Discurso no Senado Federal

LEVANTANDO PONTOS QUE CONSIDERA IMPORTANTES POR OCASIÃO DO ENVIO, PELO PRESIDENTE DA REPUBLICA, DE PROJETO DE LEI REGULAMENTANDO O ARTIGO 177 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, APOS A PROMULGAÇÃO DA EMENDA QUE FLEXIBILIZOU O MONOPOLIO DO PETROLEO.

Autor
Ronaldo Cunha Lima (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ronaldo José da Cunha Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA. REGIMENTO INTERNO.:
  • LEVANTANDO PONTOS QUE CONSIDERA IMPORTANTES POR OCASIÃO DO ENVIO, PELO PRESIDENTE DA REPUBLICA, DE PROJETO DE LEI REGULAMENTANDO O ARTIGO 177 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, APOS A PROMULGAÇÃO DA EMENDA QUE FLEXIBILIZOU O MONOPOLIO DO PETROLEO.
Publicação
Publicação no DSF de 11/07/1996 - Página 11812
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA. REGIMENTO INTERNO.
Indexação
  • ANALISE, PROPOSTA, EXECUTIVO, REGULAMENTAÇÃO, EXPLORAÇÃO, PETROLEO, EMPRESA PRIVADA, BRASIL, MANUTENÇÃO, COMPROMISSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REFERENCIA, SITUAÇÃO, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS).
  • ANALISE, EFEITO JURIDICO, PROCESSO LEGISLATIVO, CARATER EXTRAORDINARIO, LEI COMPLEMENTAR, PROJETO, EXECUTIVO.

O SR. RONALDO CUNHA LIMA (PMDB-PB. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Presidente da República acaba de encaminhar ao Congresso Nacional a proposta de lei para regular o art. 177, após a promulgação da Emenda à Constituição nº 9, de 1995, que permitiu a empresas privadas, nacionais e estrangeiras, explorarem a atividade petrolífera no Brasil.

Como Relator da proposta de emenda à Constituição no Senado, tive oportunidade de levantar alguns pontos que considero importantes para a modernização desse importante setor da economia nacional.

Na oportunidade em que elaborávamos o parecer, entendemos submetê-lo à Bancada do PMDB, que manifestou a tendência de aprová-lo e sugeriu que assim se comunicasse ao Sr. Presidente da República. Juntamente com o eminente Líder, Senador Jader Barbalho, fomos à audiência com o Presidente da República, resultando disso um entendimento de altíssimo nível, com conclusões que prestigiam o Congresso Nacional, fortalecem a democracia e demonstram a sensibilidade do Governo para as grandes questões nacionais.

O Sr. Presidente da República, acolhendo as proposições feitas em nosso parecer, comprometeu-se em encaminhar ao Congresso um documento, tornando expresso o seu compromisso de, por meio de lei complementar, assegurar as propostas consignadas em nosso parecer, para que esse documento do Governo fizesse parte integrante e inseparável do voto que estamos oferecendo, e o fez. Em data de 9 de agosto de 1995, encaminhou ao Senador José Sarney, Presidente do Congresso Nacional, um expediente - já divulgado pela imprensa na época e de conhecimento desta Casa - em que assume o compromisso de propor ao Congresso Nacional:

1. que a Petrobrás não seja passível de privatização;

2. que a União não contrate empresas para a pesquisa e lavra em áreas que tenham produção já estabelecida pela Petrobrás, (...);

3. que nas licitações para concessão de pesquisa e lavra, no caso de igualdade de propostas apresentadas, seja assegurado à Petrobrás o direito de preferência nas contratações.

Diz, na carta, o Senhor Presidente da República:

      "Esses pontos, como disse acima, já foram expostos pelo Líder do Governo na Câmara. Em consideração ao Senado, estou pedindo ao Líder Elcio Alvares que entregue a V. Exª esta carta, para que a Casa tome diretamente conhecimento do pensamento do Governo. Esclareço, outrossim, que, havendo fórmula regimental, parece-me que a lei de regulamentação deva ser aprovada em votação qualificada."

      Assina o Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Com esse documento, Sr. Presidente, Srs. Senadores, entendemos acolhidas as nossas propostas, formal e expressamente aceitas pelo Governo em expediente que passou a fazer parte integrante do nosso parecer. Podemos dizer que o compromisso do Presidente da República deixou de ser apenas verbal. Foi solenemente expresso em documento oficial.

Mantivemos a proposta sob o aspecto substantivo, modificando apenas o ritual de seu exame pelo Congresso Nacional, sem que isso implicasse prejuízo de qualquer natureza.

Com esta solução, evitou-se o confronto de resultados imprevisíveis, porque triunfou o bom-senso e venceu o diálogo.

Fizemos uma exposição perante a Bancada do nosso Partido para esclarecer alguns pontos de vista sobre a questão em exame, e levantamos ponderações.

Nosso País, como outros países de economia ascendente, carece de recursos que traduzam capitais de risco na forma de investimentos, notadamente em contraposição ao capital por empréstimo, de natureza especulativa. A ortodoxia do sistema econômico e sua definição em sede constitucional por vezes criam obstáculos às mutações do mercado.

Por outro lado, não se pode exigir que o processo de globalização seja concebido como modelo ímpar bastante para qualquer situação ou área da economia. No Brasil, ainda convivemos com problemas graves na área social, destacando-se a má distribuição da terra, ao lado da favelização dos grandes centros. São questões que reclamam a audiência da sociedade que também quer ingressar na economia do Primeiro Mundo.

Sem embargos, não se pode deixar de enxergar no petróleo uma nítida questão de sobrevivência nacional. Como recurso natural esgotável e ainda mantido como energia vital para as grandes economias, o petróleo deve ser analisado com o cuidado institucional e não apenas como mero produto de mercado. As garantias solicitadas e obtidas do Governo do Brasil tiveram como base exatamente estes pontos: a exploração oligopolista do petróleo em todo o mundo; a presumida escassez da matéria-prima e sua falta atual na maioria dos países ricos do mundo; e a necessidade de um controle governamental permanente na área.

De uma leitura da mensagem que encaminhou o projeto de lei, já tramitando na Câmara dos Deputados, vejo que as questões substantivas estão, em parte, traduzindo a expressa manifestação anterior do Governo.

No art. 18, consta a reserva a Petrobrás de áreas onde já atua, embora restem alguns pontos que, decerto, suscitarão discussões que podem ser melhor elucidadas com o debate que será iniciado em ambas as Casas do Congresso Nacional.

O art. 36 cuidou de oferecer garantias a Petrobrás concernentes à sua preferência em licitações onde suas propostas sejam postas em condições de igualdade com as de outras empresas licitantes.

O art. 58 mantém a integridade do capital acionário da Petrobrás em favor da União. Isso o futuro revelará como de absoluta retidão para a economia brasileira.

O projeto cuidou por outra parte de instituir a Agência Nacional de Petróleo como autarquia federal, sendo o órgão regulador de toda política nacional para o setor, aliás, como exigiu a emenda à Constituição.

Também é proposta a criação do Conselho Nacional de Política de Petróleo, vinculado ao Ministério de Minas e Energia.

Admitindo ainda um exame mais aprofundado da matéria, devo aquiescer que o projeto envolve as questões antes levantadas por nós quando da elaboração do parecer sobre a emenda à Constituição.

O que restou ainda pendente foi o fato de a proposta legislativa encaminhada não ter sido em forma de projeto de lei complementar.

Pelo seu compromisso, o Presidente da República manifestou sua vontade dizendo: "parece-me que a lei de regulamentação deva ser aprovada em votação qualificada".

Ora, ao preferir a manutenção do texto originalmente aprovado pela Câmara dos Deputados, apenas alterando sua construção técnica e assim mantendo a referência à lei, sem exigência expressa de seu status complementar, concordamos com a hipótese.

Estaremos prontos a emendar o projeto para elevá-lo à condição de lei complementar, porque assim entendemos possível em parecer incidental oferecido na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, quando da apreciação da matéria.

O sentido ontológico de lei complementar dá-lhe a primazia de instrumento legislativo apropriado à regulação de disposição constitucional. Daí sua gênese como norma integrativa para explicação dos princípios constitucionais.

Não há nos mais famosos escritos sobre a matéria a exigência da expressão constitucional direta para a utilização desse instrumento. Não se pode olvidar que a atual jurisprudência consente a tese pela qual a exigência constitucional é condição sine qua non para edição de lei complementar. Mas não é bastante para inibir a ação legiferante. Mesmo o STF entendeu na ADIn 14-4-DF, que a vulneração a uma norma de nível complementar é o mesmo que atingir a própria Constituição, permitindo ao Tribunal o exame de uma ação direta. Conclui-se, sem maiores esforços, que a norma complementar é uma norma constitucional.

A ortodoxia emprestada á teoria da norma, quando se examina tal matéria, não deve prevalecer. O próprio texto constitucional não se limita às duas hipóteses de leis: a ordinária e a complementar. Chama a algumas de especiais - caso da lei que dispõe sobre crime de responsabilidade do Presidente da República: a outras de Estatuto, até com status complementar - quando trata da lei reguladora das funções judicantes, e do Ministério Público; e é orgânica a lei maior do Distrito Federal.

Entendemos, em que pesem os argumentos contrários, que é viável - política e constitucionalmente - a possibilidade material de um determinado assunto vir receber tratamento pela via de lei complementar mesmo que o texto não reclame tal norma.

O sistema legislativo compreende uma série que se põe de forma harmônica, com conjuntos sobrepostos, de maneira que um possa ser entendido dentro de outro. Nesse sentido, é aplicável a expressão comum que diz: quem pode o mais pode o menos.

Ora, se uma lei complementar é superior à ordinária no tratamento oferecido pela sistemática constitucional, é evidente que pode alcançar momentos de outras normas inferiores, até mesmo da própria lei ordinária. O que não é possível é que uma lei ordinária invada área própria de lei complementar, até por segurança da exigência de quorum qualificado para apreciação.

Mas, Srªs e Srs. Senadores, o que nos dá a maior segurança é somar à nossa opinião a opinião abalizada do eminente Senador e Professor Josaphat Marinho.

Ao emitir Parecer sobre o Projeto de Lei da Câmara nº 13/91, que dispõe sobre a "regulação de Medidas Provisórias", o Senador Josaphat Marinho afirma: "Mas a apresentação do projeto na forma de lei complementar não torna ilegítima a regulação. Quando muito", afirma o nosso estimado Professor, "pode influir, se aprovado, no processo de mudança da lei, reconhecendo-se desnecessário o quorum especial estipulado no art. 69 da Constituição, caso lhe seja negado, por decisão judicial, o caráter de "lei complementar".

No caso examinado pelo Senador Josaphat Marinho, o projeto busca regular pela via de lei complementar uma disposição constitucional que sequer cobra lei, em sentido formal, para sua efetivação - aliás, já passado pela Câmara dos Deputados. Imagine que, no caso da Petrobrás, a nossa pretensão, também esposada pelo Presidente da República, é regular por lei complementar uma disposição que reclama apenas lei, sem se referir se essa seria ordinária ou complementar.

Destarte, estaremos prontos a solicitar o apoio do Senado Federal para garantir o status merecido à norma reguladora do setor petróleo no Brasil.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/07/1996 - Página 11812