Discurso no Senado Federal

INDIGNAÇÃO COM A ATITUDE DA CONSTRUTORA NORBERTO ODEBRECHT, GANHADORA DA CONCORRENCIA PARA A EXPLORAÇÃO DA RODOVIA RIO DE JANEIRO - JUIZ DE FORA, QUE RESOLVEU INSTALAR UMA PRAÇA DE PEDAGIO EM AREA DA FAZENDA MUNDO NOVO, TOMBADA PELO PATRIMONIO HISTORICO.

Autor
Gilvam Borges (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: Gilvam Pinheiro Borges
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • INDIGNAÇÃO COM A ATITUDE DA CONSTRUTORA NORBERTO ODEBRECHT, GANHADORA DA CONCORRENCIA PARA A EXPLORAÇÃO DA RODOVIA RIO DE JANEIRO - JUIZ DE FORA, QUE RESOLVEU INSTALAR UMA PRAÇA DE PEDAGIO EM AREA DA FAZENDA MUNDO NOVO, TOMBADA PELO PATRIMONIO HISTORICO.
Publicação
Publicação no DSF de 11/07/1996 - Página 11825
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • PROTESTO, ATUAÇÃO, EMPRESA DE ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, INSTALAÇÃO, PEDAGIO, AREA, TOMBAMENTO, PATRIMONIO HISTORICO, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO.
  • ANALISE, CRITICA, ATUAÇÃO, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), INSTITUTO DO PATRIMONIO HISTORICO E ARTISTICO NACIONAL (IPHAN), TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL (TRF), DESRESPEITO, NORMAS, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE.

O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é com tristeza, mas, antes de tudo, com indignação cívica, que ocupo hoje esta tribuna para tentar difundir na consciência popular, através da natural repercussão de tudo que aqui se declara, uma denúncia de suma gravidade, recentemente veiculada pelo jornal O Globo.

Sem querer antecipar conclusões a respeito do tema que vou abordar, fica, desde logo, evidente que muito mais que uma polêmica entre um interesse privado e o interesse público, cuida-se aqui, isso sim, de um caso-modelo, de um paradigma, para aferir-se o real e, infelizmente, embrionário estágio de civilidade e de afirmação, ainda balbuciante da cidadania atingida pelo Brasil de hoje.

Trata-se, em largos traços, do seguinte: há, nas cercanias da estrada Rio-Juiz de Fora, uma fazenda de nome "Mundo Novo", fundada em 1865 em pleno ciclo do café, e, por isso, tombada, desde 1989, em caráter definitivo, pelo Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais.

O ato de tombamento abrangeu, além da casa principal da fazenda, uma grande área em torno, que inclui um certo trecho da própria rodovia Rio de Janeiro-Juiz de Fora.

Ora, ocorre que a Construtora Norberto Odebrecht, ganhadora da concorrência para explorar a referida estrada, decidiu instalar a praça do pedágio exatamente na área tombada e, juntando desejo à ação, deu simplesmente início às obras, ao arrepio do caráter intangível do bem objeto de seu interesse, que, conforme o regime de tombamento vigente, não poderia ser sequer pintado ou restaurado sem autorização do Poder Público (Art. 17 do Decreto Lei nº 25/37).

Como se não bastasse esse desmando da firma construtora, conhecida, aliás, de quantos acompanham o noticiário político-administrativo nacional, pelo seu comportamento pouco ortodoxo, tais obras, além de descaracterizar a área tombada, vão afetar também o abastecimento de água no local.

Para piorar a situação, a Odebrecht não possui licença nem do Ibama nem de qualquer organismo ambiental para a edificação pretendida.

Sem falar que a obra se situa também em área de preservação permanente, conforme definida no Código Florestal, por entender que a cabeceira e contornos de nascentes d'água abastecem secularmente a fazenda Mundo Novo.

Só esta última irregularidade já ensejaria procedimento criminal contra seus autores, por constituir-se em contravenção penal, capitulada no art. 26 do citado Código Florestal.

Acresce, ainda, que todo o sistema de drenagem da obra da praça do pedágio está sendo manilhado diretamente para o abastecimento centenário de água da fazenda Mundo Novo e região tributária.

Estes os fatos. O estarrecedor nessa história, porém, não é apenas a audácia da empresa em desafiar a legislação, a autoridade pública; muito pior que isso é saber-se que a Odebrecht não tem apresentado em seu favor qualquer argumento válido e, a bem da verdade, ostenta mesmo um desprezo olímpico em oferecer qualquer manifestação.

Esta comédia de erros não pára aí a sua produção de lances histriônicos; virá em seguida a pior comicidade, aquela que resvala para o humor negro.

Isso porque a controvérsia envolve atos e omissões contraditórias e ambiguidades suspeitas tanto na área administrativa, quanto em sede judiciária, campos onde o conflito de interesses entre as partes, Odebrecht de um lado e o Ministério Público local e os proprietários da fazenda Novo Mundo do outro, buscou encontrar uma solução, até agora, sem sucesso.

Assim, na via administrativa, tudo começou em janeiro deste ano, quando o Instituto do Patrimônio Histórico enviou um ofício ao Concer - empresa criada pela Odebrecht para a exploração da Rio-Juiz de Fora - alertando ser essencial a construção do pedágio em outro local, em respeito ao tombamento.

Todavia, para surpresa geral, a mesma Concer é autorizada pelo próprio Instituto a prosseguir com a construção do pedágio.

Reiniciada a obra, técnicos do Ibama de Juiz de Fora a embargaram, por faltar à Concer/Odebrecht autorização para construir em área de proteção ambiental, além da suspeita de que o manancial de água da fazenda fosse atingido.

No entanto, neste festival de demarches, pouco depois o Superintendente do Ibama de Minas Gerais, Sr. Jadyr Pinho Campos de Figueiredo, em decisão aparentemente imotivada, suspendeu o embargo e autorizou o reinício da obra.

Na área judicial, onde foram também litigar as partes, infelizmente não é menor o qüiproquó.

O promotor Alcino Valdir Leite, de Matias Barbosa, ajuizou ação cível para paralisar a obra, obtendo liminar do Juízo da Comarca, suspensa, em seguida, entretanto, pelo Presidente do Tribunal Regional Federal em Brasília.

O espantoso, porém, é que o Presidente do TRF da 1ª Região - Brasília - retratou-se dessa decisão no Plenário do Tribunal, em 20/06/96, revigorando, pois, a liminar concedida pelo Juiz da Comarca, mas "esqueceu-se" de assinar sua decisão, entrando a seguir em férias, sem assiná-la.

Esta história, como se vê, de modo algum dignifica os órgãos públicos envolvidos, sejam do Executivo (Ibama, Instituto do Patrimônio Histórico) sejam do Judiciário, já que seus agentes não conseguiram emprestar a mínima firmeza ou coerência a seus atos de ofício, deixando no ar uma impressão feia, medonha até, de prevaricação, a um juízo mais benévolo, e de corrupção passiva a um olhar mais severo.

Tantas e tão conflitantes decisões oriundas do mesmo órgão público sobre o mesmo e idêntico tema, inteiramente congelado em sua configuração fática, não são admissíveis na administração pública brasileira, adstrita desde a Constituição Federal de 1988 ao princípio da moralidade administrativa.

Isso sem considerar que ao exame do mérito da matéria, a verdade salta aos olhos: trata-se de uma burla aos dispositivos legais e constitucionais que versam sobre a proteção ao meio ambiente.

O texto constitucional não permite tergiversação a respeito; diz ele:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

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IV - Exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade.

Como, em face deste meridiano comando constitucional, admitir-se a sua violação frontal, como vem fazendo a Odebrecht em relação à fazenda Novo Mundo?

É preciso dar eficácia aos preceitos da Carta Magna, que, se não aplicados nos farão recuar à idade média em termos de estado democrático e de direito, em que tal desconsideração reduz nosso principal estatuto jurídico à desimportância de uma folha de papel em branco, sem valor.

A própria Constituição da República provê, neste particular, alguns remédios para aviventar-se a si própria, dando-se plena eficácia, aplicáveis ao caso vertente.

Um deles, o mandado de injunção, para que se faça cumprir o art. 225 § 1º inciso IV do seu texto.

Outro, a ação popular, para anular ato lesivo ao meio ambiente e ao Patrimônio Histórico Cultural, como é, sem margem de dúvida, o caso que ora nos ocupa.

Outra maneira, essa política, de fazer valer o primado constitucional da proteção ao meio ambiente que tanto frequenta discursos eleitorais, é, nós do meio político, pressionarmos os órgãos competentes, pelo menos do Executivo, para que cumpram o seu dever, porque certamente há nesses órgãos servidores imunes à força corruptora do poder econômico.

Seriam, de todo modo, estes fatos emblemáticos aqui relatados, hoje, por mim, com consternação, de mote para a reflexão de quantos têm responsabilidade pública neste País, onde a Justiça tem um largo caminho a percorrer até ajustar suas contas com a força, principalmente força econômica, para prevalecer no final, como manda sua utopia.

É o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/07/1996 - Página 11825