Discurso no Senado Federal

PROIBIÇÃO DA CIRCULAÇÃO NO BRASIL DO LIVRO UMA ESTRELA SOLITARIA, DO JORNALISTA RUI CASTRO, SOBRE A VIDA DO JOGADOR MANE GARRINCHA, TENDO EM VISTA AÇÃO JUDICIAL MOVIDA PELA FAMILIA.

Autor
José Eduardo Dutra (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: José Eduardo de Barros Dutra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CULTURAL.:
  • PROIBIÇÃO DA CIRCULAÇÃO NO BRASIL DO LIVRO UMA ESTRELA SOLITARIA, DO JORNALISTA RUI CASTRO, SOBRE A VIDA DO JOGADOR MANE GARRINCHA, TENDO EM VISTA AÇÃO JUDICIAL MOVIDA PELA FAMILIA.
Publicação
Publicação no DSF de 06/07/1996 - Página 11566
Assunto
Outros > POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • PROTESTO, PROIBIÇÃO, CIRCULAÇÃO, LIVRO, BIOGRAFIA, MANE GARRINCHA, ATLETA PROFISSIONAL, FUTEBOL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), MOTIVO, AÇÃO JUDICIAL, FAMILIA, PREJUIZO, LIBERDADE DE IMPRENSA, INFORMAÇÃO, HISTORIA, ESPORTE, BRASIL.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (PT-SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, aproveito esta sessão concorridíssima, nesta sexta-feira de convocação extraordinária, que à primeira vista pode parecer menor, mas que a meu ver pode trazer repercussões profundas na nossa democracia, para fazer um registro. 

Vivemos um tempo em que livros e publicações eram censurados, cortados, proibidos de circular. Todavia, há um livro, não obstante o fato de estarmos vivendo uma democracia e de a Constituição ter abolido a proibição da circulação de livros e de publicações em geral, que está proibido de circular em todo o território nacional há seis meses. Esse assunto foi afastado da grande imprensa. Não sei se esse episódio já foi registrado nesta Casa; se não foi, faço-o agora mediante este pronunciamento.

Refiro-me ao livro "Uma estrela solitária", do jornalista Ruy Castro. Trata-se da biografia, ao mesmo tempo trágica e gloriosa, do grande jogador do Botafogo e da Seleção Brasileira, Mané Garrincha. A obra é resultado de uma pesquisa ampla, de muito fôlego, uma pesquisa séria - como, aliás, é característica desse jornalista, que publicou também um livro sobre a Bossa Nova e uma biografia de Nelson Rodrigues. O livro teve sua distribuição suspensa há seis meses em decorrência de ação impetrada pela família de Mané Garrincha, alegando que o livro denigre a imagem do ex-jogador.

Qualquer pessoa que tenha lido esse livro tem impressão exatamente contrária. Na verdade, a biografia exalta a figura de Mané Garrincha. Ao contrário do que diz a família, o livro joga por terra diversas versões que foram publicadas durante anos e que denegriam a imagem do jogador. O autor fala sobre a exploração de Garrincha por parte de dirigentes do Botafogo e até por políticos da época, que se aproveitavam da popularidade do jogador para obterem dividendos políticos e financeiros. Mostra ainda o quanto o conservadorismo da nossa sociedade contribuiu para a sua destruição.

Ontem o jornal O Globo publicou matéria sobre esse assunto, mas infelizmente o fez no Segundo Caderno. A meu ver, à reportagem poderia ter sido dada maior ênfase. Ela poderia exprimir até o repúdio por parte da imprensa e da sociedade. O jornalista Sérgio Augusto pergunta:

      "Por que durante tanto tempo a família de Garrincha se absteve de processar jornais e revistas que ao longo de diversos anos se fartaram de pintar Garrincha como idiota, quando não assacaram histórias pouco dignas a seu respeito? Inventaram até que ele era filho de sua própria irmã, difamação desmentida por Ruy Castro, com um simples piparote biológico: a suposta verdadeira mãe de Garrincha, sua irmã Rosa, era apenas oito anos e meio mais velha que ele".

Diz mais adiante Sérgio Augusto:

      "As filhas de Garrincha só saíram em campo desta vez porque só desta vez apareceu um espertalhão em suas vidas, com um anel de advogado no dedo."

E aí vemos que a história, 30 anos depois, se repete. O próprio livro de Ruy Castro mostra que um advogado inescrupuloso, na época, se utilizou da fama de Garrincha para enganar, inclusive, a ex-esposa de Garrincha, movendo diversos processos. Inclusive este advogado ficou com grande parte dos recursos oriundos dessas ações.

Agora vemos que um livro muito bem escrito, um livro - volto a registrar - que foi objeto de uma pesquisa bastante rigorosa, está proibido de circular em todo o Território Nacional, por uma ação na Justiça.

E como registra bem o jornalista Sérgio Augusto, além de ser um absurdo jurídico, porque é uma proibição que claramente se choca com a Constituição, até agora a Justiça simplesmente proibiu a sua circulação, mas não julgou o mérito da acusação. Ele diz, corretamente, o seguinte: que isso é o mesmo que manter uma pessoa presa sem provas.

Além disso, na semana passada, a Justiça do Rio, em vez de resolver de uma vez por todas essa pendenga, ampliou o embargo do livro "Estrela solitária" por mais tempo. Os advogados do autor do livro, o jornalista Ruy Castro, da Editora Companhia das Letras, havia impetrado recurso contra a proibição, cabulosamente negado por problemas de técnica processual.

A alegação da família é a de que o livro denigre a imagem de Garrincha pelo fato de revelar um aspecto que era público e notório, que era o seu alcoolismo. E como diz César Augusto, também na sua matéria, omitir em uma biografia essa passagem da vida de Garrincha seria o mesmo que contar a história de Napoleão sem mencionar a Batalha de Waterloo, ou esconder que Karl Marx sofria de hemorróidas, que Engels tinha uma amante, que Baudelaire era sifilítico, que Edison explorava os empregados, que Gandhi sofria de prisão de ventre etc. etc.

O que vemos é que existem algumas biografias que foram publicadas neste nosso País, a exemplo desta, a exemplo da de Nelson Rodrigues, a exemplo da de Assis Chateaubriand, de autoria de Fernando de Moraes, que em um país como o nosso, onde existe tanta preguiça de estudar a nossa história, essas biografias que são feitas, de maneira rigorosa, de maneira séria, têm dado uma contribuição para que, através da sua leitura, grande parte da nossa população aprenda fatos importantes da história do nosso Brasil. E a vingar esse tipo de ação, tranqüilamente nenhuma editora deverá ousar em publicar biografias no futuro porque poderá estar sujeita a ações decorrentes, muitas vezes, de oportunismo de alguns advogados e até pela falta de honestidade de algumas pessoas.

Portanto, neste momento, registro a minha solidariedade ao autor do livro, o meu protesto pelo fato de estarmos vivendo hoje, em plena democracia, essa situação, com um livro que está há seis meses proibido de circular no nosso País.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/07/1996 - Página 11566