Discurso no Senado Federal

CONTRIBUIÇÕES PARA O DEBATE DA REELEIÇÃO PRESIDENCIAL. AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO.

Autor
Gilberto Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AM)
Nome completo: Gilberto Miranda Batista
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO FEDERAL.:
  • CONTRIBUIÇÕES PARA O DEBATE DA REELEIÇÃO PRESIDENCIAL. AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO.
Publicação
Publicação no DSF de 04/07/1996 - Página 11463
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO FEDERAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ABERTURA, ORADOR, DEBATE, REFORMA CONSTITUCIONAL, VIABILIDADE, REELEIÇÃO, CARGO PUBLICO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, SIMULTANEIDADE, FALTA, CONVENIENCIA, ATUALIDADE, APROVAÇÃO, EMENDA CONSTITUCIONAL.
  • ANALISE, ATUAÇÃO, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CONTROLE, PROCESSO, INFLAÇÃO, QUEBRA, MONOPOLIO ESTATAL, PETROLEO, TELECOMUNICAÇÃO, NAVEGAÇÃO DE CABOTAGEM, EXTINÇÃO, DISCRIMINAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, CAPITAL DE GIRO, CAPITAL ESTRANGEIRO, SIMULTANEIDADE, EXCESSO, TAXAS, JUROS, REDUÇÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO, RESULTADO, TAXA DE CAMBIO, AUMENTO, INDICE, DESEMPREGO, PERDA, CAPACIDADE, COMPETIÇÃO INDUSTRIAL, PAIS.
  • CRITICA, FALTA, LIDERANÇA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, APROVAÇÃO, REFORMA CONSTITUCIONAL, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, IMPUTAÇÃO, LEGISLATIVO, ADIAMENTO, VOTAÇÃO, TRAMITAÇÃO, EMENDA CONSTITUCIONAL, EMPENHO, GOVERNO, OPERAÇÃO FINANCEIRA, DESTINAÇÃO, SALVAMENTO, BANCO PARTICULAR, BANCO DO ESTADO DE SÃO PAULO S/A (BANESPA), CRIAÇÃO, PROGRAMA DE ESTIMULO A REESTRUTURAÇÃO E AO FORTALECIMENTO AO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (PROER), REDUÇÃO, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, IMPLANTAÇÃO, ASSENTAMENTO RURAL, SEM-TERRA, REALIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA, BRASIL.

O SR. GILBERTO MIRANDA (PMDB-AM) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há poucos dias, tive a honra de ocupar esta tribuna para uma primeira avaliação da conveniência de emendar a Constituição a fim de que se abra ao povo brasileiro a possibilidade de reeleger o atual presidente da República.

Na oportunidade, analisei a questão sob o ângulo de suas implicações éticas e especulei sobre a magnitude das resistências que essa inovação fatalmente encontraria ao se chocar com nossa centenária tradição republicana.

Quero hoje tratar de uma terceira dimensão do problema, justamente a que me parece mais crucial e decisiva. Refiro-me ao nível prático, aquele que se reveste de considerações de expediência e eficácia políticas; aquele em que o sucesso tende a ser o critério da verdade. Em outras palavras, ao veredito final da opinião pública que, tomando por base um balanço minudente e judicioso dos erros e acertos do governo Fernando Henrique Cardoso, decidirá se ele merece ou não estender-se por mais um quatriênio.

Sigo firme em minha crença de que o desencadeamento dessa reforma constitucional agora é demasiado prematuro, posto que nem metade do atual mandato presidencial foi cumprido. Mesmo assim, não quero me furtar a essa discussão; pelo contrário, muito me satisfaria vê-la tratada com o máximo de objetividade e maturidade para o bem do Brasil.

Assim, considerando que o passado e o presente são os únicos (ainda que imperfeitos) preditores realísticos do futuro, passemos a uma avaliação do desempenho do governo FHC nesses 16 meses.

Como primeiro e grande ponto positivo, destaca-se, indubitavelmente a capacidade de manter a inflação sob controle em patamares muito baixos e por mais tempo do que quaisquer tentativas anteriores de estabilização nas últimas três décadas. A façanha teve -- e continua tendo -- como subproduto social relevante o franquear o acesso de milhões de trabalhadores carentes e suas famílias ao consumo de uma variedade e quantidade de alimentos -- com destaque para a carne de frango e os ovos -- antes fora de seu alcance.

O segundo tento marcado pelo governo nesse ano e meio consistiu na quebra dos vetustos e ineficientes monopólios estatais do petróleo, das telecomunicações, da navegação de cabotagem e do gás canalizado, bem como o fim da discriminação constitucional contra o capital de risco estrangeiro. Tudo isso ocorreu no bojo das reformas da Ordem Econômica da Constituição Federal, aprovadas no ano passado.

Daí em diante, Sr. Presidente, o mínimo que posso dizer é que o diagnóstico das realizações concretas da presidência FHC torna-se incerto e nebuloso.

Volvendo um olhar mais atento a essa vedete da política presidencial, de Itamar a Fernando Henrique, que é o Plano Real, forçoso será notar os efeitos perversos da sobrevalorização cambial e dos juros mais altos do planeta nos níveis de desaquecimento econômico, nos índices de desemprego e subemprego e na perda de competitividade de nossas exportações.

À esquerda e à direita do espectro político e ideológico multiplicam-se as críticas a essa política econômico-financeira. Em verdade, senhoras e senhores, até o início do ano passado, o país crescia a uma taxa de 6%. Depois que as autoridades mexeram na taxa de câmbio, esse crescimento caiu para algo em torno de 4%. Ora, como adverte o deputado (PPB/SP) e ex-ministro Delfim Netto, "essa queda significa que deixamos de produzir US$ 10 bilhões, sendo que os salários representam 40% desse valor, e cada 2% negativos no PIB representam 800 mil empregos a menos".

Ora, por mais bombásticos que se afigurem seus resultados, o combate à inflação e a estabilização monetária não passam de meios para a recuperação da capacidade de planejamento macroestratégico a longo prazo (que o Brasil perdeu desde os anos Geisel), de retomada do crescimento econômico e de políticas públicas bem concebidas e implementadas para reduzir nossas gritantes disparidades pessoais e regionais de renda.

De igual modo, Srªs e Srs., se perscrutarmos detidamente o processo de reformas constitucionais em curso, chegaremos a duas ordens de conclusões, nenhuma das quais muito alvissareira.

De um lado, todas as emendas já aprovadas acham-se até agora pendentes de regulamentação na Câmara dos Deputados. E não me parece um julgamento completo e equilibrado debitar essa demora unicamente ao Legislativo, pois sabemos que é da dinâmica do presidencialismo que o Executivo assuma e desempenhe papel de destaque na proposição de leis, bem assim na criação das condições políticas necessárias à sua aprovação e aplicação.

De outro lado, esse mesmo déficit de liderança presidencial é responsável por boa parte das vicissitudes por que passou -- e previsivelmente ainda passará -- a proposta de reforma da Previdência Social. A temperatura das discussões que a cercaram subiu tanto que o projeto passou quase um mês "esfriando" no Supremo Tribunal Federal. Com o descarrilamento de sua tramitação na Câmara, ele foi parar no STF em função de liminar do ministro Marco Aurélio Mello, concedida ao mandado de segurança impetrado por grupo de parlamentares oposicionistas. No último dia 08, por 10 votos a 1, o colegiado da Magna Corte negou aquele recurso,e a proposta voltou a tramitar na Câmara dos Deputados.

Antes desse desfecho preliminar, a proposta da previdência havia sofrido seguidas alterações que terminaram por desnaturá-la, enfraquecê-la e apequená-la. Foram muito fortes as pressões políticas e corporativas! Ao longo dessa acidentada trajetória o primeiro relator da matéria na Câmara, deputado Euler Ribeiro, foi substituído pelo líder do PMDB, Michel Temer; os membros daquela Casa, a quem caberia votar o projeto, chegaram a ser preteridos como interlocutores na negociação com o governo em benefício de lideranças sindicais sem mandato parlamentar. Ao mesmo tempo, multiplicavam-se as denúncias de troca de nomeações para cargos públicos por votos favoráveis ao substitutivo Temer, logo acompanhadas de um contra-ataque oposicionista na forma de verdadeira barragem de destaques para votação em separado (DVS).

De minha parte, Sr. Presidente, estou convencido de que a pedra de toque dessa cascata de equívocos foi a inexplicável omissão do presidente frente ao seu papel de comunicador-em-chefe da reforma. Somente ele teria (e tem) suficiente credibilidade e legitimidade para ocupar os meios de comunicação e explicar à sociedade brasileira que o modelo vigente é uma bomba atuarial de efeito retardado cuja iminente explosão reduzirá a pó os já magérrimos benefícios percebidos pela grande maioria de aposentados e pensionistas do setor privado, impondo sacrifícios ainda mais onerosos às novas gerações de trabalhadores-segurados. Só o presidente da República para persuadir a opinião pública dos benefícios a serem gerados pela reforma previdenciária (mais recursos para investimentos a longo prazo, mais empregos, mais bem-estar, etc.)

Registre-se, parenteticamente, que, em uma admissão tácita de algumas das mais sérias deficiências contidas na PEC da reforma previdenciária, o Executivo, na semana passada, enviou ao Congresso projeto de lei que cria o Fundo de Aposentadoria Programada Individual (Fapi). Entretanto, qual não foi minha surpresa ao verificar que o novo fundo não será coberto por qualquer tipo de seguro-depósito? Ou seja, a poupança que o trabalhador autônomo , o empregado de uma firma, o pequeno empresário tiverem amealhado ao longo de anos e anos de sacrifício a fim de complementar sua renda na aposentadoria, poderá simplesmente evaporar se o banco depositário quebrar. Ora, em se tratando de um fundo em que milhões de futuros aposentados deverão ficar retidas por dez anos no mínimo, nada mais justo que eles recebessem alguma garantia sobre seu pecúlio. Infelizmente, essa preocupação está ausente do projeto do Executivo, mas tenho certeza que não passará despercebida ao crivo dos Srs. Deputados e Senadores!

Isso, aliás, mostra como são injustas e parciais certas críticas à tão propalada "morosidade" do processo legislativo. Da discussão nasce não só a luz, como também corretivos a propostas incompletas e apressadas, que, do contrário, muito prejudicariam o cidadão-consumidor e -contribuinte.

Mas, ia eu dizendo: como o Presidente não se sensibilizasse com essa missão de esclarecimento e formação de opinião, o resultado aí está: um texto de reforma previdenciária incompleto, "aguado", enviezado, capaz de atender tão-somente a duas finalidades: cortar benefícios dos trabalhadores e aposentados da iniciativa privada e manter privilégios do setor público. Isso, se o Supremo não decidir por seu definitivo arquivamento...

Se isso está ocorrendo com a reforma da previdência, Sr. Presidente, fácil é prefigurar as tormentas que aguardam as próximas propostas de emendas constitucionais -- as reformas administrativa e tributária.

A julgar pelo volume, pela extensão e pela capacidade de mobilização dos segmentos envolvidos, certamente essas duas reformas enfrentarão um trâmite ainda mais lento e acidentado, sobretudo quando nos lembramos de que, no segundo semestre deste ano, cerca de centena e meia de deputados refluirá às suas bases para tentar a sorte nas eleições municipais.

Ainda que a reforma constitucional deslizasse no mais róseo dos cenários políticos -- sem óbices de natureza corporativa ou fricções ideológicas -- ainda assim seríamos obrigados a reconhecer que ela não é suficiente para preencher um vácuo de realizações concretas de governo. No caso brasileiro, em que séculos de exclusão social viram-se recentemente coroados por uma "década perdida" de estagnação, hiperinflação e desinvestimento, isso significa tomar iniciativas, promover obras e realizações que ao menos atenuem nossos vergonhosos indicadores de miséria, atraso, ignorância, doença, insegurança e injustiça.

E, decididamente, o escore do governo FHC nessas áreas tem sido bem pouco animador. A esta altura, gostaria de reproduzir alguns trechos do editorial da Folha de S. Paulo, estampado na primeira página de sua edição de 21 de abril último. Sob o impacto recente do confronto entre os trabalhadores sem-terra e a Polícia Militar do Pará, tragédia que ensangüentou Eldorado dos Carajás e cobriu de dor e vergonha a consciência nacional, assim se pronunciou o editorialista da Folha: "O tecido social brasileiro está chegando ao seu ponto limite de esgarçamento: Dívida social, uma expressão que nasceu com sabor acadêmico para designar as brutais carências do país nessa área, ganha, cada vez mais, rostos e locais concretos: os mortos de Corumbiara e Eldorado dos Carajás, de Vigário Geral e da Candelária, os mortos-vivos que desfilam sua condição subumana em cada uma das esquinas das grandes cidades e crescentemente das cidades médias". Mais adiante, prossegue o editorial: "Cresce a impaciência com o abandono da agenda social tão nítida e claramente definida no discurso de posse do presidente Fernando Henrique Cardoso. Foi ele quem apontou a 'falta de justiça social' como o 'grande desafio do Brasil neste final de século'. FHC -- lembra o editorialista -- convocou, então, 'um grande mutirão nacional para varrer do mapa do Brasil a miséria e a fome'".

Ao ler o editorial da Folha, ocorreu-me de imediato uma dúvida, a mesma que intriga muito dos nobres colegas aqui presentes e a maior parte da opinião pública: afinal, qual o status dessas prioridades, hoje, na agenda governamental? Receio que o tempo transcorrido desde a posse do presidente Fernando Henrique Cardoso encarregou-se de remanejá-las.

Na esteira da crise do sistema bancário que vitimou o Banespa, o Econômico, o Nacional, o Mercantil de Pernambuco e outras instituições menores, parece agora que um valor mais alto se alevanta. Hoje em dia, da parte do Palácio do Planalto e da equipe econômica do governo, é como se todas as atenções, as energias , os cuidados e o tempo das autoridades se concentrassem em uma operação de salvamento dos bancos. Quero lembrar que a maioria desses bancos foi levada à garra pela incapacidade de seus donos em adaptar-se ao fim dos ganhos fáceis da 'ciranda financeira', quando não pela má-fé desleixada no trato dos interesses de seus correntistas.

Afinal de contas, Sr. Presidente, quanto já foi gasto nessa operação de salvamento? Quanto mais ainda será gasto no marco do Proer? A imprensa especula com cifras contraditórias , mas igualmente assombrosas: R$ 10 bilhões? R$ 12 bilhões? R$ 15 bilhões? R$ 30 bilhões?... Ninguém ainda sabe ao certo, com a possível exceção do ministro da Fazenda e da alta direção do Banco Central, essa casta de sacerdotes burocráticos detentores da chave dos arcanos da banda cambial e da taxa de juros...

Algo há que precisa ser pronta e definitivamente esclarecido. Quando as autoridades vêm a público e afirmam que os recursos do Proer originam-se do próprio sistema financeiro, isto é, dos depósitos compulsórios dos bancos recolhidos do Banco Central, e não do Tesouro Nacional, isso é apenas meia-verdade.

No Banco Nacional, por exemplo, o Banco Central injetou R$ 5,84 bilhões nos últimos dois meses de 1995. Ora essa avalanche de recursos contribuiu para inflar a base monetária de R$ 15,3 bilhões, em outubro último, para R$ 22,7 bilhões em janeiro deste ano.

Como a prioridade do governo é manter a inflação acorrentada, foi necessário emitir títulos públicos para retirar esse dinheiro de circulação. Por sua vez, essas emissões representaram um aumento de 5% no estoque da dívida pública entre janeiro e fevereiro de 1996. Ora, Senhor Presidente, é do Tesouro que o governo retira recursos para financiar a rolagem dos títulos da dívida pública federal que precisam oferecer taxas de juros cada vez mais altas com vistas a atrair o interesse dos investidores.

Esclareço que esses dados e análises foram produzidos pelo Dr. Paulo Eduardo Rocha, assessor de Orçamento Público do Instituto de Estudos Sócio-Econômicos (Inesc), entidade de pesquisa sediada no Distrito Federal. Em seu número de março passado, o Informativo do Inesc, publica artigo de Paulo Rocha com essas e outras surpreendentes revelações. Por exemplo: em janeiro último, o Tesouro Nacional teve um déficit de R$ 2,8 bilhões. Deste total, 1,3 bilhão destinou-se ao pagamento de juros da dívida pública. Em 1995, continua o pesquisador, o governo federal gastou R$ 15,14 bilhões com o pagamento desses juros, dos quais cerca de R$ 11 bilhões vieram de recursos do Tesouro nacional, o que equivale a dizer que foram arrecadados dos impostos pagos pelo contribuinte.

Esse dinheiro equivale à quase totalidade dos investimentos programados para 1995, e é superior em 37% aos previstos para 1996, que são de apenas R$ 8,4 bilhões. É quase o dobro do gasto anual de R$ 6,5 bilhões com a rede hospitalar do Ministério da Saúde.

O estudo do Inesc se encerra num tom de perplexidade e indignação: "Como pode o presidente da República afirmar que o Proer não afeta os recursos do Tesouro Nacional, que são oriundos dos impostos pagos pelo contribuinte? Ao contrário, o Proer teve impacto significativo no aumento da dívida pública e contribuirá em futuro próximo, para o aumento do déficit, através do pagamento de juros da parcela da dívida que ele causou. Qual será o impacto efetivo que os empréstimos do Proer terão sobre o déficit público nos próximos anos? Quantas casas populares deixarão de ser construídas? Quantas creches não funcionarão em 1996? Quantas pessoas deixarão de ser atendidas nos hospitais públicos do país?"

É mesmo uma pena que a mais recente oportunidade que teríamos para trazer à luz a verdade desses números e com eles responder a essas angustiantes questões haja sido abortada com o arquivamento da CPI dos bancos.

Apesar disso, já a ninguém escapa a inversão de prioridades em que incorreu o governo FHC, passados 16 meses de sua posse.

À medida que me aproximo do final deste pronunciamento, parece-me ocioso lembrar que esta não é a oportunidade para um diagnóstico sistemático dos resultados concretos das políticas sociais e outras iniciativas do governo federal neste ano e meio. Contudo, diante do contraste entre o discurso e a ação, entre a intenção e gesto, não posso me furtar a mais umas poucas observações. Assim, quando do anúncio oficial da venda do Banco Econômico ao Excel, ficou o Brasil sabendo que o Banco Central assumira dívidas de R$ 5 bilhões do Econômico como parte da operação, dinheiro suficiente para construir 767 mil casas populares.

À época desse anúncio, o país também tomava conhecimento da tragédia de Eldorado dos Carajás, no sul do Pará, um trauma que serviu para realçar a urgência inadiável de uma política efetiva de democratização da propriedade fundiária. Aqui, mais uma vez, nos defrontamos com o hiato entre prioridades declaradas e prioridades reais. Em sua vitoriosa campanha eleitoral, Fernando Henrique Cardoso prometera assentar cerca de 280 mil famílias sem-terra nos quatro anos seguintes. Para o primeiro ano de governo o compromisso era de 40 mil famílias assentadas. Muito bem, em 1995, o Incra reconheceu que só foram assentadas 32.544 famílias, e que, entre essas, havia muitas famílias que já estavam na terra desde 1984, caso em que ocorreu, tão-somente, a regularização dessas situações. Na prática, Senhor Presidente, apenas 12.263 famílias foram assentadas em novos projetos do governo.

Neste ano de 1996, o próprio Incra calculou que seriam necessários R$ 3,2 bilhões para o programado assentamento de 60 mil famílias. Entretanto, o governo reduziu esse orçamento para R$ 1,4 bilhão, ou seja, menos de 10% do valor estimado como necessário para salvar os bancos na "UTI do Proer". Quero acrescentar que não me parece justo debitar, mais uma vez, ao Legislativo o atraso na definição de um marco jurídico que imprima ao processo de reforma agrária a celeridade necessária. Afinal, se a medida provisória do Proer foi baixada pelo Executivo com base nos argumentos da "relevância" e da "urgência", por que não aplicar esse mesmo critério para por um fim aos conflitos do campo?

Para concluir, Srªs e Srs., gostaria de deixar à reflexão de todos nós os resultados de recente estudo do Banco Mundial. Avaliam os técnicos daquele organismo que, com R$ 4,2 bilhões, ou seja, apenas 0,7% do PIB do ano, seria possível acabar com a miséria absoluta em que se arrastam 17 milhões de brasileiros. Ora, isso equivale a bem menos de um terço dos recursos a serem consumidos pelo Proer.

Enfim, se nada for feito pelo governo no biênio que lhe resta para resgatar suas prioridades originais, penso ser-lhe-á muito difícil, para não dizer impossível, persuadir a sociedade brasileira e sua representação congressual da justeza da tese da "reeleição já".

Muito obrigado, Sr. Presidente!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/07/1996 - Página 11463