Discurso no Senado Federal

DIA INTERNACIONAL DE COMBATE AS DROGAS.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. DROGA.:
  • DIA INTERNACIONAL DE COMBATE AS DROGAS.
Publicação
Publicação no DSF de 27/06/1996 - Página 10864
Assunto
Outros > HOMENAGEM. DROGA.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, COMBATE, DROGA, ANALISE, GRAVIDADE, EFEITO, HOMEM, FAMILIA, SOCIEDADE, CRIME.
  • ANALISE, FALTA, POLITICA NACIONAL, ESCLARECIMENTOS, MOBILIZAÇÃO, SOCIEDADE, COMBATE, DROGA, NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, LEGISLAÇÃO, PREVENÇÃO, REPRESSÃO, RECUPERAÇÃO, VICIO, DIFERENÇA, PENA, USUARIO, TRAFICANTE.

           O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, comemora-se, hoje, o Dia Internacional de Combate às Drogas. O vinte e seis de junho é a data que a Organização das Nações Unidas resolveu consagrar como dia mundial de reflexão sobre esse assunto que afeta tão de perto todos os povos. Como bem sabemos, nosso País também conhece de perto esse flagelo. Contra ele, todo o mundo, cada país, deve mobilizar-se permanentemente. Tem, entretanto, a escolha de uma data específica, o mérito de ampliar a conscientização geral e, em conseqüência, desencadear ações para combate ao que se configura como um dos males sociais que mais caracterizam esse final de século.

           A questão das drogas entorpecentes ocupa, esporadicamente, a atenção da nossa opinião pública, mas a sociedade brasileira ainda não se conscientizou, na extensão e profundidade devidas, da gravidade e magnitude do problema.

           A dependência física e psicológica causada pelos entorpecentes é uma tragédia pessoal que atinge uma multidão crescente de brasileiros. Mas a maioria da população ainda não percebe que esse golpe do destino faz parte de uma onda que se propaga, e que pode alcançar a casa de qualquer um, a qualquer hora, ferindo filhos, pais, irmãos, namorados, amigos.

           A nocividade das drogas destroça os indivíduos; através deles, se abate sobre as famílias. A sociedade é atingida duplamente: pelo somatório de todo esse sofrimento, e pelas conseqüências que o uso e o tráfico de drogas traz como grande reforço e estímulo à criminalidade.

           Efetivamente, a pessoa prisioneira do vício, em seu desespero malsão, se vai afastando dos bons valores e inclina-se à prática de crime; cometerá quase qualquer ato para conseguir ter acesso ao tóxico do qual se tornou dependente. Por outro lado, o traficante, o profissional criminoso desse mercado infernal, por definição, coloca-se à margem da lei e da moral, e vai reforçar as malhas subterrâneas das mais variadas e anti-sociais práticas de delinqüência.

           A droga é uma chaga social, é patologia que atinge a sociedade inteira. Está em todos os lugares, penetra todas as camadas sociais. Ataca nas capitais e no interior, espraia-se por todos os Estados do Brasil. Invade escolas, salões de festa, clubes sociais, residências e locais públicos.

           As drogas entorpecentes fazem vítimas de todas as idades, mas sua ação maléfica atinge sobretudo a juventude, até mesmo os adolescentes. Realmente, os primeiros atingidos são, principalmente, os jovens, levados a enfrentar os perigos das drogas em uma idade na qual dificilmente são capazes de posicionamentos existenciais firmes.

           De fato, é grande a vulnerabilidade dos jovens às drogas, até mesmo por curiosidade, ou por afirmação de uma espécie de cultura tribal contestadora do mundo dos adultos. Os mercenários do comércio de entorpecentes são hábeis em abrir a alma dos jovens ao vício, principalmente na ausência de uma pregação presente, atuante, esclarecedora e convincente por parte das famílias, das escolas, da sociedade organizada e do poder público.

           Estamos, pois, sendo agredidos por uma praga, por uma epidemia, mas ainda não soubemos, como nação, articular uma reação à altura desse desafio. Nem o Governo, nem as instituições não-governamentais assumiram seus devidos papéis: o de formular políticas públicas eficazes, o de esclarecer maciçamente, o de mobilizar a sociedade.

           Quanto à legislação, muito há o que aperfeiçoar; é trabalho para os legisladores, para os representantes do povo. O legislador também deve chamar a atenção das autoridades, sensibilizá-las, para que corrijam os rumos de sua atuação; ele pode ampliar os recursos governamentais; e cabe-lhe estimular a sociedade organizada.

           Há que pensar, sim, em medidas de repressão. Mas não se pode ter como meta apenas reprimir. É muito importante a ação de prevenção. É preciso ter programas de tratamento e recuperação de dependentes químicos. Deve-se lutar contra os preconceitos em relação aos dependentes das drogas. Não se pode simplesmente abandoná-los.

           A existência de mais de cem proposições, em tramitação nas duas casas do Congresso Nacional, que tratam de matéria relativa ao uso e ao tráfico de drogas, é uma demonstração evidente da real preocupação dos parlamentares brasileiros com a questão. Trata-se de um reflexo sadio do interesse pelo assunto que começa a surgir no seio da população. Percebe-se o mesmo interesse em muitas Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais pelo País afora. É o Poder Legislativo, como é seu dever, funcionando, em todas as esferas, como caixa de ressonância da sociedade.

           A maioria dos projetos de lei apresentados nesta Casa ou na Câmara dos Deputados visa a alterar o enfoque legal vigente sobre os tóxicos, principalmente diferenciando mais nitidamente entre o usuário e o traficante. Ao usuário que se mostre inofensivo à sociedade, a tendência é atribuir penas mais leves ou, preferencialmente, isentá-lo da pecha de criminoso. Isto é, descrimina-se o uso. Os dependentes de drogas, segundo a maioria das proposições, passam a ser encarados como "doentes sociais", exceto em certas circunstâncias, como quando se mostrarem violentos, assumirem a condução de veículos automotores ou, em geral, se apresentarem em condição que dificulte o controle sobre eles.

           Já em relação aos traficantes, essas mesmas proposições prevêem um endurecimento das penas atuais. O consenso é que os traficantes deveriam caracterizar-se, com maior ênfase do que hoje, como proscritos sociais.

           Essas tendências da legislação proposta parecem-nos salutares e representariam um avanço, caso adotadas. Algumas proposições em tramitação chegam mesmo a propor um alto grau de descriminação do usuário, adotado apenas em alguns poucos países europeus. Sabe-se que, nesses países, programas mais ousados admitem o consumo aberto para, em compensação, controlar melhor o comércio de entorpecentes e minimizar a ação dos traficantes.

           Na Holanda, por exemplo, há muitos anos está vigente uma divisão entre o que se convencionou denominar "drogas leves" (como maconha e haxixe) e "pesadas" (como LSD, cocaína e heroína). As drogas leves são vendidas livremente em estabelecimentos especializados, com algumas limitações acauteladoras, como dose máxima de venda permitida por usuário. Quanto às drogas pesadas, não há permissão oficial de venda, mas os dependentes contam com a ajuda das autoridades, como doação de seringas, para assegurar o seu estrito uso individual, e ainda proteção policial em locais onde os dependentes se reúnem usualmente.

           Os defensores dessas formas extremas de descriminação do uso têm fortes argumentos a favor da política de liberação: no caso de alguns programas, há anos estão praticamente estacionados os números de internação em clínicas de recuperação de viciados e de atendimento a doentes de AIDS. Na verdade, o melhor resultado, nesses programas, está na questão sanitária, pois registrou-se mesmo redução dos casos de AIDS e de hepatite.

           Naturalmente, essa liberação é acompanhada de campanhas públicas que mostram o perigo das drogas. É de se notar também que esses graus maiores de descriminação registram seus próprios problemas. Por exemplo, constatou-se ser muito alta a mobilidade de dependentes e traficantes, que se deslocam entre regiões e países, dificultando, para as autoridades, o controle da dependência. Outro exemplo: a cidade de Zurique, na Suíça, depois de manter por vários anos um programa de distribuição de seringas e proteção policial em determinado logradouro da cidade, ponto de encontro de dependentes, suspendeu a prática, por dificuldade de manter o controle da situação, incluída aí a ordem pública.

           No Brasil, não se tem a liberação oficial e legal do uso da maconha, mas observa-se tendência de maior tolerância em relação ao consumo e ao usuário, que já não são tão mal vistos como há vinte anos. Conforme indicou pesquisa de opinião recentemente realizada nas principais capitais brasileiras, o contingente a favor da descriminação do usuário de maconha passou, em um ano, de vinte por cento a quarenta e um por cento. Nessa pesquisa, vinte por cento dos pesquisados declararam já ter experimentado maconha.

           Evidentemente, nossa abordagem não poderá ser tão tolerante em relação à heroína e à cocaína, e aos derivados dessa última, como "merla" e "crack". São drogas pesadas, cujo uso traz seqüelas extremamente graves, e pode mesmo ser letal.

           Mas é válida a descriminação em si, isto é, o usuário não deve ser apenado com prisão simples, detenção ou reclusão. Essas são penas que, em grau rigoroso, devem ser reservadas aos traficantes. É mais apropriado, ao punir o usuário, levá-lo a prestar serviços comunitários e limitar sua liberdade de deslocar-se de seu domicílio. Em relação aos dependentes de drogas que delas queiram afastar-se, medida positiva de grande alcance seria que o Estado lhes oferecesse proteção contra a ação dos traficantes que os forçam ao consumo.

           Quanto ao tratamento à questão das drogas dado pelo Poder Judiciário, lamentavelmente, somos obrigados a reconhecer que os processos judiciais tramitam com uma morosidade impressionante. Essa lentidão, muitas vezes, favorece os traficantes. Por outro lado, no que concerne ao usuário, ela distancia as condições físicas usuais do acusado dos exames de dependência toxicológica, quase sempre realizados quando o usuário já deixou o vício ou dele está temporariamente afastado. Assim, não sendo provada a dependência, o portador torna-se passível de ser qualificado como traficante, quando, na verdade, necessita de tratamento. Além disso, nem sempre a verdade processual será alcançada, ainda que se observem todos os ritos, prazos e requisitos procedimentais, pois há fatores como o falso testemunho, as provas produzidas artificialmente, os flagrantes preparados e outras tantas práticas que contribuem para o resultado punitivo, mas não para se alcançar a verdade.

           Ao concebermos políticas e legislação sobre as drogas ilegais, não nos devemos omitir da questão das drogas legalizadas, o álcool e o fumo. É preciso reduzir a influência nefasta da publicidade que as promove. Especialmente, cumpre-nos impedir o acesso de crianças e adolescentes ao álcool, causa de tanta violência, e de tantas mortes no trânsito.

           A propósito, ainda, das drogas em geral, principalmente as ilegais, cabe destacar que uma das principais causas de sua disseminação entre os adolescentes brasileiros reside, sem dúvida alguma, no fato de nosso sistema escolar não funcionar em tempo integral, uma falha gritante. A ausência de atividades escolares, principalmente entre as populações de baixa renda, leva os jovens a buscar novas experiências para ocupar o tempo vago, ou para fugir da situação da miséria. A busca da droga é a saída doentia para suprir, compensar, atender necessidades decorrentes de baixa auto-estima, de insegurança, ansiedade, compulsão de fazer algo; de falta de amor, de amizade e de solidariedade humana.

           As escolas, ao não oferecerem oportunidades para maior integração e realização, por meio de práticas esportivas, culturais e artísticas, ou pelo aprendizado profissionalizante, contribuem para a geração de muitos milhares de histórias individuais trágicas. A imprensa de repercussão nacional dá, diariamente, notícia dessas tragédias que empolgam jovens adolescentes.

           Em suma, Sr. Presidente, o combate às drogas entorpecentes em nosso País depende de muitas medidas a serem ainda tomadas, e devem-no ser com urgência: nova legislação, novas políticas públicas, tratamento especializado para os dependentes, novos procedimentos judiciais e a mobilização de muitos setores da sociedade. Principalmente, precisamos de campanhas intensas, extensas, permanentes, eficazes, de conscientização, de esclarecimento e de convencimento.

           Só assim teremos a possibilidade de inserir uma juventude mais sadia no futuro de um Brasil mais feliz.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/06/1996 - Página 10864