Discurso no Senado Federal

CRITICAS AOS GASTOS REALIZADOS PELO GOVERNO EM PROPAGANDA, POR OCASIÃO DAS COMEMORAÇÕES DOS 2 ANOS DO PLANO REAL. REFLEXÃO SOBRE A CRIAÇÃO DO PROER.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO FEDERAL.:
  • CRITICAS AOS GASTOS REALIZADOS PELO GOVERNO EM PROPAGANDA, POR OCASIÃO DAS COMEMORAÇÕES DOS 2 ANOS DO PLANO REAL. REFLEXÃO SOBRE A CRIAÇÃO DO PROER.
Publicação
Publicação no DSF de 09/07/1996 - Página 11592
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO FEDERAL.
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, EXCESSO, GASTOS PUBLICOS, PROPAGANDA, EFICACIA, PLANO, REAL, OPORTUNIDADE, COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, PROGRAMA DE GOVERNO, ECONOMIA.
  • ANALISE, CRITICA, CRIAÇÃO, PROGRAMA DE ESTIMULO A REESTRUTURAÇÃO E AO FORTALECIMENTO AO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (PROER), OBJETIVO, SALVAMENTO, FALENCIA, BANCO PARTICULAR, BANCO ESTADUAL, SIMULTANEIDADE, FALTA, ATENÇÃO, GOVERNO, SETOR, COMERCIO, PEQUENA EMPRESA, SITUAÇÃO, AUMENTO, DESEMPREGO, PAIS, RESULTADO, POLITICA, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), EQUIVALENCIA, EXPERIENCIA, NATUREZA ECONOMICA, PAIS ESTRANGEIRO, RUSSIA.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tem razão o Senhor Presidente da República ao afirmar que nos encontramos no Brasil em completo caos. Parece que Sua Excelência tem uma grande habilidade e uma grande satisfação em comandar o caos. Vejamos: por ocasião da comemoração do segundo aniversário do Plano Real, que realmente levou Sua Excelência à Presidência da República, foi contratada uma firma para fazer a cobertura propagandística dos feitos do Governo de Fernando Henrique Cardoso.

Foi tão bem remunerada essa firma, que ela passou a alardear que houve um aumento de 87% no consumo de feijão, graças ao Real. Oitenta e sete por cento! No entanto, a realidade indica que realmente houve um aumento do consumo de feijão, mas de 18% apenas; a diferença fica por conta da propaganda.

Um aumento de 18% no consumo de feijão não deveria ser objeto de tão dispendiosa propaganda, porque isso significa que aqueles que comiam 5 colheres de feijão passaram agora, graças ao fantástico plano, a consumir 6 colheres do referido produto. Grande feito! Mas o Plano Real coloca debaixo do tapete e retira do foco da propaganda uma série de custos FHC, que são, sem dúvida alguma, dos mais elevados que a história política do Brasil já conheceu.

Por ocasião da comemoração, o Presidente Fernando Henrique Cardoso declara que o Proer, plano que visa salvar e proteger a rede bancária brasileira, já passou, pelo menos oficialmente, 13 bilhões de dólares para os Bancos Nacional, Econômico e outros, cujas relações internas e internacionais são das mais suspeitas e condenáveis possível.

Desde 1992 o Banco Central já sabia que o Banco Nacional, o primeiro a ser beneficiado com o auxílio do Proer. Esse auxílio já se elevou dos iniciais R$4,6 bilhões para R$7,9 bilhões. Acreditamos nós, ingênuos, que o Proer - criado em um sábado à noite - beneficiou primacialmente o Banco Nacional, e isso ocorreu não porque a Dona Ana Lúcia Magalhães Pinto, nora de Sua Excelência, o Senhor Presidente da República, fosse diretora do referido banco.

O Banco Central tinha conhecimento das fraudes desde 1992. Já havia sido alertado em maio de 1992 sobre a existência de contas-fantasmas no Banco Nacional, conforme revelado ontem pelo empresário Miguel Elias Aidamus, sócio-gerente da empresa paulista Triton Comércio e Indústria Ltda.

Embora tenha encerrado a conta de sua empresa no Nacional em 1987, Aidamus continuou recebendo extratos e, no último deles, constatou que um antigo débito com o banco, que já tinha sido quitado, estava em torno de R$1 milhão. Essas são as contas-fantasmas que alimentavam o lucro fictício, distribuído realmente aos diretores e que enganavam os acionistas.

Tudo isso foi premiado pelo Proer, com aquela importância fantástica, fabulosa, de R$4,6 bilhões, que subiu rapidamente para R$7,9 bilhões, segundo as últimas informações do Banco Central.

Enquanto isso, Gustavo Franco, Diretor de Câmbio e Relações Internacionais do Banco Central, afirma, mais uma de suas excentricidades, que o Banco do Brasil deve ser privatizado juntamente com a Petrobrás. Foi esse mesmo senhor que queria reduzir o dólar a R$0,50, ou seja, com R$1 poder-se-ia adquirir US$2, tornando as importações tão baratas que obviamente não sobraria pedra sobre pedra na economia brasileira, ela seria totalmente sucateada se o câmbio que estava na cabeça do Sr. Gustavo Franco tivesse se transformado em realidade. E como os tecnocratas, principalmente os do Banco Central, realmente governam o Governo e o Brasil, sob o mando externo do FMI, escapamos por pouco de que a vontade do Sr. Gustavo Franco tivesse se transformado em uma prática "economicida", mais "economicida" do que a que há atualmente em nosso País.

Enquanto isso, neste País "bancocrático", em que banco não pode falir; banco que rouba não pode falir; banco que manda dinheiro para a Trans World, nas Bahamas, como o Banco Econômico, que tem uma filial nas Bahamas, não pode falir; banco que fabrica dinheiro falso, como o Banco Nacional, não pode falir, e seus diretores continuam intocáveis, serviços bancários sobem até 305%, em um País que se diz sem inflação, ou com inflação zero ou próxima de zero. O mercado livre permitiu que os bancos elevassem a taxa cobrada pelos seus serviços em 305%! É deplorável, realmente! Entretanto, afirma-se que não se pode fazer nada, porque foi o mercado livre dos banqueiros que determinou essa elevação de 305% de uma só vez.

D. Ruth Cardoso, a Primeira-Dama, indagada, há dez dias, sobre o que ela considerava que levava os homens para a História da Humanidade, o que fazia selecionar-se alguns espécimes para eternizá-los na História, respondeu que "a História é a seleção das vaidades humanas". A História depura, de acordo com ela, as vaidades, recebe e eterniza as vaidades humanas. Se a Primeira-Dama estiver certa, teremos a reprodução de um caso de assunção. Sua Excelência, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, vai passar totalmente, integralmente, para a História, porque, em sendo ele só vaidade, vai entrar para a História com aquilo que ele tem de essencial: a vaidade.

Fernando Henrique Cardoso teve um momento de humanidade e humildade: afirmou que ele havia errado ao criar o Proer. Mas será que os deuses erram? Arrependimento serôdio, tardio, completamente ineficaz.

Há o arrependimento eficaz e o arrependimento ineficaz. De acordo com a legislação penal, quando se arrepende do crime antes de cometê-lo, chama-se arrependimento eficaz. No entanto, no caso de Sua Excelência, o crime do Proer já havia sido cometido, uma parte dos seus efeitos já havia sido efetivado em benefício do Banco Nacional, do Banco Econômico e de tantos outros bancos que estão à espera e à espreita do Proer, inclusive o Banespa.

Sua Excelência afirmou: "Quem sabe pudéssemos ter feito o Proer antes, devêssemos tê-lo feito antes", talvez em 1992, quando o Banco Central veio a saber, graças à denúncia que li agora há pouco, que havia contas-fantasma no Banco Nacional. Mas não fizeram nada com relação a isso. Contudo, contra os Srs. Ministros Pedro Malan e Gustavo Loyola move-se uma ação por improbidade, de acordo com o que noticia o Correio Braziliense de 15.06.96.

"Quem sabe pudéssemos tê-lo feito antes, devêssemos tê-lo feito antes", questionou o Presidente da República. Mesmo assim, Sua Excelência argumentou que o Proer evitou que houvesse um desencadeamento de crises no Sistema Financeiro, que trariam conseqüências devastadoras para a recuperação da economia em tempo oportuno.

Os monetaristas têm um vício muito esperto. Aprendem coisas muito sutis em seus cursos de PHD realizados nos Estados Unidos. Aprendem, por exemplo, a fazer Proer, pois o Sr. Milton Friedman escreveu uma história hipotética a respeito da crise de 1929, nos Estados Unidos - em que, até 1935, haviam falido cinco mil bancos - dizendo que se o Federal Reserve Bank - FED - tivesse feito um grande Proer teria evitado a quebra de cinco mil bancos dos Estados Unidos.

Será que é verdade? Será que o Sr. Friedman tem razão? Será que é possível contestar o Prêmio Nobel da Economia? Será que ele não está totalmente equivocado? Parece-me que sim. O Sr. Friedman parece não ter compreendido que não havia Proer, não havia Banco Central capaz de impedir a derrocada dos bancos norte-americanos nos anos 30. Isto porque a produção é que havia entrado em colapso. A produção de carros, por exemplo, caíra, entre 1929 e 1931, de 5.300 mil unidades por ano para 900 mil unidades apenas.

A produção entrou em completo colapso: 80% de capacidade ociosa em vários setores, o desemprego chegou, em 1935, ao nível de 25% da população economicamente ativa.

De modo que, diante da quebra da taxa de lucro do sistema produtivo em crise, o dinheiro afluiu, refluiu para especulação. As ações das grandes empresas americanas foram compradas com esse dinheiro que não foi investido na economia norte-americana. Então, o lucro da produção caiu, e o lucro especulativo, a alta de preços das ações se elevou, atraindo mais recursos, e os bancos caucionavam as ações dessas empresas e emprestavam dinheiro sob caução. Com esse dinheiro, compravam-se mais ações e se tornava a caucionar, provocando aquilo que Galbraith chamou de uma alavanca que elevou todo este processo especulativo até o estouro completo naquela quinta-feira negra de outubro de 1929.

Portanto, enquanto a produção não fosse corrigida, enquanto a situação real não fosse corrigida, enquanto a atividade econômica não voltasse a funcionar e as vendas aumentassem, os bancos não poderiam se soerguer. E se tivesse um Proer naquela ocasião, ele funcionaria como um buraco negro, e todos os recursos do Estado norte-americano que fossem alocados, dirigidos aos bancos para tentar salvá-los, seriam completamente inutilizados, destruídos pela crise de 1929 e suas conseqüências.

Os monetaristas dizem que os bancos não podem quebrar, mas nós podemos quebrar, os honestos comerciantes podem quebrar, os trabalhadores podem ser demitidos, as pequenas e médias empresas e até um empresário brasileiro exemplar como José Mindlin, da Metal Leve, pode quebrar e eles não se incomodam. Mas os bancos podem especular, podem roubar, podem fabricar dinheiro falso, podem mandar dinheiro para o exterior, mas não podem quebrar - dizem eles, aprenderam esse absurdo lá.

Na realidade, do ponto de vista monetarista, o Governo é o culpado de tudo. E, por isso, estão desmanchando o Estado Nacional brasileiro, da mesma maneira como aconteceu na Argentina, no México e na Rússia, onde o FMI já penetrou há cerca de seis anos. Querem acabar com o Estado, com o Governo, porque dizem que atrapalha.

Se os monetaristas tivessem, através de um grande Proer, relativamente grande como o nosso de hoje, esvaído as forças do Estado, destruído o Governo, teriam acabado com aquilo que consideram o principal obstáculo ao desenvolvimento do capitalismo - o próprio Governo. Existe uma lógica que traz uma certa coerência a essa afirmação dos monetaristas, encabeçados pelo Sr. Friedman.

O FMI concedeu empréstimos fantasticamente elevados à Rússia. E, tal como aconteceu conosco, a Rússia também se deixou levar pelo aumento da dívida externa. Muito fácil: o FMI está emprestando a preço da banana e está levando os sete grandes a também fazerem o mesmo.

E lá 46 diretores de bancos foram assassinados de fevereiro até o mês passado, e a casa de um ministro foi metralhada. A máfia do mercado livre que se instalou na ex-União Soviética está em todos os setores, da prostituição ao narcotráfico, dos bancos às importações, realizando essa tarefa devastadora na atual Rússia.

Pois bem, num livro chamado "Pós-neoliberalismo" há um cálculo feito - vou me referir a esse dado como conclusão do meu pronunciamento - que mostra que, comparando a taxa de mortalidade na União Soviética, de 1988 a 1990, com o período de 1993 a 1995, verifica-se que houve um aumento de 500 mil pessoas. Esse é o custo da implantação de um plano ditado pelo FMI, em tudo igual ao nosso Plano Real, que gera também um imenso custo social, não comensurado.

Há semelhanças entre todos esses planos. O que o Cavalo de Átila está desencadeando na Argentina: aquele que fez entrar agora, como socorro externo, US$40 bilhões no México e está sendo lançado, sob o sofrimento da sociedade brasileira, elevando a taxa de desemprego, em São Paulo, a mais de 16% e, em Brasília, a 18%.

Esses custos foram obscurecidos no foguetório comemorativo do segundo ano do Plano Real. Vejamos se os brasileiros terão paciência e vida para aguardarem a comemoração do terceiro e quarto malfadados aniversários.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/07/1996 - Página 11592