Discurso no Senado Federal

MUDANÇAS VERTIGINOSAS NOS SISTEMAS CAMBIAIS E FINANCEIROS DE TODOS OS PAISES DO MUNDO EM VIRTUDE DO PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO.

Autor
Gilberto Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AM)
Nome completo: Gilberto Miranda Batista
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • MUDANÇAS VERTIGINOSAS NOS SISTEMAS CAMBIAIS E FINANCEIROS DE TODOS OS PAISES DO MUNDO EM VIRTUDE DO PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 13/12/1995 - Página 5629
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, TRANSFORMAÇÃO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, MUNDO, DIREÇÃO, GLOBALIZAÇÃO, ECONOMIA, COMENTARIO, OMISSÃO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), BANCO MUNDIAL, DESEQUILIBRIO, PROCESSO.
  • NECESSIDADE, ESTUDO, CRISE, ECONOMIA, PAIS ESTRANGEIRO, MEXICO, OBJETIVO, PREVENÇÃO, FALTA, ESTABILIDADE, BRASIL, IMPORTANCIA, EXATIDÃO, INFORMAÇÃO, POLITICA, GOVERNO.
  • ANALISE, FATOR, ATRAÇÃO, INVESTIMENTO, AMBITO INTERNACIONAL, TAXAS, JUROS, CONFIANÇA, SEGURANÇA, GOVERNO, DETALHAMENTO, NORMAS, POLITICA CAMBIAL, POLITICA FISCAL, ESTABILIDADE, BALANÇO ORÇAMENTARIO.

O SR. GILBERTO MIRANDA (PMDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a questão da globalização dos mercados é fenômeno da economia mundial que hoje magnetiza a atenção dos analistas nos principais centros financeiros internacionais. Abordo, pois, um tema que também está atraindo a atenção de muitos dos nossos pares, compelidos pela própria natureza de suas responsabilidades parlamentares a acompanhar a mudança vertiginosa trazida pelos últimos tempos aos sistemas cambiais e financeiros de todos os países do mundo.

A passagem da era dos mercados estanques para a globalização que caracteriza as operações financeiras, cambiais e bursáteis, agora realizadas em velocidade de transmissão de impulsos eletrônicos via satélite, deixa perplexos os dirigentes de instituições tanto multilaterais como nacionais nos países de economia evoluída e naqueles que tentam emergir para o chamado Primeiro Mundo. Curiosa é a atitude contemplativa do FMI e do Banco Mundial, instituições criadas há 51 anos, em Bretton Woods, para fomentar a estabilidade econômico-financeira no mundo.

Na atualidade, escapa ao FMI o poder de supervisionar de forma eficaz o sistema monetário internacional, cujo funcionamento está sujeito a turbulências, que podem irradiar seus efeitos de um país para outro, abrangendo até mesmo grupos de países.

Nos últimos anos, a crescente internacionalização dos mercados de valores públicos, nos países altamente industrializados, deu origem a transferências financeiras maciças entre as nações de grande poder financeiro. Daí surgiram desequilíbrios que tanto produziram a desvalorização do dólar e a supervalorização do iene, como perturbaram muitos outros mercados. Taxas cambiais oscilantes, perdas de reservas, elevação de taxas de juros refletem-se nas economias de numerosos países sob a forma de baixas violentas registradas nas bolsas de valores e mercadorias.

A brusca mudança no panorama econômico-financeiro mundial foi desencadeada pela formação de capitais financeiros que atingem cifras impressionantes. Trilhões de dólares dançam de um mercado para outro em altas velocidades, atemorizando governos cujas políticas públicas não possuam suficiente solidez para prevenir ameaça grave à estabilidade de suas economias.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores:

Apreciemos o fenômeno a partir de fatos que conhecemos de perto. Há alguns meses, nossa reserva cambial oscilava em torno de vinte e cinco bilhões de dólares. No momento em que me pronuncio sobre o tema, a cifra chega ao dobro.

Comparemos essa rápida mudança com a lentidão que é a tônica das negociações com o Fundo Monetário Internacional, quando um país qualquer bate à sua porta em busca de apoio financeiro. A demonstração da mudança no quadro financeiro internacional pode ser vista do ângulo do crescimento veloz do valor em dólares da reserva cambial brasileira.

Nos países em que é promissora a situação econômica, a reconstituição de reservas não mais depende de empréstimos do FMI. Quando concedidos, tais empréstimos normalmente representam aval oferecido a um país que prometa fazer ajuste de sua economia, na intenção de voltar a ter acesso ao mercado financeiro internacional.

A globalização dos mercados é um fato que dispensa condenação ou aplauso. Com o espantoso avanço das tecnologias no terreno das comunicações, as bolsas em que são negociadas ações de empresas privadas, mercadorias, títulos públicos e moedas operam as 24 horas do dia. O investidor que tenha perdido em Nova Iorque, poderá obter ganhos em Londres, incorrer em perdas em Cingapura, ganhar em Hong Kong e perder novamente em Tóquio. Tudo isso no espaço de um único dia.

O Brasil, Sr. Presidente, não está fora desse jogo. As aplicações aqui realizadas ainda não atingiram aqueles valores estonteantes, que invadem os mercados de países desenvolvidos, atraídos por taxas de juros mais compensadoras. Nossa economia ainda não é capaz de absorver volumes situados na casa dos trilhões de dólares.

No entanto, a globalização nos arrastou para a sua esfera gigante. Podemos ter uma medida do efeito no País das operações que se realizam em escala planetária comparando os totais negociados na Bolsa de Valores de São Paulo com os aplicados na Bolsa de Mercadorias e Futuros.

Tomemos as médias diárias das operações nas duas bolsas, no curso de uma semana, para termos indicadores da dimensão dos negócios. Na primeira, a média diária é de 250 milhões de dólares. Na segunda, as aplicações chegam a 25 bilhões de dólares. Mas esses valores não exprimem uma totalidade, pois há ainda muitos bilhões aplicados em títulos públicos e privados.

Esses dados nos dizem que o Brasil coloca-se no mercado globalizado como objeto de movimentos positivos ou negativos. Os investidores que manobram com essa montanha de dinheiro no mundo têm por objetivo o lucro, conversível em moeda de livre curso no momento em que isso lhes convier.

No caso brasileiro, o maior atrativo é a taxa real de juros, que assegura, com excepcional rendimento, aplicações em papéis do governo ou do setor privado. As entradas de dinheiro com esse objetivo se refletem no crescimento da reserva cambial. As taxas de juros de sete e oito por cento ao ano, no mercado externo, se comparam com as vigentes no mercado nacional, de cerca de 4,3% ao mês, quando são feitas aplicações em títulos públicos federais, ou ainda mais elevadas, em certas operações privadas.

O traço singular desse quadro se relaciona com a credibilidade do poder público vista pelos investidores. A credibilidade se traduz pela certeza do investidor de que poderá retirar do País o seu dinheiro no momento que desejar. Isto significa que o fator confiança decorre da justeza da política econômico-financeira, ou seja, enquanto a política oficial for considerada justa e certa os capitais continuarão a entrar em nosso mercado, mesmo que o governo estabeleça restrições, tais como prazos de permanência e aplicações compulsórias de parte de cada inversão em papéis oficiais.

O que importa para o investidor é a aplicação segura que dá a certeza de lucro e de transferência desse lucro para outros mercados. Se não ocorrer turbulência que induza a retiradas bruscas, a estabilidade e o crescimento da reserva de divisas provam que o lucro é de bom nível e que sua transferência não causa inquietação.

Entre os fatores que geram credibilidade figuram a tendência à expansão das exportações, as taxas cambiais realistas, a obtenção de saldos orçamentários capazes de assegurar a redução progressiva das dívidas públicas da União e dos Estados, e a realização de investimentos que aumentem a capacidade do sistema produtivo. A geração de poupanças internas, assegurando razoável grau de autonomia ao desenvolvimento econômico, é também um fator considerado de alta essencialidade.

Os analistas de mercado, nacionais e estrangeiros, que orientam os investidores, acompanham passo a passo, dia a dia, todas essas condições e sabem quando aconselhar ingresso e retiradas. É portanto de importância vital que os sinais dados pela economia nacional aos analistas componham um quadro estimulante, por exemplo: o governo deve demonstrar que os saldos obtidos no comércio exterior tornam o país capaz de pagar, com recursos próprios, grande parte das despesas correntes feitas em moeda estrangeira, tais como, juros e amortização da dívida externa, fretes e seguros, turismo, saídas de capitais, remessas de lucros e outros itens.

A total dependência do ingresso de capitais voláteis para o ajuste das contas externas cria excessiva vulnerabilidade cambial. A crise mexicana serve hoje de exemplo de como políticas nacionais incorretas podem conduzir a desastres cambiais de superação extremamente difícil.

O México, membro do Acordo Norte-Americano de Livre Comércio (Nafta), foi alvo de apoio de grande porte tanto do governo dos Estados Unidos, quanto do FMI e de países pertencentes ao Grupo dos 7. O Tesouro americano liberou 20 bilhões de dólares, o FMI aprovou empréstimos da ordem de 18 bilhões e 10 outros bilhões vieram de outras fontes.

Nunca um país em crise cambial e financeira obteve tamanho apoio de nações estrangeiras e instituições multilaterais em tão curto espaço de tempo. As sequelas da crise mexicana, desencadeada em 20 de dezembro de 1994, ainda fazem sentir seus efeitos onerosos. Apesar do excepcional volume desse apoio financeiro, desequilíbrios internos e oscilações da taxa cambial retardam a estabilidade da economia mexicana, quase um ano depois da eclosão da crise.

Esse é um exemplo que não podemos imitar. Por isso mesmo, seria da maior conveniência que analistas brasileiros vasculhassem os meandros das condições que produziram o desastre financeiro e cambial sofrido por aquele país.

Há um ângulo da globalização dos mercados que deve ser trazido a debate, tal a importância ganha pelo assunto, nos últimos tempos. Os capitais voláteis são apenas de origem externa? Não, longe disso. Capitais brasileiros também fazem parte do movimento mundial. Essa é, hoje, uma característica dos capitais nacionais de todos os países do mundo. Os movimentos nascidos da globalização realizam-se pelo ingresso dos capitais de cada país nas correntes financeiras que percorrem o mundo em busca de lucro rápido e fácil.

Não há lógica na suposição ingênua de que as inversões de curto prazo não devem retirar-se bruscamente de um país que seja alvo de instabilidade, cambial, monetária e econômica. Se os capitais externos permanecessem em tal país, a crise não se manifestaria com violência e poderia ser superada sem dramatismo.

O raciocínio é superficial, pois se as inversões têm como característica o curto prazo, não se deve pensar que os investidores queiram viver a incerteza de uma permanência de custo inimaginável. O custo da permanência, além do limite da faixa de segurança, poderia devorar parcelas substanciais dos valores aplicados. Disso os aplicadores têm medo pânico, pois não entram nas correntes da globalização para perder dinheiro.

No caso do México, os primeiros a sair foram capitais nacionais. Dispondo de informação antecipada sobre mudanças nas políticas monetária, fiscal e cambial, isto é, tendo conhecimento prévio de decisões políticas rumorosas, esses capitais aproveitaram a calmaria da véspera da tempestade para sair em busca de porto seguro.

É pois vital ter informação fidedigna antes que a crise interna esteja nas manchetes dos jornais e no noticiário extra dos canais de tv. Essa informação chega mais facilmente aos ouvidos dos nacionais. Normalmente, os capitais estrangeiros se mobilizam para a evasão do país quando a crise já está instalada, como no exemplo mexicano. Eles apenas ampliam o rombo.

Os analistas de instituições internacionais revelaram a sua perplexidade, sentiram-se fraudados pela surpresa da crise e tentaram uma escapatória com a afirmação de que repousaram sobre a tranqüilidade do Fundo Monetário Internacional, cuja delegação na Cidade do México não interpretou a situação de modo a prever a catástrofe.

Os críticos dos analistas descartam esse tipo de desculpa. Apontam para a expansão do deficit em conta corrente, que era de conhecimento cotidiano, pois era diariamente visível, em virtude de importações consideravelmente superiores às exportações. As filiais mexicanas dos bancos credores não se deram conta da avalanche em formação acelerada. Ninguém se apercebeu da aproximação do desastre. Ocorreu, assim, um lapso coletivo de que participou o próprio Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, quase sempre munido de boa informação técnica sobre o que ocorre no mundo.

Sr. Presidente, em conferência proferida em reunião recente do Conselho de Desenvolvimento Ultramarino, com sede em Washington, o ex-diretor do Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI, Sr. Sterie T. Beza, ainda impressionado pelo porte da crise do México, declarou que se deve adotar uma visão de longo prazo a respeito dos movimentos internacionais de capitais.

Segundo ele, torna-se necessário ter noção exata das medidas de política econômica que devem ser aplicadas diante de uma sadia afluência de capitais estrangeiros. Que se deve fazer quando essa afluência alcança níveis excessivamente elevados ou quando o seu volume começa reduzir-se?

A precipitação da crise mexicana evidenciou alguns perigos que os países em desenvolvimento devem evitar, se quiserem tirar bom proveito das oportunidades oferecidas pelos mercados financeiros, declarou esse conhecido especialista, acrescentando, textualmente:

- Um elevado déficit em conta corrente é portador de graves perigos, mesmo que a conjuntura fiscal seja tranqüila. Os países que desejam infundir confiança nos capitais estrangeiros devem ter bem presente a importância da balança em conta corrente.

- Os países empenhados em manter uma taxa de câmbio fixa (ou firmemente controlada) precisam ter uma política fiscal de alta qualidade para poderem resistir às pressões do mercado. (Não se deve admitir que ocorram simultaneamente déficits elevados em conta corrente e no orçamento fiscal). Mesmo os países que tenham tradição de equilíbrio orçamentário, precisam aplicar uma política fiscal bastante firme para se defenderem de tormentas causadas por crises financeiras ocorridas em países vizinhos.

- A perda de confiança dos investidores na boa condução da política fiscal e cambial tornará mais difíceis tanto a obtenção de empréstimos externos quanto a dilatação de prazos da dívida com o sistema financeiro internacional.

Declarou, ainda, o Sr. Sterie T. Beza:

- Quando a balança de pagamentos está submetida a pressões, a tensão afeta todo o sistema financeiro nacional, daí decorrendo a anulação de medidas corretivas de curto prazo, tais como os depósitos compulsórios dos bancos no Banco Central e a fiscalização mais rigorosa do movimento creditício.

Essas regras devem fazer parte de uma política oficial que esteja orientada para prevenir movimentos bruscos e incontroláveis dos capitais aplicados no mercado financeiro e nas bolsas de valores e de mercadorias. Somente a inadvertência para os riscos pode conduzir um país em desenvolvimento à subestimação do efeito conjugado de déficits no balanço de pagamentos e nas contas públicas. Tal ocorrência tem o significado de uma guerra travada em duas frentes. A vulnerabilidade resultante pode trazer grave risco a todo o sistema econômico nacional.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/12/1995 - Página 5629