Pronunciamento de Bernardo Cabral em 08/07/1996
Discurso no Senado Federal
CONSIDERAÇÕES SOBRE O POSSIVEL PROCESSO DE DESNACIONALIZAÇÃO DO MUNICIPIO DE TABATINGA - AM, EM QUE AS CRIANÇAS ATRAVESSAM A FRONTEIRA PARA ESTUDAR NA COLOMBIA.
- Autor
- Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
- Nome completo: José Bernardo Cabral
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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EDUCAÇÃO.:
- CONSIDERAÇÕES SOBRE O POSSIVEL PROCESSO DE DESNACIONALIZAÇÃO DO MUNICIPIO DE TABATINGA - AM, EM QUE AS CRIANÇAS ATRAVESSAM A FRONTEIRA PARA ESTUDAR NA COLOMBIA.
- Publicação
- Publicação no DSF de 09/07/1996 - Página 11612
- Assunto
- Outros > EDUCAÇÃO.
- Indexação
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- ANALISE, DEFESA, PROCESSO, MIGRAÇÃO, CRIANÇA, MUNICIPIO, TABATINGA (AM), ESTADO DO AMAZONAS (AM), FRONTEIRA, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, COLOMBIA, OBJETIVO, REALIZAÇÃO, ESTUDO, ENSINO FUNDAMENTAL, MOTIVO, INEXISTENCIA, AMEAÇA, SOBERANIA NACIONAL, SIMULTANEIDADE, PRECARIEDADE, INFRAESTRUTURA, ENSINO, AMBITO REGIONAL.
- COMENTARIO, COMPETENCIA, AUTORIDADE, MUNICIPIO, TABATINGA (AM), ESTADO DO AMAZONAS (AM), EXIGENCIA, ESTADO, UNIÃO FEDERAL, CUMPRIMENTO, NORMAS, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, OFERECIMENTO, ASSISTENCIA TECNICA, ASSISTENCIA FINANCEIRA, DESENVOLVIMENTO, SISTEMA DE ENSINO, OBRIGATORIEDADE, GRATUIDADE, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO.
O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, poderá constituir um processo de desnacionalização do Município de Tabatinga -- Amazonas - as crianças atravessarem a fronteira para estudar na Colômbia?
Em décadas anteriores aos anos oitenta, antes, portanto, da expansão dos meios de comunicação de massa, principalmente a televisão, da queda do muro de Berlim, do fim da guerra fria e da derrocada do comunismo na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, e antes da explosão do fenômeno de globalização da economia, da implantação da Internet e da união de vários países em pactos regionais como a CEE, o NAFTA, o Mercosul, os conceitos de nação, de soberania e de nacionalismo eram relativamente diferentes e, muitas vezes, levavam as pessoas a exarcerbarem seus sentimentos patrióticos e a desenvolverem a mentalidade bélica, a ponto de terem receio, quando não aversão, de tudo que fosse estrangeiro.
Hoje em dia, o mundo mudou e as mentalidades também. O patriotismo, como sentimento de amor à pátria, difuso e permanente na consciência coletiva e no íntimo de cada pessoa, continua exercendo seu importante papel para a unidade nacional e para o desenvolvimento de valores maiores, como a solidariedade humana e a fraternidade.
O nacionalismo, sendo um fenômeno psicossocial de exaltação e defesa da própria nação, não se confunde com patriotismo, mas é uma manifestação aguda deste. Muito difundido por grupos extremistas, é também usado estrategicamente por líderes populistas interessados na manipulação das massas. Pode chegar ao exagero em fases de grandes crises nacionais ou de elevado surto de desenvolvimento, e se transformar em xenofobia ou chauvinismo que, por sua vez, são passos perigosos para o autoritarismo militar e o fortalecimento do Estado, em detrimento dos direitos humanos e das liberdades individuais, como tem demonstrado a História.
Um lúcido nacionalismo, em defesa de interesses nacionais maiores, continua como um fenômeno natural decorrente muito mais de objetivos econômicos do que de princípios patrióticos.
Feito esse esclarecimento, consideramos oportuno conceituar também o termo nacionalização, que é um processo jurídico de transferência de propriedade do domínio privado para o domínio público e que, de certa forma, se confunde com estatização e só tem sentido em casos especiais em que se faz necessário, por algum tempo, para garantir a função social da propriedade.
Nacionalização pode ser, também, o ato pelo qual o indivíduo adquire a nacionalidade de outro país e renuncia à sua nacionalidade de origem, o que também se denomina naturalização e pode corresponder, ou não, a uma desnacionalização.
Se entendermos a nacionalidade como sendo o laço jurídico pelo qual uma pessoa se vincula a uma determinada nação, não vemos motivo para identificar como desnacionalização o fato de algumas crianças, de um município brasileiro, atravessarem a fronteira do Brasil para estudarem em escolas da Colômbia. Aliás, tal fato, ao inverso, ocorre também. Com efeito, em regiões de fronteira, é comum termos, nas escolas brasileiras, alunos vindos dos países vizinhos; e, pelo que temos conhecimento, esta realidade tem sido benéfica para criar maiores laços de amizade e de solidariedade internacional, sem ter gerado, nas últimas décadas, qualquer fenômeno de desnacionalização de algum município estrangeiro. Também não registramos o fato de desnacionalização de vilas ou municípios do lado brasileiro.
Ainda quanto a nacionalidade, um fenômeno, a que já nos referimos e que não é novo, tem aumentado consideravelmente: é o da nacionalidade adquirida, pela qual um pessoa pode continuar tendo sua nacionalidade de origem, decorrente do nascimento e, portanto do jus sanguinis ou jus soli, e ter uma outra opção.
Hoje em dia, é comum encontrarmos pessoas com mais de uma nacionalidade, a de origem e uma adquirida, ou até com três nacionalidades.
Tudo isso é fruto de um internacionalismo sadio que permite a um mesmo indivíduo ter tanto o conjunto de direitos e deveres, públicos e privados, atribuídos ao cidadão de um Estado, quanto os concedidos aos cidadãos de outro estado. Aliás, já existem até cidades consideradas como cosmopolitas, ou internacionais, tal a mistura de raças e o número de nacionalidades de seus habitantes.
Acreditamos que a expressão desnacionalização no sentido de perda da nacionalidade brasileira mais em seu aspecto cultural, que implica em a pessoa ir, aos poucos, perdendo os laços que a identificam como pertencente a uma brasilidade.
Neste sentido, não há dúvida de que o risco de desnacionalização pode ocorrer e ter resultados tanto negativos quanto positivos para o indivíduo, mas isto não significa, nos dias atuais, um problema de segurança nacional, dada a sua dimensão.
No caso concreto dos alunos brasileiros que estudam em Letícia, na Colômbia, estão eles sendo privilegiados por poderem estudar em escolas melhores do que as brasileiras para, mais tarde, como profissionais, poderem prestar melhores serviços à Pátria Brasileira. Da mesma forma, muitos adolescentes saem do País para estudar no estrangeiro, em programas de bolsas de estudos ou de intercâmbio cultural, o que tem sido bastante positivo para estes jovens que, apesar de vivência em culturas diferentes, não perdem o seu patriotismo, nem a sua nacionalidade.
Outro aspecto da questão que é bom relembrar é que, apesar de a educação ter dentre seus objetivos o preparo da pessoa para o exercício da cidadania, a família, o meio ambiente de vida da pessoa e os meios de comunicação influem muito mais na formação de sua mentalidade e de sua consciência política. Na realidade, a função de educar não é só do Estado (União, Estados e Municípios) mas também da família e da sociedade (art. 205 da Constituição Federal), os quais podem influenciar muito mais a pessoa do que o deficiente ensino que se ministra nas nossas escolas.
A atitude da Colômbia de aceitar os alunos brasileiros é, portanto, salutar para todos e merece elogios, devendo o Brasil adotar a mesma atitude em relação aos países vizinhos, pois isto pode contribuir para uma maior compreensão e interação entre os povos de nações diferentes.
O que é negativo e deve ser acusado é a deficiência do sistema escolar municipal, não só em termos da precária infra-estrutura, da péssima qualidade do ensino e da baixa remuneração dos professores, no município de Tabatinga, mas em todo País, a qual leva não apenas 300 pessoas a estudarem fora de nossas fronteiras, mas milhões de brasileiros a ficarem fora das escolas e a aumentarem os índices percentuais de evasão escolar e de repetência.
Destarte, a falta de prioridade para a educação e de modernidade de nossos sistemas de ensino nos parece fator de muito maior perigo para a soberania nacional do que algumas crianças brasileiras estudarem em escolas de países vizinhos.
Quanto ao Município de Tabatinga, a diminuição da atuação do Exército Brasileiro na sede municipal deixou para a Prefeitura a responsabilidade pelo desenvolvimento da educação de grau fundamental.
Compete, pois, às autoridades de Tabatinga exigirem, do Estado e da União, o cumprimento do preceito constitucional que prevê assistência técnica e financeira para o desenvolvimento do sistema de ensino municipal e o atendimento prioritário à escolaridade obrigatória (art. 211, § 1º da CF).
Assim, o Município poderá modernizar as instalações de suas escolas reaparelhando-as adequadamente, e oferecer uma educação de melhor qualidade para as crianças brasileiras de Tabatinga.
Muito obrigado