Discurso no Senado Federal

APREENSÃO COM A PRIVATIZAÇÃO DA VALE DO RIO DOCE E A SITUAÇÃO DOS GARIMPEIROS DE SERRA PELADA.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • APREENSÃO COM A PRIVATIZAÇÃO DA VALE DO RIO DOCE E A SITUAÇÃO DOS GARIMPEIROS DE SERRA PELADA.
Aparteantes
Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 05/07/1996 - Página 11537
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO, OFERTA, RECURSOS, PRIVATIZAÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), GOVERNADOR, DEFESA, PROJETO DE LEI, AUTORIA, JOSE EDUARDO DUTRA, SENADOR, ANALISE, INFERIORIDADE, AVALIAÇÃO, EMPRESA ESTATAL, PREJUIZO, BRASIL, PERDA, INSTRUMENTO, DESENVOLVIMENTO.
  • CRITICA, GOVERNO, SUBSIDIOS, ENERGIA ELETRICA, UTILIZAÇÃO, USINA, ALUMINIO, AUMENTO, DIVIDA, OBRA PUBLICA, USINA HIDROELETRICA, FERROVIA, BENEFICIO, CAPITAL ESTRANGEIRO.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB-PA. Como Líder, pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria também de manifestar a minha preocupação com essa questão da privatização da Vale do Rio Doce. Hoje, todos os jornais do País falam disso.

Quando se começou a discutir a privatização da Vale do Rio Doce, falava-se que o seu preço era de R$12 a R$14 bilhões, mas, agora, a maioria dos jornais cita valores entre R$9 e R$10 bilhões. Percebemos aí um novo instrumento de governo no sentido de quebrar as barreiras políticas que poderiam existir contra a privatização da Vale do Rio Doce. Trata-se da oferta, feita pelo Governo Federal, de recursos obtidos com a venda da Vale do Rio Doce a Governadores de Estado onde ela atua. Desta maneira, percebemos alguns Governadores, que sempre tiveram posição contrária à venda da empresa, começarem a admitir a possibilidade dessa operação.

Estou vendo, Sr. Presidente, a Vale do Rio Doce e o próprio Governo usarem, na questão da privatização dessa empresa, a mesma forma de atuação usada para expulsar os garimpeiros de Serra Pelada. Ou seja, eles estão tentando dividir o movimento, tentando quebrar a sua resistência, comprando garimpeiros, prevalecendo-se do seu estado de miséria, de necessidade, de fome, comprando suas casas e, ao mesmo tempo, na medida em que eles aceitam a indenização, quebram a sua casa para que outro não venha a ocupar aquela área. Ele quer se tornar dono de toda a área de Serra Pelada e de Serra Leste.

Lamento profundamente esse fato e volto a fazer um apelo às Lideranças do Governo nesta Casa, pois é importante nos fortalecermos com os instrumento necessários para que possamos dar o direito ou não ao Governo de privatizar a Vale. Esse instrumento é a lei feita pelo Senador José Eduardo Dutra. Se essa lei fosse aprovada no Congresso Nacional, o Governo seria obrigado a oferecer uma proposta que fosse fruto do consenso e do entendimento de todos.

Fico extremamente preocupado pelas razões já colocadas pelo Senador Jader Barbalho. Esse valor, que era de R$14 bilhões, agora baixa para R$9 ou R$10, como estão nos jornais - e S. Exª já fala em R$6 bilhões -, enquanto o Governo gasta R$10 bilhões ao mês para renovar a sua dívida interna. O que o Brasil ganha com isso? Nada. Ao contrário, ele perde um instrumento de poder político. O Governo perde um instrumento estratégico para o nosso desenvolvimento.

Os japoneses e os australianos estão loucos para comprar a Vale do Rio Doce, tentando formar consórcios para se tornarem donos dessa grande empresa.

Ora, somente a mina que dizem ter descoberto em Serra Leste, com 150 toneladas de ouro, equivale a R$2 bilhões. Evidentemente, é necessário um investimento para se retirar esse ouro, mas ninguém sabe exatamente a quantidade existente. Eles disseram que são 150 toneladas.

Tenho um pedido de informação à Vale do Rio Doce para que envie ao Senado Federal o local onde foi feita a prospecção do ouro, os seus pontos, a quantidade de furos feitos e a prova de que essa área realmente lhe pertence. Encaminhei essa solicitação há mais de 30 dias, mas ainda não recebi resposta.

O Sr. Pedro Simon - V. Exª me permite um aparte?

O SR. ADEMIR ANDRADE - Ouço V.Exª com satisfação.

O Sr. Pedro Simon - Os pronunciamentos de V.Exª e do Senador Jader Barbalho vêm num momento muito importante e tremendamente significativo. Na verdade, é de se estranhar que o projeto do Líder do PT para que o Congresso decida se é a favor ou contra a privatização da Vale do Rio Doce, feito antes de o Governo agir, esteja engavetado. Enquanto isso, o Governo está agindo, e vem nos dizer que se compromete a nos mandar 30 dias antes de começar a privatização. Mas não é isso que estamos discutindo, e sim se ela deve ou não acontecer. V. Exª está falando com muita retidão: seriam R$12 bilhões, o que já era um absurdo; baixaram para R$6 bilhões, sem falar na moeda podre que vai entrar na transação. Não sabemos o que vai entrar de dólar, de dinheiro, de real. Volto a dizer que considero um escândalo nacional. Creio que será o fato mais grave, mais negativo da História do Brasil a privatização da Vale. Repito: se o mundo inteiro está partindo para a privatização, para a internacionalização da economia, tudo bem! Mas o que o Brasil deve fazer é pegar as 40 empresas da Vale e distribuí-las, soltá-las, para que sejam privatizadas uma a uma. Mas privatizar a Vale, o seu extrato, o seu conhecimento, os seus técnicos, os seus cientistas, aquele mundo? É uma loucura privatizar a empresa mais moderna do mundo, a que detém as maiores reservas. Como V. Exª, que é do Pará, no momento em que a empresa australiana comprar a Vale do Rio Doce, distinguirá o que vai ou não para o interior do seu Estado, os jatos que saem e que não saem de lá, do interior da Amazônia? Só as reservas, as licenças, o que já está em poder da Vale para poder fazer a pesquisa e perfurar é uma infinidade. Com toda a sinceridade, custo a crer nisso. Não vejo, no mundo, um exemplo semelhante a este. A Vale é um caso inédito. É a empresa mais moderna no mundo, a mais atuante. Não existe, em outro lugar do mundo, uma empresa que tenha em suas mãos praticamente todas as reservas do subsolo. Existe uma de níquel, outra de chumbo, outra de aço, outra de extrativismo, mas uma que tenha a generalidade do subsolo não existe. Nós vamos entregar o nosso subsolo a uma empresa? Isso é maluquice. Juro por Deus, não me entra na cabeça uma coisa como essa! Trago minha solidariedade ao pronunciamento de V. Exª, mas me apavoro. Acho muito feio o que o Governo está fazendo, ou seja, barganhas com os Governadores - e, como bem disse V. Exª, com aqueles que sempre foram contra -, oferecendo, por exemplo, R$500 milhões em infra-estrutura ou a compensação das dívidas para que instruam suas Bancadas a votarem a favor da privatização. Isso é triste, muito triste! Digo a V. Exª que este é o caso mais grave, mais sério, de maior responsabilidade que este Congresso e o Governo do Senhor Fernando Henrique Cardoso tem. Nesses termos, penso que nenhuma política neoliberal, em nenhum outro lugar do mundo, faria o que Sua Excelência está querendo fazer.

O SR. ADEMIR ANDRADE - Agradeço a V. Exª.

Quero registar, Senador Pedro Simon, que o Governo, quando deseja realizar certas obras, atendendo a necessidades de alguns projetos, toma dinheiro emprestado, faz crescer nossa dívida pública. É o caso da Hidrelétrica de Tucuruí; o Governo tomou US$6 bilhões emprestados para construí-la. É o preço que falam em vender a Vale do Rio Doce. Ora, para quem serviu a Hidrelétrica de Tucuruí? Exclusivamente para os três megaprojetos minero-metalúrgicos, dois deles de propriedade da Vale do Rio Doce: a Albrás/Alunorte, em Barcarena, que é o projeto de alumínio; o Projeto Carajás; e o Alcoa, no Maranhão, que é multinacional, com a Camargo Corrêa, etc.

As duas usinas de alumínio, Albrás e Alcoa, consomem 40% da energia produzida na Hidrelétrica de Tucuruí, a um preço subsidiado. Quer dizer, o Governo toma dinheiro emprestado para construir a hidrelétrica, paga juros sobre esse dinheiro, e, no entanto, a Albrás, a Alunorte e a Alcoa, no Maranhão, recebem energia subsidiada, fato que está gerando um prejuízo anual para a Eletronorte de R$200 milhões; e esse contrato de subsídio vai até o ano 2004. Então, somando os dez anos iniciais, a partir da inauguração daquela hidrelétrica, com os oitos anos que faltam para o ano 2004, teremos dezoito anos de prejuízos, a um valor anual de R$200 milhões, o que dá um prejuízo final de R$3,6 bilhões para a Eletronorte com o fornecimento de energia.

Os consórcios multinacionais organizados em torno da Vale estão querendo construir a segunda fase da Hidrelétrica de Tucuruí, produzindo, assim, energia elétrica para seu próprio consumo.

Coisas como essas não podem ser aceitas.

Vem agora o Governo tentar comprar Governos de Estados, prefeitos municipais, políticos de uma maneira geral, dizendo que o dinheiro da Vale será aplicado em diversas coisas: primeiro, para pagar a dívida interna; depois, para resolver a dívida do Estado; e, agora, fala-se em fazer obras que obrigatoriamente, naturalmente, deveriam ser feitas pelo Governo.

O Governo foi capaz de fazer uma ferrovia de U$1 bilhão, com novecentos quilômetros de extensão, para exportar o nosso minério, tomando mais dinheiro emprestado para essa obra. Nesse momento, vemos que há dinheiro para a construção de uma ferrovia que envolve o interesse do capital internacional; no entanto, quando se trata, por exemplo, de asfaltar 1.560 quilômetros da rodovia Transamazônica, a um custo de US$200 milhões, não há dinheiro, porque essa obra interessa ao cidadão comum, ao colono, ao produtor rural, ao homem da região.

No entanto, para uma ferrovia de US$1 bilhão, uma hidrelétrica de US$6 bilhões, consegue-se dinheiro facilmente. Essa Hidrelétrica de Tucuruí não serve energia para a Amazônia, apenas para o Estado do Pará, e, mesmo assim, fornece menos de 50% do que meu Estado necessita. E, repito, para isso tem dinheiro.

Agora, depois de tudo construído às custas do Governo - energia, ferrovia, infra-estrutura, tudo isso o Governo fez tomando dinheiro emprestado -, entrega a preço de banana a grupos multinacionais, japoneses, australianos, ansiosos por serem proprietários dessa grande e poderosa empresa. E tudo isso sem que se diga à população o que está no subsolo, qual é o potencial que existe na verdade. Não conhecemos - aliás, nem o DNPM conhece - a quantidade que lá existe de ouro, de cobre.

Sobre essa questão, é necessário refletir-se muito. A sociedade brasileira precisa compreender esse processo que se está tentando montar, interferir e buscar aquilo que de fato seja melhor para este País.

Espero que Governadores aperreados, apertados, em dificuldades financeiras, não olhem para o seu umbigo no sentido de resolver o seu problema imediato, esquecendo-se, entretanto, que o Brasil é muito mais importante do que um problema de curto prazo.

Muito obrigado, Srª Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/07/1996 - Página 11537