcidos dos empréstimos, dos insumos - sementes, adubos, etc. Ainda há essa vertente criminosa que gerou desemprego e levou nossa gente ao prejuízo, e o algodão estrangeiro entrou sendo subsidiado por um Governo do exterior. Isso está acontecendo não só na agricultura, mas também na indústria: produtos subsidiados entrando, tirando o emprego do nosso pessoal e dando emprego para outras pessoas no exterior.

O SR. LAURO CAMPOS - Tem toda a razão V. Exª. Agradeço o subsídio apresentado ao desenvolvimento da minha explanação.

Portanto, são instrumentos que permitem o achatamento de preços, um aparente combate e uma falsa vitória sobre a inflação, mas que vão tendo os seus custos altamente elevados.

Por exemplo, para nos fixarmos agora na questão do câmbio, parece-me que não há dúvida alguma de que existe uma necessidade de ser revista a nossa taxa de câmbio.

O Sr. Gustavo Franco, da Carteira de Câmbio e Comércio Internacional do Banco Central, afirmou, reafirmou e, até hoje, reitera que, quando foi baixado o Plano Real, a taxa de câmbio deveria ser de US$1 para cada R$0,50. Ou seja, R$1 equivaleria a US$2. Se isso tivesse sido feito, não sobraria pedra sobre pedra no Brasil, e as conseqüências dessas importações seriam, obviamente, um verdadeiro "economicídio" praticado contra a economia brasileira.

Não há dúvida alguma de que, em todos os países nos quais esse plano foi aplicado, - tive a oportunidade de ler que, também na Rússia, o FMI aplicou um plano exatamente igual ao nosso - houve, anteriormente a ele, uma elevação astronômica de preços para, depois, serem congelados: os preços no zênite e os salários no nadir, os preços no teto e os salários no chão.

Este congelamento faz com que paguemos a Coca-Cola, o Big Mac e todos os outros produtos internacionais como se estivéssemos no primeiro mundo. Desta forma, todos os produtos internacionais são comprados muito mais caros no Brasil do que em Nova Iorque, por exemplo. Estamos a receber um salário de terceiro mundo, tendo de pagar preços de país desenvolvido por esses produtos dolarizados.

Além disso, o processo vai criando um engessamento do próprio Governo. Se os preços estão dolarizados, se a economia está globalizada, se a desvalorização interna do nosso Real não é acompanhada por um reajuste cambial, o que se percebe? Percebe-se que a situação se torna insuportável, como aconteceu na Argentina e no México. De um momento para outro será preciso maxidesvalorizar. Se, por exemplo - de acordo com alguns economistas -, for preciso desvalorizar o dólar em 30%, todos os preços elevar-se-ão no mesmo percentual no dia posterior, a inflação será de 30%, tendo em vista que todos os preços estão atrelados ao dólar.

Portanto, vai-se criando uma situação em que os problemas não resolvidos retornam e engessam o Governo, reduzindo as possibilidades de que as tomadas de decisão possam ser feitas num horizonte mais amplo.

Por outro lado, verificamos que, uma vez feito o diagnóstico de que o problema da inflação no Brasil e na América Latina é de excesso de demanda, é óbvio que a taxa de juro deve permanecer elevada.

Essa elevação da taxa de juro tem por objetivo reduzir a renda disponível, impedir o que eles chamam de bolha de consumo, impedir, portanto, que os preços se elevem.

Paul Samuelson, citado pelo meu eminente Colega na tarde de hoje, afirma que os juros constituem um fenômeno praticamente idêntico aos impostos: os bancos aumentam seus juros; o Governo faz uma reforma tributária e aumenta a carga tributária, os impostos; e a renda disponível diminui. É isto que este Plano perverso realmente deseja: que se diminua a renda a fim de que a demanda seja contida.

Numa situação dessas, é evidente que acabará acontecendo o que hoje na Argentina sucede: Buenos Aires está marcando seu repúdio ao Plano Cavallo nessas eleições municipais, e a mesma coisa aconteceu na Rússia, com a aplicação das medidas impostas pelo FMI.

O que vemos em todos os casos é um aumento fantasticamente grande da dívida pública mobiliária. E por que a dívida pública mobiliária aumenta 10% ao mês no Brasil? E por que ela aumenta a uma taxa fantasticamente grande, também, na Rússia, e em todos os países que aplicaram este plano?

É muito simples de se entender: não é que o Governo venda os seus papéis, os seus títulos, para conseguir dinheiro emprestado, como acontecia outrora, antes dos anos 30. O Governo lança, necessariamente, os títulos, vende papéis, vende as suas obrigações, as suas letras, para tentar enxugar, retirar de circulação uma parte do dinheiro que foi obrigado a lançar para cobrir o déficit orçamentário. E é isso o que acontece no Brasil. E esse déficit orçamentário se deve essencialmente à rolagem da dívida pública mobiliária a um juro extraordinariamente elevado.

Então, o que acontece é que, aumentando a dívida pública, o Governo impede que a taxa de inflação se manifeste. A taxa de crescimento da dívida pública é a forma que assume a taxa de inflação. Se os fenômenos fossem medidos de forma realista no Brasil, teríamos que, ao lado do aumento dos preços, ao lado da taxa de inflação, somar a esta taxa de inflação a taxa de aumento da dívida pública, porque a dívida pública cresce para evitar o crescimento da taxa de inflação. E quanto maior a pressão inflacionária que o Governo provoca, maior deverá ser a emissão de títulos para tentar conter o ímpeto inflacionário que decorre do deficit spending, dos gastos do Governo que cobrem o déficit orçamentário. Portanto, é uma forma que o capitalismo descobriu - já há muito tempo - de encobrir e disfarçar a taxa de inflação.

Se hoje nos regozijamos com uma taxa de inflação baixa, esquecemos que a dívida pública atinge US$151 bilhões, que ela cresce a 10% ao mês e que teremos que pagar um dia esta imensa dívida pública que se acumula e que, como um dragão escondido, um dragão na tocaia, espera nos atacar em futuro não muito distante.

Sabemos muito bem que este aparente sucesso se faz às expensas de outras dívidas, como, por exemplo, a dívida para com os funcionários públicos. Um Governo que assina um pacto de honra com os petroleiros, pedindo a eles que protelem as suas reclamações e a sua greve para não atrapalhar o êxito do Plano Real e, quando chega na data-base seguinte, - Itamar Franco atestou e relembrou isso, pois foi testemunha daquele acordo - o Governo se recusa novamente a repor as perdas salariais.

E reconhece o Governo que os funcionários públicos têm, realmente, 46% de defasagem. Então, o Governo deve também aos funcionários, deve às empreiteiras e o Governo não paga, acumulando dívidas e criando um problema social cada vez mais grave.

Além disso, o resultado inexorável deste Plano é obviamente o sucateamento do parque industrial nacional, que não pode competir com essas mercadorias subsidiadas. E dizem que é preciso modernizar, que é preciso colocar máquinas mais produtivas, demitir também trabalhadores, o downsizing e a reengenharia. É preciso substituir máquinas arcaicas por máquinas robotizadas que demitem empregados.

O antigo Estado empregador se transforma num Estado desempregador e os desempregados do Estado, antigo Estado keynesiano somam-se agora aos desempregados pela robotização, pela modernização, pela downsizing e pela reengenharia.

Portanto, encontramos hoje no Brasil um fenômeno interessante: só na Grande São Paulo há um milhão, trezentos e trinta mil desempregados. Em toda a Inglaterra, às vésperas da Crise de 29, havia um milhão de desempregados. E vai tudo bem, dizem os festivos comemoradores do segundo aniversário do Plano Real.

Percebemos que algumas empresas estrangeiras que não puderam se transferir, que não quiseram fazê-lo ou que não existiam nos anos 50, como as de informática, as de fibra ótica, etc., estão vindo agora para o Brasil. No Paraná será montada uma indústria de automóveis; no Rio de Janeiro, outra montadora; em Juiz de Fora, outra indústria de carros.

Essas indústrias vêm para cá, ganhando terreno, isenção tributária por mais de dez anos e recebendo do BNDES o capital necessário para sua instalação. Com tantos favores, com tantos benefícios, quem não vem para cá?

Em compensação, o que teremos é obviamente uma tentativa de ampliação do mercado nacional para os carros de luxo, que agora se somarão a essas indústrias montadoras transplantadas. E se se aumenta a produção de luxo, tem-se de aumentar a renda daqueles que adquirem produtos de luxo. Haverá uma nova concentração de renda, mais perversa talvez do que aquela que sustentou o milagre econômico dos anos 70.

É a estrutura produtiva que tem de ser mudada. Ela tem de se voltar para o consumo popular, para as necessidades coletivas, porque, do contrário, trará a marginalização e a elitização a partir da base da produção.

Críticos do milagre econômico viram um buraco negro no processo de acumulação de capital, verificado no final dos anos 60 até grande parte dos anos 70 o buraco negro que absorveu os recursos da saúde, da educação, da infância, da terceira idade, levando tudo e queimando tudo nesse forno insaciável que constitui a acumulação de renda e de capital no Brasil. Esse processo vai ser repetido e a linguagem será cada vez mais mentirosa se se quiser negar a linguagem das coisas.

A economia capitalista mundial pode ter vários discursos repletos de enfeites, cheios de lágrimas para o social, de desejos declarados, votos declarados, de apoio ao social. Mas, segundo o PIB mundial, os setores que mais absorvem recursos é o bélico e espacial e, em segundo lugar, o setor relacionado ao narcotráfico.

Então, quais são os setores realmente prioritários em nossa cultura, em nossa economia capitalista mundial? O primeiro é o bélico; o segundo, o narcotráfico; obviamente o terceiro é o de artigos de luxo, excludente e concentrador de renda.

Diante desse quadro, o processo de privatização de que se vale o Governo, segundo o Ministro José Serra, é para conseguir recursos para pagar a dívida pública, através da receita de venda das estatais.

Ora, a dívida pública passou, no mês passado, de R$138 bilhões para R$151 bilhões - R$13 bilhões em um só mês. E até hoje o Governo não conseguiu receita com a venda de todas as empresas estatais o equivalente a US$13 bilhões, ou seja, ao pagamento dos juros do aumento da dívida pública em um só mês.

De modo que poderemos vender todas as empresas estatais que a venda de todas elas não será capaz de deter o crescimento da dívida pública, não será capaz de pagar o serviço da dívida pública mobiliária e ainda temos, em contrapartida, o aumento da dívida externa.

Agora, com a falência de estados e municípios, o que está acontecendo? O que já aconteceu com Alagoas e com alguns municípios brasileiros. O que vai acontecer é que, dada a dificuldade de os estados e municípios aumentarem a dívida que eles têm, venderem papéis no mercado interno brasileiro, eles irão lá fora conseguir empréstimos externos para tapar o buraco, contornar os problemas da crise dos estados e dos municípios brasileiros.

Quer dizer que, então, estamos diante do fenômeno da "externalização" da dívida pública. E é bom lembrar que isso não é novidade alguma. No século passado não havia praticamente um mercado para os papéis do Governo no Brasil, não havia tomadores numa sociedade de escravos e fazendeiros, que não gostam de comprar papéis. Então, o governo brasileiro era obrigado a vender papéis na Inglaterra e a aumentar a dívida pública externa. Por isso, na crise de 1890, 80% da dívida da Argentina era dívida pública externa. No Brasil, na grande crise de 1898, praticamente o mesmo fenômeno se repetiu, quer dizer, tapeamos.

Podemos até reduzir a dívida pública mobiliária interna, uma vez que consigamos empréstimos externos para fazer face aos nossos déficits orçamentários, aos nossos compromissos vencidos, à dívida que está açoitando estados e municípios brasileiros.

Maquiagem, pancake, disfarce, tudo isso se esvai rapidamente e a realidade espera para mostrar os danos causados durante esses dois anos de aparente tranqüilidade, sucesso e alto custo FHC, o custo de sua eleição, o custo das manobras feitas para conseguir esse aparente êxito sobre a inflação. O custo de manutenção, desde a elevação da taxa de juros até a taxa de câmbio artificialmente valorizada, o sucateamento do parque nacional brasileiro e o desemprego, que em São Paulo atinge mais de 16% e em Brasília quase 19%, é igualmente alto. Há, ainda, o custo social daqueles que ao perderem seus empregos se suicidaram, o custo social daqueles que faliram diante do estreitamente do mercado, de um lado, da concorrência externa desleal, de outro, e das taxas de juros asfixiantes, que acabam transformando as concordatas em falências. Aumentou este mês em São Paulo, em 6,1%, a taxa de falências.

Esses números foram omitidos na fala oficial. Portanto, o que temos, infelizmente, a constatar é que a inflação é substituída por uma série de instrumentos, uma série de mecanismos que permitem a redução de sua taxa. É tão fácil combater a inflação que nós já a zeramos cinco vezes a partir de fevereiro de 1986 no Plano Cruzado I em que houve deflação inicial. Diz o viciado, o tabagista inveterado: "É muito fácil deixar de fumar. Já deixei mais de cinco vezes; já deixei de fumar vinte vezes". Entretanto, tal como acontece com certas formas de combate à inflação, o organismo se depaupera e o vício volta a atacar. O vício do tabaco, do cigarro, volta e encontra o organismo debilitado, assim como a inflação volta e encontra uma sociedade numa situação obviamente mais calamitosa, mais perversa, mais angustiante e mais desumana do que aquela que existia quando o plano foi aplicado, quando a inflação foi zerada.

Não tenho dúvida de que grande número de pessoas que ocupam os postos de comando e têm em suas mãos as alavancas engessadas que governam a economia têm plena consciência de que estão participando de um verdadeiro "economicídio" - forma de crime contra a sociedade que não consta em nosso Código Penal, elaborado por Nélson Hungria e Francisco Campos -, que é um crime muito mais perverso do que os crimes individuais capitulados em nossa legislação penal.

Portanto, os "economicidas" ficam impunes e voltam para aplicar novos planos. Disse um deles que já aprendeu muito com suas experiências anteriores, a partir do Cruzado I. Eles aprenderam muito e agora dizem estar aptos para fazer um plano mais eficiente.

Aprenderam a fazer estas coisas: aprenderam a não criticar, aprenderam a não ver criticamente os desastres que provocaram na economia brasileira, aprenderam a ser "neonadas", neoliberais, cujo nascimento se deu em 1873 e cuja morte se verificou em 1929, quando o neoliberalismo entrou em crise definitiva.

Agora, na falta de algo melhor, fazem a exumação do neoliberalismo e afirmam que é possível que o capitalismo consiga se auto-ajustar em uma economia repleta de trustes, cartéis de toda a ordem.

Em uma economia monopolizada, ou oligopolizada, é possível deixar a essas forças desgovernadas o comando e o equilíbrio do sistema? A ingenuidade deveria ter limites, mas, infelizmente, o limite à ingenuidade se chama consciência crítica, hombridade, dignidade, e este é o ingrediente que falta ao nosso plano atual.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/07/1996 - Página 11457