Discurso no Senado Federal

DESEMPENHO DE DOIS ANOS DO PLANO REAL.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • DESEMPENHO DE DOIS ANOS DO PLANO REAL.
Publicação
Publicação no DSF de 29/06/1996 - Página 11065
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • AVALIAÇÃO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO FEDERAL, ESTABILIZAÇÃO, PLANO, REAL, REDUÇÃO, INDICE, INFLAÇÃO.
  • NECESSIDADE, ESTABILIZAÇÃO DE PREÇOS, MELHORIA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, QUALIDADE DE VIDA, IMPLEMENTAÇÃO, PROGRAMA, GARANTIA, RENDA MINIMA, POPULAÇÃO CARENTE.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), AUMENTO, DIVIDA PUBLICA, RECURSOS, PROGRAMA DE ESTIMULO A REESTRUTURAÇÃO E AO FORTALECIMENTO AO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (PROER).

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Exmº Senador Lauro Campos, Srªs e Srs. Senadores, no próximo dia 30 de junho, o Plano Real completará dois anos. É necessário que façamos uma reflexão a respeito do seu desempenho em relação aos objetivos traçados, avaliando o que foi positivo, o que deixou de ser feito e o que precisa ser feito com maior urgência para corrigir os rumos.

No que tange ao objetivo de se controlar a inflação, há de se reconhecer que houve progresso extremamente significativo, uma vez que em maio e junho de 1994 tínhamos inflação média de 47% ou 48%, e hoje esses índices caíram. Por exemplo, a média dos Índices de preços - Índice Geral de Preços e Disponibilidade Interna, Índice Geral de Preços de Mercado da Fundação Getúlio Vargas, Índice Nacional de Preços ao Consumidor da FIPE, o INPC - foi de 47,7% em junho de 1994 e esteve em torno de 1 a 1,5% no mês de maio de 1996. Não há dúvida, portanto, em relação ao fato de que houve diminuição significativa da inflação. Mesmo se analisarmos os primeiros cinco meses deste ano, uma inflação da ordem de 5,5%, acumulada, constitui um resultado que precisa ser reconhecido. Mas quais os pontos que representam um custo extraordinário e para os quais o Governo não tem dado a devida atenção - ou a atenção que tem sido dada é extremamente ineficiente?

Em primeiro lugar, a taxa de crescimento da economia tem sido bem aquém da potencialidade da economia brasileira. Crescer pouco mais de quatro por cento em 1995 e apresentar taxas de crescimento muito baixas no primeiro semestre de 1996 - houve taxa próxima da negativa no primeiro trimestre deste ano e ligeira recuperação neste segundo trimestre - é algo muito aquém do desejado, sobretudo em função de suas conseqüências sociais, sobretudo no que diz respeito ao desemprego.

Ontem, a Fundação SEADE e o Dieese publicaram que a taxa de desemprego em maio na Grande São Paulo foi a segunda maior desde janeiro de 1985. Ao todo, um milhão trezentos e sessenta e oito mil trabalhadores estavam desempregados em maio de 1996, correspondendo a 16,1% da população economicamente ativa. A maior taxa, de 16,2%, foi atingida em maio e junho de 1992.

O próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso, quando estava em Paris, há um mês, previu que a taxa de desemprego para este ano, avaliada pela Fundação IBGE, iria aumentar aproximadamente 6%, quando, no ano passado, foi de 5%. O Presidente não mostrou preocupação demasiada em relação a esse dado, mas, tentando justificar, disse que se tratava de uma taxa bem menor do que as da Europa, onde se verifica, em alguns países, índice de 12%. Sua Excelência não considerou, como bem disse há pouco o Senador Lauro Campos, o extraordinário esquema, o complexo de seguridade social existente nos países europeus, o que torna a taxa de desemprego algo menos grave.

Portanto, a gravidade da situação daqueles países não é comparável à do Brasil, pois não há qualquer cidadão europeu que, diante da perspectiva do desemprego ou de remuneração eventualmente muito baixa, não seja amparado por formas diversas de seguro-desemprego em condições muito melhores do que as do sistema vigente no Brasil. Eles têm formas de garantias de renda, as mais diversas, que fazem com que qualquer pessoa, ainda que desempregada, tenha uma remuneração suficiente para sobreviver com alguma dignidade.

Há outros obstáculos que precisam ser analisados, que fazem com que a economia brasileira, em que pese o sucesso do combate à inflação, mostre sinais de perigo e de crise eventual iminente. Por exemplo, conforme assinalou ontem, em artigo publicado na Folha de S.Paulo, o Economista Paulo Nogueira Batista Jr., de janeiro a abril de 96, o déficit consolidado no conceito operacional chegou a 3,65% do Produto Interno Bruto, mais do que o dobro registrado em igual período em 1995. A dívida pública federal em títulos aumentou nada menos do que 120% nos doze meses terminados em maio último e corresponde agora a mais de duas vezes e meia o valor das decantadas reservas internacionais no Banco Central. Por que isso? Isso reflete o déficit primário do Governo Federal, o efeito das elevadas taxas de juros sobre as suas contas e, além disso, fatores como o socorro às finanças dos Estados e a emissão de dívida para financiar assistência ao sistema financeiro público e privado.

Nos doze meses, até maio de 1996, o Proer e outras formas de auxílio do Banco Central a instituições financeiras produziram um impacto de nada menos do que R$16,4 bilhões. Considerando o número revelado pelo Diretor de Fiscalização do Banco Central, Cláudio Mauch, até meados de junho, o Proer já havia realizado um desembolso líquido da ordem de R$3,131 milhões. Considerando esse número, o Proer e mais outras formas de auxílio do Banco Central às instituições financeiras produziram um impacto líquido superior a R$17 bilhões, que representariam o suficiente para termos implantado, em 1996, nos termos mais amplos possíveis, por exemplo, o Programa de Garantia de Renda Mínima, que garantiria a toda pessoa com mais de 25 anos um complemento de renda da ordem de 30% da diferença entre R$240,00 e o nível de renda da pessoa.

Poderá dizer o Governo que esses R$17 bilhões não são propriamente recursos do Tesouro, como procurou assinalar outro dia o Presidente Fernando Henrique Cardoso. Sim, é verdade que se trata de gasto diferente daquele que seria um gasto fiscal. Mas sem dúvida representa um desembolso de recurso público, na forma de empréstimos, que, se não recuperados devidamente, acabarão tendo efeito semelhante ao do gasto fiscal.

Ontem, pela primeira vez, na entrevista coletiva do Ministro Pedro Malan, o Sr. Pedro Parente teve o cuidado de reconhecer que o Proer tem, sim, efeito sobre as contas do Governo, tem efeito e significativo. De um lado, como temos ressaltado, há efeitos no Tesouro, porque o Proer representa uma renúncia de receitas, e, de outro, porque, ao prover recursos a taxas bem menores do que as de mercado e na medida em que as garantias proporcionadas pelo Proer, pelos bancos beneficiários ao Governo, não são propriamente tão seguras, pode haver um prejuízo significativo.

Aqui estão as palavras de Pedro Parente, conforme registra hoje o Jornal do Brasil:

      "O socorro aos bancos privados dará prejuízo ao Tesouro, mas a conta ficará para o próximo Governo. A perda só será conhecida em três ou quatro anos."

São palavras bem diferentes daquelas do Presidente Fernando Henrique Cardoso, há alguns dias, onde Sua Excelência dizia que o Proer não representava dispêndio público por parte do Governo.

Diz a matéria do Jornal do Brasil, referindo-se a Pedro Parente:

      "Ele reconheceu que o Programa de Estímulo ao Fortalecimento e Recuperação do Sistema Financeiro (Proer) provoca perdas "pequenas".

      Parente explicou que os juros cobrados nos empréstimos aos bancos são "um pouco" inferiores às taxas de mercado."

Um pouco inferiores? TR mais Selic, TR mais 11% ao ano são taxas muito inferiores àquelas que qualquer correntista consegue obter junto ao seu banco.

      "Essa diferença está sendo coberta pelo Banco Central (BC). No fim de cada ano, os ganhos do BC são repassados ao Tesouro, que perde com a redução de um eventual lucro do BC provocada por essa perda. Em caso de prejuízo, o Tesouro absorve o resultado negativo.

      A outra perda, que só será conhecida a longo prazo, é referente às garantias recebidas pelo BC em troca do empréstimo. Os bancos que receberam os recursos deram como garantia, praticamente, apenas títulos do Fundo de Compensação da Variação Salarial (FCVS). Esses papéis têm baixa cotação, mas o BC aceitou, no caso do Proer, por seu valor de face. Ou seja, para os R$13,1 bilhões que emprestou, o BC recebeu R$15,7 bilhões em títulos do FCVS que, na prática, valem apenas R$7,8 bilhões.

Quanto será possível recuperar? O Banco Central e as autoridades monetárias não sabem responder com precisão.

      "Não é possível saber agora quanto desse prejuízo deixará de ser coberto com ativos reais dos bancos que o BC socorreu. A estimativa é de que essa parcela não será pequena, pois o BC assumiu a parte podre dos bancos. Podem entrar nessa conta também os bens de seus controladores e administradores. É por isso que o tamanho do prejuízo a ser coberto pela sociedade só será conhecido quando terminar o processo, inclusive a venda dos bens dos banqueiros."

E, por enquanto, não há qualquer notícia de venda dos bens dos banqueiros. As coisas vão-se passar muito lentamente e, enquanto isso, os bens dos acionistas controladores estão servindo para a acumulação e recuperação do valor do patrimônio dos banqueiros, porque ainda está em seu nome e não no do povo brasileiro, que os está ajudando através dos recursos que o Banco Central e as autoridades monetárias estão colocando no banco.

Assim, Sr. Presidente, é necessário, de um lado, reconhecer o que houve de positivo, mas, de outro, é preciso assinalar esses riscos, sobretudo, também, aquele risco envolvido na política cambial, ressaltando que entre junho de 94 e maio de 96 os preços médios ao consumidor, segundo o índice da FGV, medidos em dólares, aumentaram nada menos que 68%, e isso levou a conseqüências graves para a competitividade internacional da economia e a capacidade de gerar empregos. Não é à toa, portanto, que os indicadores de desemprego estão mostrando sinais desalentadores.

Ainda que tenha havido ligeira recuperação nas últimas semanas, nós ainda temos de alertar o Governo, que está muito longe de resolver o grande desafio de conseguir estabilidade de preços, crescimento acelerado da economia, compatibilizado com a melhoria da distribuição da renda e com o ataque frontal à miséria.

Ainda que possa a estabilização ter aliviado a situação da massa de miseráveis no Brasil, diante do desemprego essa situação não pode ser considerada adequada, pois deveria o Governo estar dando prioridade, deveria estar demonstrando a vontade, com a mesma energia que criou a medida provisória para instituir o Proer, de, por um lado, realizar a reforma agrária e, por outro, instituir programas de política econômica que signifiquem melhoria da distribuição da renda. E, dentre esses programas, temos insistido em sugerir para o Governo que seja instituído o Programa de Garantia de Renda Mínima.

Há um número crescente de economistas que vêm falando positivamente a respeito dessa proposição. Ainda nas páginas amarelas desta semana, o economista Álvaro Zini, da Universidade de São Paulo, especialista em câmbio e em economia internacional, realizou, junto com o economista Jeffrey Sachs, um importante estudo a respeito de como alguns Estados brasileiros vêm tendo uma taxa de crescimento interessante. Esse estudo de Álvaro Zini descobriu que a tendência da distribuição de renda entre os Estados brasileiros poderá se equilibrar com o tempo, como aconteceu com a Austrália, os Estados Unidos e outros países continentais.

No ritmo atual, é possível imaginar que, num futuro não muito distante, o Brasil venha a ser mais equilibrado. Mostra que o Estado de Minas Gerais tem hoje uma renda per capita 8,3 vezes mais alta do que há 55 anos, já descontados o crescimento da população e a inflação. Ainda que existam regiões miseráveis como o Vale do Jequitinhonha, parecido com o sertão nordestino, destacou que a vida da maioria dos mineiros, nesses 55 anos, melhorou.

Em segundo lugar, vem o Espírito Santo, cuja renda per capita cresceu oito vezes nesse período. Outra grande surpresa é o Estado de Sergipe, que teve o quarto melhor desempenho entre os Estados. Todos imaginam que Sergipe seja um Estado miserável, que parou no tempo, mas isso não é verdade.

O SR. PRESIDENTE (Lauro Campos) - Senador Suplicy, advirto V. Exª de que o seu tempo regimental encontra-se esgotado. O Regimento para conosco é bem diferente daquele que permitiu, por exemplo, ao nosso eminente colega Antonio Carlos Magalhães usar da palavra por uma hora e vinte minutos. E não poderei ter a mesma condescendência que V. Exª teve para comigo.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Permita-me, então, prezado Senador Lauro Campos, assinalar uma das observações de Álvaro Zini, quando perguntado, pela revista Veja, sobre qual o efeito das políticas públicas no desenvolvimento das regiões mais pobres do país. Respondeu ele:

      "Nosso estudo mostra que a política de subsídios da Sudene, a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste, e da Sudam, a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia, é equivocada e ineficaz. O período entre 1965 e 1975 foi o de maior distância entre a pobreza do Nordeste e da Amazônia e a riqueza das outras regiões do país. Foi também o período em que os subsídios para a Sudene e a Sudam foram maiores. O governo dava isenção de impostos às grandes empresas, mas muitas delas não construíam a fábrica na Amazônia ou no Nordeste. Aproveitavam o dinheiro para aumentar as atividades nas regiões ricas do país. Foi um fracasso como fórmula de desenvolvimento regional. Um instrumento mais eficiente seria o programa de renda mínima. Quando se dá um salário mínimo a cada chefe de família com filho na escola, eleva-se o nível de renda dos miseráveis e movimenta-se a economia local. Isso tudo sem alimentar o círculo vicioso da pobreza, do latifúndio e do coronelismo."

Gostaria de assinalar também a coluna de Míriam Leitão, em O Globo, de 26/06/96, sob o título: "Mínimo Social", em que ressalva:

      "O programa de Renda Mínima de Campinas, pelos efeitos que produziu, está sendo olhado cada vez com mais interesse. Hoje existem 12 cidades implantando o programa, e em 60 outras, a câmara de vereadores está analisando essa possibilidade. Campinas é governada pelo PSDB, mas isso não diminui o entusiasmo do senador Eduardo Suplicy, do PT, pela aplicação, na prática, de uma idéia que se tornou uma de suas obsessões."

Ressalta que não se trata de uma idéia minha, mas, sim, da humanidade, e registra o aspecto positivo. Disse, em entrevista a ela, que essa não era uma idéia do PT, mas uma idéia dos economistas, dos humanistas, dos pensadores maiores da humanidade. Assim, não entendia por que o Governo Fernando Henrique está, até agora, impondo barreiras, até de natureza intelectual, pessoal e partidária, para examiná-la.

Ontem conversei com o Ministro Antônio Kandir, solicitando a oportunidade de uma audiência com o Deputado Germano Rigotto, preparatória de uma audiência com o Presidente Fernando Henrique Cardoso, antes que Sua Excelência, eventualmente, vete o art. 30 da Lei de Diretrizes Orçamentárias do ano que vem, aprovada anteontem pelo Plenário do Congresso Nacional. Esse artigo estabelece que, em 1997, o Governo poderá destinar recursos para a implantação do Programa de Garantia de Renda Mínima. Relembro que está em termos facultativos, mas, obviamente, representa uma recomendação do Congresso Nacional ao Governo e, para isso, faz-se necessário que a Câmara dos Deputados vote, em agosto, o Programa de Garantia de Renda Mínima. Ou seja, trata-se do parecer do Deputado Germano Rigotto, que acaba de fazer sugestões aprimorando o projeto e, em termos extremamente factíveis, gradualmente implementando o Programa numa forma de adequá-lo à possibilidade financeira do País.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/06/1996 - Página 11065