Discurso no Senado Federal

RELATORIO PRELIMINAR DA VISITA DE COMISSÃO ESPECIAL DO SENADO AO DISTRITO DE SERRA PELADA, EM CURIONOPOLIS, PARA.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA MINERAL.:
  • RELATORIO PRELIMINAR DA VISITA DE COMISSÃO ESPECIAL DO SENADO AO DISTRITO DE SERRA PELADA, EM CURIONOPOLIS, PARA.
Aparteantes
Josaphat Marinho.
Publicação
Publicação no DSF de 16/07/1996 - Página 12100
Assunto
Outros > POLITICA MINERAL.
Indexação
  • INICIO, RELATORIO, COMISSÃO, SENADO, ACOMPANHAMENTO, DISPUTA, COOPERATIVA, GARIMPEIRO, DISTRITO, SERRA PELADA, MUNICIPIO, CURIONOPOLIS (PA), ESTADO DO PARA (PA), COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), NECESSIDADE, AUMENTO, PRAZO, NEGOCIAÇÃO.
  • ANALISE, HISTORIA, FALTA, APOIO, DEPARTAMENTO NACIONAL DE PRODUÇÃO MINERAL (DNPM), GOVERNO, SABOTAGEM, GARIMPEIRO, CRITICA, GOVERNO FEDERAL, PAGAMENTO, INDENIZAÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), AUTORIZAÇÃO, GARIMPAGEM, DISTRITO.
  • DENUNCIA, INEXATIDÃO, INFORMAÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), LOCALIZAÇÃO, PROSPECÇÃO MINERAL, OURO, FALTA, RECONHECIMENTO, POSSE, JAZIDAS, GARIMPEIRO, PROTESTO, VIOLENCIA, AUSENCIA, ETICA, EMPRESA ESTATAL, AQUISIÇÃO, TERRAS, DISTRITO, OBJETIVO, EXPULSÃO, FAMILIA.
  • DEFESA, PARALISAÇÃO, SONDAGEM DO SOLO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), REIVINDICAÇÃO, GARIMPEIRO, DEMARCAÇÃO, FORÇAS ARMADAS, AREA, MINERAÇÃO, DISTRITO, SERRA PELADA, ESTADO DO PARA (PA).

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB-PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do Orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero trazer ao conhecimento desta Casa um relatório preliminar da visita da Comissão criada pelo Senado Federal ao distrito de Serra Pelada, no Município de Curionópolis, no Estado do Pará.

O Senado Federal criou uma comissão para acompanhar a disputa entre a Cooperativa dos Garimpeiros de Serra Pelada e a Companhia Vale do Rio Doce. No mesmo instante, a Câmara Federal também criou uma comissão com esse mesmo objetivo, e também a Assembléia Legislativa criou uma comissão de deputados estaduais para tratar da mesma matéria. Todas essas três casas legislativas - o Senado Federal, a Câmara dos Deputados e a Assembléia Legislativa do Estado do Pará - decidiram, numa mesma data, mandar a Serra Pelada suas representações para estudarem o grave problema que lá se instalou.

Quero ressaltar que essa questão começou a surgir basicamente este ano, quando a empresa Vale do Rio Doce começou a trabalhar no sentido de acabar com o Distrito de Serra Pelada. Ela contratou uma empresa para comprar as áreas em volta da área mineralizada. Essa empresa comprava as propriedades rurais pelo preço três ou quatro vezes superior ao de mercado, a fim de se tornar dona única de toda a área. Posteriormente, ela começou atacando as famílias que ainda residem em Serra Pelada. E o cidadão, ao vender sua casa à Companhia Vale do Rio Doce, por um preço insignificante - 6 mil reais era o preço médio que a Vale do Rio Doce estava pagando a esses proprietários -, normalmente voltava para o seu Estado de origem ou ia para qualquer outra cidade do Estado do Pará. A Vale fazia a mudança do cidadão, entrava com um trator destruindo a casa, enterrava todo o material da construção e não cedia uma telha sequer ou uma tábua a quem quisesse fazer uso daquele material que estava sendo destruído.

É evidente que isso gerou uma revolta dos garimpeiros. Esta revolta se deu porque a Vale diz que a área de Serra Pelada, que ela chama agora de Serra Leste, é dela, e por isso, evidentemente, quer limpar a área. Os garimpeiros descobriram aquela mina em 1979. Trata-se de uma mina que já foi um grande eldorado deste País - chegou a ter 80 mil garimpeiros trabalhando dia e noite sem parar; chegaram a extrair 42 toneladas de ouro só da mina de Serra Pelada.

Esses garimpeiros, ao longo dos anos, trabalharam sem nenhuma orientação, sem nenhum recurso técnico; trabalharam de maneira rudimentar, às cegas. O Governo sempre trabalhou contra o interesse dos garimpeiros. O Departamento Nacional de Produção Mineral, como a própria Vale do Rio Doce, ao longo de uma década e meia, sabotou o trabalho daqueles garimpeiros, criando todo tipo de dificuldade.

Nós, como parlamentares, como representantes do povo naquela região, sempre pedimos à Vale e ao Departamento Nacional de Produção Mineral que auxiliassem os garimpeiros, que fizessem a prospecção, a sondagem, que orientassem onde estava o minério, que ensinassem técnicas de trabalho sem a utilização de mercúrio. Mas não. Ao contrário disso, o Governo, ao longo de todo o tempo, só sabotou e dificultou o trabalho.

A Vale conseguiu que o Governo Federal lhe pagasse uma indenização de 60 milhões de dólares, dinheiro tirado do Tesouro e pago em quatro prestações anuais de 15 milhões, para permitir que os garimpeiros continuassem a trabalhar ali.

Quando o Presidente enviou o projeto ao Congresso Nacional, propondo o pagamento dessa indenização à Companhia Vale do Rio Doce, nós, aqui no Congresso Nacional, colocamos uma emenda nesse projeto, que aceitava que se pagasse a indenização à Companhia Vale do Rio Doce, mas que, em contrapartida, se fizesse um levantamento técnico, topográfico, contábil, enfim, de todas as regras que determina a legislação do Código de Mineração, para que fique provado que a área de Serra Pelada estaria inclusa dentro da área do Decreto de Lavras nº 74.509.

A Câmara e o Senado aprovaram e, infelizmente, sem fazer nenhuma verificação, o Presidente João Figueiredo, naquela época, vetou nossa emenda. Nossa emenda não pedia nada mais do que a simples verificação, a simples prova de que a área pertencia à Vale para que ela pudesse receber a importância de 60 milhões de dólares, como recebeu.

Pois bem! De qualquer forma, com essa lei a Vale se acalmou e deixou os garimpeiros trabalharem. Durante anos e anos, com o processo contínuo de sabotagem por parte da Vale, a falta de preparo dos próprios garimpeiros - de competência, de tino administrativo -, fez com que eles fossem trabalhando de maneira rudimentar, sem nenhum estudo. Na verdade, as dificuldades de trabalho fizeram com que a cava fosse inundada e o trabalho fosse paralisado.

Os garimpeiros então começaram a abandonar a região. De 80 mil garimpeiros, hoje temos 1.900 famílias cadastradas pela Companhia Vale do Rio Doce no Distrito de Serra Pelada. Serra Pelada hoje já é um distrito legalizado pertencente ao município de Curionópolis. Essas 1.900 famílias vivem e sobrevivem do aproveitamento do rejeito do minério de Serra Pelada. Aquela cava imensa, aquela montanha que foi removida pelos garimpeiros, continua hoje sendo novamente reciclada e os garimpeiros continuam tirando ouro. O ouro desse chamado rejeito é que sustenta 1.900 famílias situadas hoje no distrito de Serra Pelada.

A Vale, então, depois de enfraquecer o movimento dos garimpeiros, durante uma década e meia, e diminuí-los de 80 mil para 6 mil pessoas, começou, então, a fazer aquilo que sempre lhe pedimos, a prospecção, e começou a fazer a sondagem para estudar a área mineralizada.

Isso ela começou a fazer há cerca de dois anos e meio. Protegida pela Polícia Federal, não permitindo que nenhum garimpeiro ou que a cooperativa tivesse acesso aos furos de sondagem, ela começou a trabalhar. E nós constatamos isso: eu, o Senador Edison Lobão, que esteve lá conosco, o Senador Ernandes Amorim, a comissão de deputados federais e deputados estaduais. Nós fomos lá para ver onde estavam sendo feitos os furos de sondagem. E o que constatamos? Constatamos que a Vale do Rio Doce começou a fazer os furos de sondagem sobre a cava de Serra Pelada, exatamente onde funciona Serra Pelada. E, a partir dali, ela foi estendendo os seus furos, num processo contínuo.

Não há, aparentemente - e a opinião pública pode assimilar ao ouvir os meios de comunicação deste País -, um estudo de sondagem numa área denominada Serra Leste, como a Vale do Rio Doce anunciou. Isso não existe. É uma mentira, uma enganação. O que há é que a Vale começou a fazer a prospecção dentro de Serra Pelada e, através de furos contínuos, chegou a uma distância de Serra Pelada de 800 metros. Há um processo contínuo, há um mapa. Recebi esse mapa, em caráter sigiloso, encaminhado pela Vale. Constatei in loco que as sondagens que estão hoje paralisadas pelos garimpeiros, a mais distante do centro de Serra Pelada está a 800 metros dela. E por quê? Porque o lençol mineralizado é uma continuidade, sai de Serra Pelada e se estende por uma distância que chega a 800 metros de distância.

A Vale contabilizou esse ouro, e já sabendo disso, em janeiro deste ano, fiz meu primeiro pedido de informação a esta Casa. Vinte dias depois, após fazermos o pedido de informação, a Vale anunciou à Nação, o Presidente da República anunciou à Nação a descoberta de uma mina de 150 toneladas de ouro.

Ela mandou uma resposta que não atendia às nossas reivindicações. Posteriormente fizemos outro pedido de informação e a Vale nos enviou uma resposta que o Senado deve manter sob sigilo. Até agora estamos mantendo o devido sigilo. Mas ficou claro que foi uma mentira a história de que Serra Leste dista dois quilômetros de Serra Pelada e que seria independente daquela. Esta é uma mentira clara para confundir a opinião pública deste País.

Ora, os garimpeiros, massacrados durante décadas, ao saberem da notícia de que na área havia 150 toneladas de ouro, sentiram-se no direito de dizer que aquilo era deles, da cooperativa, e que não iriam permitir que a Vale do Rio Doce explorasse aquela riqueza. Então, começaram a tentar negociar, a conversar com a empresa. Em princípio, a Vale não quis conversa de espécie alguma, negou-se a qualquer tipo de diálogo, dizendo que aquela terra era dela, que ia desmobilizar Serra Pelada, desfazê-la e tirar de lá todos os garimpeiros da região. Posteriormente, a insistência dos garimpeiros, o fechamento da estrada de acesso à mina, feita pelos garimpeiros, e a denúncia que fizemos aqui neste Senado, mostrando que uma Juíza Federal, a Dr. Celene, deu uma sentença considerando que a propriedade não era da Vale e condenando os 503 parlamentares a restituir aos cofres da União a indenização de 60 milhões de dólares que o Governo pagou indevidamente fez com que a Vale passasse a admitir um processo de negociação com os garimpeiros.

Ocorre, Srs. Senadores, que a Vale só admite hoje negociar com as 1.900 famílias que moram no Distrito de Serra Pelada. Não admite, em hipótese alguma, negociar com os garimpeiros donos dos barrancos de Serra Pelada. Há um impasse nesse processo.

Na proposta da Vale foi criada uma tal de chamada matriz social. Fomos verificar in loco e, conversando com os garimpeiros, percebemos que é mais um jogo de marketing, é mais um jogo de tapeação da Companhia Vale do Rio Doce, é mais um jogo de mentira, de desonestidade, de falta ética, de falta de princípio. E imaginem V. Exªs falta de ética e desonestidade de uma empresa estatal! Imaginem o dia em que a Vale for dos japoneses ou dos australianos. Como agirá com o povo do Pará, com o povo do Maranhão, com o povo do Brasil?

E por que digo que é desonesta e aética a forma como a Vale age? Porque a Vale está tentando dividir o movimento garimpeiro. Os garimpeiros, após tentarem toda espécie de negociação, quando perceberam que não poderiam fazer nada, paralisaram os serviços da Companhia. Dizem que os garimpeiros seqüestraram pessoas, mas na verdade, Senador Josaphat Marinho, o que fizeram foi prender, por algumas horas, o trator que estava esmagando as casas e as pessoas que estavam medindo algumas casas de garimpeiros para serem indenizadas pela vil importância de 6 mil reais. Paga-se um pouco a mais por aquelas casas feitas de alvenaria, que têm um quintal ou uma fruteira. O preço médio é de 6 mil reais, com direito à mudança feita pela Vale.

A Vale do Rio Doce fala a respeito de um projeto de matriz social.

O Sr. Josaphat Marinho - V. Exª pode me dar um esclarecimento?

O SR. ADEMIR ANDRADE - Pois não, Senador, com muito prazer.

O Sr. Josaphat Marinho - Senador Ademir Andrade, como é possível fazer a diferença entre essas 1.906 famílias que a Vale do Rio Doce reconhece e os grupos que vivem nas proximidades, mas dentro do Distrito de Serra Pelada?

O SR. ADEMIR ANDRADE - Senador Josaphat Marinho, na verdade, as 1.900 famílias moram em Serra Pelada e sobrevivem da exploração de seu rejeito. As outras famílias não estão dentro do distrito; são compostas de garimpeiros que, durante muitos anos, exploraram o garimpo de Serra Pelada, que foi inundado, não sendo permitido, com isso, a continuidade da sua exploração. Esses garimpeiros, então, saíram daquela área porque o rejeito não era suficiente economicamente para tantas famílias. Mas eles têm investimentos, recursos e trabalho naquela área e a consideram como propriedade sua, como seu barranco. Estão exercendo uma outra atividade fora daquela região - no Maranhão, no sul ou no oeste do Pará ou em qualquer canto do nosso Estado -, porque ali não havia condições de continuarem trabalhando. Mas, no momento em que a exploração começar a ser feita novamente, eles retornam à área. E como agora foi anunciada a descoberta de 150 toneladas de ouro - que, na verdade, acreditamos ser o dobro ou o triplo - eles querem voltar e fazer a exploração.

Então, a Vale desconhece e não quer reconhecer o direito minerário desses garimpeiros. A única coisa que admite é pagar a posse do garimpeiro, ou seja, aquela casa ou benfeitoria construída no distrito de Serra Pelada.

A proposta da Vale no projeto Matriz Social é construir, na sede do Município de Curionópolis, casas de alvenaria de 40 metros quadrados ao custo de 6 mil reais cada uma, deslocando as pessoas para essas casas e fazendo um processo de adaptação dos moradores no sentido de um aprendizado de trabalho profissional, para que eles pudessem, mais tarde, vir a trabalhar no projeto chamado por ela de Serra Leste, que na verdade é o projeto Serra Pelada.

Então, esse Projeto Matriz Social é conversa para inglês ver, como se diz no ditado popular.

Na reunião que tivemos na quinta-feira à noite com os dirigentes da Vale do Rio Doce, lhes perguntamos quantos, entre os moradores de Serra Pelada, estavam recebendo a indenização para ir embora definitivamente, quantos estavam aceitando a tal casa que a Vale queria e quantos estavam aceitando se integrar ao tal Projeto Matriz Social. Disseram-me com todas as letras que 70% das famílias iriam preferir a indenização e ir embora definitivamente de Serra Pelada, enquanto os outros 30% aceitariam o tal Projeto Matriz Social - o que evidentemente não acredito ser verdade. A Vale está no firme propósito de tirar as pessoas de Serra Pelada, mandá-las embora definitivamente, destruir um distrito construído, uma sede legalmente constituída para ser dona total e absoluta de toda a área.

Sr. Presidente, a forma violenta e aética da Vale é um procedimento de quem age com truculência, com má-fé. Eu disse aos seus dirigentes que esta atitude envergonha qualquer cidadão que tem um mínimo de consciência: tentar dividir o movimento, comprar as pessoas, prevalecendo-se da condição de miséria, de desemprego, de fome das pessoas que estão vivendo naquela área. A Vale quer comprar as casas das pessoas e tirá-las definitivamente de Serra Pelada.

Quero finalizar, Sr. Presidente, dizendo que os garimpeiros de Serra Pelada não aceitam a proposta da Vale e impõem duas condições: ou a Vale esquece aquela região, vai embora e deixa que eles tomem conta da área. É evidente que, com um potencial de mina já reconhecido internacionalmente, os garimpeiros poderão associar-se com empresas que tenham tecnologia e assim poderão continuar a explorar o ouro e terão algum usufruto daquele bem. Ou então a Vale indeniza a todos eles, não apenas as 1.900 famílias que estão dentro de Serra Pelada. Os garimpeiros só aceitam essas duas condições.

O Sr. Josaphat Marinho - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ADEMIR ANDRADE - Ouço V. Exª, Senador Josaphat Marinho.

O Sr. Josaphat Marinho - Nos seus trabalhos de prospecção, a Vale não utiliza, pelo menos, parte dessa mão-de-obra de garimpeiros?

O SR. ADEMIR ANDRADE - É possível que utilize uma pequena parte das 1.900 famílias que estão dentro de Serra Pelada, e, por isso o Projeto de Matriz Social.

Ocorre, Senador Josaphat Marinho, que Serra Pelada foi um garimpo único neste mundo. Para fazer a escavação e a exploração do ouro, os garimpeiros se tornavam donos de barranco, com área de 4mx4m, e desciam-no para encontrar o ouro. Para fazer o trabalho de escavação, tinham de investir, de contratar pessoas, portanto, saíam pelas cidades do Pará, do Maranhão e de outros Estados vendendo quotas do seu barranco. O farmacêutico comprava 1%, o padeiro adquiria 1%, um dentista comprava 5%, etc. Cada barranco daqueles se tornava uma sociedade anônima, de vários sócios, tudo documentado. No momento em que se encontrasse o ouro, o metal era dividido, proporcionalmente, ao número de quotas de cada um.

É uma questão que envolveu o interesse de milhares de pessoas as quais até, hoje, se julgam proprietárias daquela riqueza, porque, ali, investiram dinheiro. De forma que não aceitam, de maneira nenhuma, a proposta que está sendo feita pela Vale do Rio Doce.

Essa empresa aceita mudar, agora, o seu Projeto de Matriz Social. Conversando com os Senadores, Deputados Federais e Estaduais a Vale do Rio Doce admite mudar o seu projeto no seguinte aspecto: primeiro, continua atendendo exclusivamente àquelas 1.900 famílias. Mas, por exemplo, em vez de dar a casa dentro de Curionópolis, propõe-se a fazer um programa de assentamento rural, passando as famílias a ter um lote rural para trabalhar e produzir naquele local.

Aquela Companhia - talvez porque tenha se sentido envergonhada com o que estava fazendo à nossa vista, quando Senadores, Deputados Federais, Estaduais e a imprensa chegaram ao local; envergonhada também da atitude desonesta e antiética que estava promovendo - admitiu, pelo menos para nós, que o Projeto Matriz Social poderia continuar em Serra Pelada. Na verdade, o que ela desejava era deslocar as 1.900 famílias da área, destruindo totalmente suas casas. Entretanto, atualmente, já passa a admitir a possibilidade de aquelas moradias serem pagas e o Projeto Matriz Social ser construído dentro da área de Serra Pelada. Isso nos foi dito na reunião que tivemos na quinta-feira com os dirigentes da Vale do Rio Doce.

No dia seguinte, sexta-feira, pela manhã, deslocamo-nos para Serra Pelada. No caminho, pudemos observar uma pequena manifestação com jogos, bombons, prêmios, etc, para que a população daquela cidade recebesse os Parlamentares, sensibilizando-nos para um pronunciamento a favor do Projeto Serra Leste. É evidente que a empresa já cooptou algumas lideranças do Município de Curionópolis, inclusive o prefeito, que está recebendo fortunas com o adiantamento de impostos - não sei se para aplicar em benefício da população. Como nosso compromisso era visitar Serra Pelada, apesar de o tempo ter sido exíguo, seguimos direto para aquele município. Inclusive, Sr. Presidente, penso que uma visita tão rápida não deveria acontecer, pois acredito que deveríamos ter passado, pelo menos, dois dias por lá.

Constatamos a presença de mais de sete mil garimpeiros. Pessoas pobres, humildes, simples, vivendo com muita dificuldade, mas com muita esperança de que não seja cometida uma injustiça contra eles. Eles acreditam que a única maneira de mudar a forma de agir do Governo seja através da ação das comissões do Senado, da Câmara e da Assembléia Legislativa.

A principal reivindicação dos garimpeiros é que as Forças Armadas Brasileiras cheguem à Serra Pelada e, juntos, façam a demarcação do Decreto de Lavra nº 74.509. Eles querem que seja colocado o marco denominado SL-1 de acordo com as coordenadas geodésicas e, a partir dele, se faça um levantamento topográfico, para que fique provado que a área do Decreto de Lavra nº 74.509 tem, dentro de si, a área de Serra Pelada. É o que eles estão pedindo, reivindicando, porque afirmam, categoricamente, que Serra Pelada e, evidentemente, Serra Leste - que é a mesma coisa, não tem diferença alguma - estão fora da área do Decreto de Lavra nº 74.509.

O Sr. Josaphat Marinho - Pelo que V. Exª expõe, fica-me a impressão de que falta um programa social que compatibilize a ação da Vale do Rio Doce com a situação dos garimpeiros. Mas esse programa não passaria pela interferência superior do Ministério das Minas e Energia?

O SR. ADEMIR ANDRADE - Com certeza. Até mesmo do Presidente da República.

O Sr. Josaphat Marinho - V. Exª, então, não convirá em que, ao lado dessas comissões a que se referiu, haja a participação administrativa do Ministério das Minas e Energia, que poderá facilitar a solução?

O SR. ADEMIR ANDRADE - Sem dúvida alguma. Nós combinamos com os garimpeiros que eles organizassem uma comissão das suas lideranças para que ela viesse a Brasília. Acredito que essa comissão esteja chegando aqui amanhã para colocar de maneira clara as suas propostas, e nós devemos colocar também aquilo que é possível ser feito. Evidentemente, depois de conversarmos, garimpeiros, Senadores e Deputados Federais, tentaremos uma ação conjunta das duas comissões: vamos chamar o Poder Executivo, o Ministro das Minas e Energia e até o próprio Presidente da República para encaminharmos uma solução que atenda ao interesse de todos.

Vale dizer, Senador, que os garimpeiros, na nossa concepção, têm toda razão de fazer o que estão fazendo. Diz a Vale do Rio Doce que, no aspecto legal, ganhou em todas as instâncias. Não tenho segurança disso, porque, como já disse, há uma sentença de uma juíza federal negando esse direito à Vale. Mas diz a Vale que já ganhou em todas as instâncias, que os garimpeiros têm que sair, e que ela não discute o direito minerário. Ela discute outros aspectos, mas o direito minerário não.

Ora, os garimpeiros estão se apercebendo da questão da justiça social e não admitem que contra eles seja cometida uma injustiça. Por isso, paralisaram as sondas que estavam fazendo o estudo e vão continuar com elas paralisadas, sem dúvida nenhuma, enquanto isso não se resolver. Creio que essa não seja apenas uma posição só minha, já que conheço a matéria e convivi com todos aqueles garimpeiros, mas sim a posição dos Senadores Edison Lobão, Ernandes Amorim, dos Deputados Antonio Feijão e José Priante e de todos os que estiveram presentes àquela visita. Espero que todos dêem razão às reivindicações dos garimpeiros, apesar de parecer que estejam fazendo algo contra a lei.

A justiça, às vezes, está acima da lei e o nosso senso de justiça faz com que, mesmo contra a lei - se é que a lei de fato favoreceu a Vale do Rio Doce -, aprovemos a atitude tomada pelos garimpeiros de não permitir que o trabalho continue enquanto não lhes for apresentada uma solução.

O SR. PRESIDENTE (Joel de Hollanda) - Nobre Senador Ademir Andrade, o tempo de V. Exª já está esgotado e há vários oradores inscritos.

Peço a V. Exª que conclua o seu pronunciamento.

O SR. ADEMIR ANDRADE - Sr. Presidente, vou concluir, peço apenas mais um minuto, pois não havia percebido que o meu tempo tinha se esgotado.

Sobre o aspecto da localização, há uma enorme dúvida e os garimpeiros querem que as Forças Armadas Brasileiras - faço questão de repetir, pois acreditam nelas - façam a demarcação. Existem ainda outros aspectos questionáveis. A Vale do Rio Doce recebeu esse alvará - aliás, não foi a Vale e, sim, a AMSA Mineração que, posteriormente, foi incorporada pela Vale do Rio Doce, em 1974 -, recebeu esse decreto de lavra e pesquisa para pesquisar o ferro e, no mesmo dia em que foi assinado o Decreto nº 74.509, foram assinados três outros decretos e publicados no Diário Oficial da União, na mesma página, assinados pelo então Ministro Shigeaki Ueki e pelo Presidente da República Ernesto Geisel.

Desses quatro decretos assinados, três são irregulares, pois o Código de Mineração é muito claro quando diz que a área máxima de decreto de pesquisa é de dez mil hectares, mesmo assim em condições excepcionais. Pois, no mesmo dia, estão publicados no Diário Oficial quatro decretos em favor da AMSA Mineração. Um de dez mil, um de vinte mil, um de trinta mil e outro de cem mil hectares.

Ora, a Vale do Rio Doce pegou justamente a área de dez mil, que era a única legalizada, para colocar em cima da área de Serra Pelada. Essa é uma dúvida. Além disso, há um prazo para se fazer a pesquisa, senão o decreto caduca e a empresa perde o direito. A AMSA recebeu esse decreto em 1974 e, até 1979, quando um garimpeiro descobriu as primeiras pepitas em Serra Pelada, não houve nenhuma pesquisa, não houve nenhum trabalho, a Vale do Rio Doce nunca pregou, como se diz no ditado popular, um prego ou uma barra de sabão naquela área, não fez absolutamente nada. Portanto, que direito teria ela sobre a área? E ela só começou a pedir a questão do ouro em 1983, três anos após a exploração pelos garimpeiros de Serra Pelada.

Encerrando minhas colocações, quero, neste relatório preliminar, que considero extremamente importante, ponderar ao Presidente da República e ao Governador do Estado que dêem mais tempo para que as negociações possam se processar, para que as coisas se esclareçam de fato e para que encontremos um denominador comum que atenda aos interesses de todos. Que não se aja com violência, que não se mande as Forças Armadas para desalojar os garimpeiros e muito menos que se mande a Polícia Militar para tirá-los de lá. Vamos dar um tempo para que haja negociação e entendimento e todos possam sair ganhando nesse processo.

Eram essas minhas ponderações. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/07/1996 - Página 12100