Discurso no Senado Federal

OBSERVAÇÕES SOBRE OS PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO A DISTANCIA, CONDUZIDOS PELO MINISTERIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • OBSERVAÇÕES SOBRE OS PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO A DISTANCIA, CONDUZIDOS PELO MINISTERIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO.
Publicação
Publicação no DSF de 13/07/1996 - Página 12084
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, PROGRAMA, EDUCAÇÃO, RESPONSABILIDADE, ORIENTAÇÃO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), OBJETIVO, REFORÇO, ENSINO FUNDAMENTAL, PAIS.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Ministério da Educação e do Desporto está levando a efeito (ou se prepara para fazê-lo), basicamente, três grandes atividades no campo da educação a distância:

              1. O "Salto para o Futuro", programa de atualização de professores para o ensino fundamental público, desenvolvido por meio de 1400 telepostos, com a recepção organizada de programas produzidos pela Fundação Roquette Pinto e transmitidos pela rede de emissoras educativas de televisão. A execução cabe às Unidades Federativas, que organizam a recepção, com administração local e orientadores. Os programas são acompanhados por breves súmulas escritas e se estabelece, por turnos, comunicação por fax entre os telepostos e a emissora;

              2. A TV Escola, que compreende a formação e a capacitação de professores e diretores de escolas e, sobretudo, o apoio às atividades em sala de aula, isto é, tem como destinatários professores e alunos. A meta é prover todas as escolas de ensino fundamental, de mais de 100 alunos, de antena parabólica, aparelho de televisão, videocassete e fitas VHS. São realizadas três horas diárias de emissões pela televisão, repetidas cinco vezes por canal exclusivo, via satélite. A produção cabe mais uma vez à Fundação Roquette Pinto, sendo terceirizada cerca da metade dos programas. Ao mesmo tempo, é produzido material didático, enviado às escolas junto com um periódico, "Revista da TV Escola", que apresenta a programação do período e outras matérias de interesse. Foram firmados convênios para atender 47 mil escolas, envolvendo 1,3 milhão de professores e 25 milhões de alunos. Cada escola recebe R$ 1,5 (mil e quinhentos reais) para adquirir o chamado kit tecnológico, recursos estes oriundos da cota federal do salário-educação. Cabem aos Estados e Municípios as despesas de instalação, manutenção e segurança dos equipamentos. É expectativa do MEC que as equipe de supervisão de educação a distância, responsáveis pelo "Salto para o Futuro", em conjunto com as DEMECs, possam orientar a utilização dos programas da TV Escola. Foi estabelecido um programa de capacitação dos professores, estabelecendo-se em cada Estado um núcleo capacitado pelo MEC para, por sua vez, capacitar os professores e acompanhar o projeto. A informação é que, até agora, cerca de 30 mil antenas parabólicas estão funcionando, enquanto a meta é de 45 mil postos;

              3. O Programa de Informática, que tem em vista instalar, a partir de 1997, 250 mil computadores nas escolas. Os mesmos estarão em rede e acoplados à televisão, servindo de apoio às atividades em sala de aula.

              Com base nas publicações da TV Escola e do "Salto para o Futuro", registramos um esforço altamente elogiável de atualizar as escolas, que ainda utilizam em grande parte tecnologias do século XIX, enquanto o aluno, em sua comunidade, senão também em sua casa, dispõe de acesso às tecnologias eletrônicas, criando um contraste deprimente com o currículo escolar. A introdução das novas tecnologias na sala de aula leva provavelmente à modificação das condutas do professores e dos alunos e tem a vantagem de levar aos mesmos, em breve prazo, o fluxo de novos conhecimentos. As atividades em tela são também realizadas em grande escala, conforme convém à educação a distância, contribuindo para reduzir significativamente os custos unitários. No entanto, esse mesmo gigantismo cria dificuldades pelas dimensões do País, pelas diversidades culturais, pelo número de atores envolvidos (União, Estados, Municípios, órgãos financiadores internacionais, etc.) e pela complexidade das ações envolvidas. Também a mística das tecnologias apresenta o risco de levar a crer que equipamentos e programas eletrônicos são determinantes ou suficientes para o êxito da educação a distância, quando a história da tecnologia educacional no Brasil revela que todo esse aparato, por melhor que seja, tem a sua efetividade dramaticamente reduzida em virtude de falha de seres humanos na base, isto é, de gestores regionais e locais e da recepção organizada. Dificuldades nessas áreas são típicas de países menos desenvolvidos e os levam freqüentemente a perder quase todos ou a maior parte dos benefícios.

              Embora sem proceder a uma pesquisa científica, este Consultor apresenta algumas observações:

              * Seguindo as instruções do material enviado pelo correio às escolas, existe grande dificuldade de sintonizar a programação, com o auxílio de uma antena parabólica de qualidade. O que ocorrerá em Manicoré ou em Urucurituba?

              * A programação do "Salto para o Futuro" é excessivamente centralizada nas experiências de escolas particulares do Rio e de S. Paulo. Participantes de telepostos organizados, que são necessariamente professores da rede pública, observaram esse hiato em face da sua experiência. A TV Escola, que trabalha com a base nacional do currículo, tem em vista desenvolver a Programação Bem-te-vi, para abordar a identidade cultural de cada região. No entanto, a questão apontada por especialistas é que, apesar da realização de pesquisas de acompanhamento e avaliação, a maior parte do pessoal da produção e gestão nunca observou um teleposto nem teve, portanto, contato direto com os seus clientes.

              * A análise dos "Cadernos da TV Escola" ("Escola Hoje" -- sobre gestão -- e "Conversa de Professor" (Ciências, Língua Portuguesa, Livros etc..., Viagem de Leitura e Matemática) revelou tratar-se de material muito pobre para os propósitos de educação a distância. Os textos, embora em si bem elaborados, dificilmente serão compreendidos pelo público-alvo; fazem escasso uso de ilustrações e mesmo de recursos de diagramação. Enfim, serviriam de apoio para o ensino presencial de outros públicos, mas não à educação a distância.

              * Há escasso uso da interatividade, que a implantação de computadores, possivelmente a partir do próximo ano, pode até superar. Existem, entretanto, meios mais baratos, que são pouco utilizados. Um exemplo é o fax, que aparentemente é subutilizado, inclusive pelo "Salto para o Futuro".

              Trata-se, portanto, de atuação que apresenta, como seria de se esperar, luzes e sombras. Ainda que os seus resultados sejam pobres, poder-se-ia dizer que, se é ruim com ela, pior sem ela. Todavia, quanto menor a qualidade dos serviços, menores os impactos positivos e maior o desperdício de recursos. Como condicionante dos problemas técnicos, há necessidade de se destacar, em seguida, questões administrativas e financeiras da maior importância, que podem contribuir para que as atividades em foco sejam um notável êxito ou um grande fracasso, no último caso comprometendo outras iniciativas que venham a surgir no campo.

              Daí o desempenho das atividades pode ser gravemente comprometido pelas seguintes questões:

              * A Secretaria de Educação a Distância, recém criada e ainda não regulamentada, depende de outrem para execução financeira. Ora, a autonomia administrativa e financeira é essencial para o bom andamento de programas como estes, do contrário, ficam enredados numa teia de trocas e de inércia burocrática, típica das grandes administrações públicas.

              * As fontes apontam para o subfinanciamento dos programas. Foi declarado que as necessidades para este exercício financeiro são de R$ 8.000.000,00 (oito milhões de reais) ou supostamente R$ 0,32 (trinta e dois centavos de real) por aluno, mas apenas R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais), aproximadamente, estariam assegurados no Orçamento Geral da União. A Secretaria conta com R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) do FNDE para a produção e está negociado recursos (necessariamente limitados) do Banco do Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento e outras fontes. Contar com recursos inerciais do orçamento pode levar à acomodação, mas a incerteza de meios reduz o ritmo de realizações, afasta pessoal qualificado e leva a grande insegurança. A experiência ensina que a corda bamba tem vantagens, mas não pode ser muito bamba, sob pena de perder-se o equilibrista.

              * A complexidade das ações e a multiplicidade dos atores envolvidos podem deixar o MEC em situações difíceis, ao passo que, ao mesmo tempo, conduzem ao desempenho desigual e a sérios tropeços de execução. O sucesso depende da prioridade concedida aos programas pelos Estados e Municípios, da sua capacidade financeira de complementar os recursos e das boas relações entre os três níveis de governo na educação, cujas atribuições ainda não são claras, quer na Constituição Federal, quer nas Constituições Estaduais, quer na Lei Complementar prevista pela primeira, até hoje não aprovada. Há necessidade também de apoio da área econômica de cada governo subnacional, para alocação e liberação, a tempo, das verbas necessárias. Por outro lado, a grandiosidade das tarefas contrasta com a "cultura de balcão" prevalecente no funcionamento da maioria dos órgãos públicos. A rotina das ações, o estilo de apagar incêndios, de resolver tudo com atraso, a falta de preocupação e de conhecimento de custos e a tendência de procrastinar decisões, porque os recursos financeiros estão sempre atrasados (e quanto mais lento o fluxo das decisões, menor é também o fluxo de despesa pública), criam um clima desfavorável ao sucesso da educação a distância.

As dimensões da empreitada e a necessidade de um governo quatrienal deixar resultados duradouros exigem condições de execução ágil de um projeto.

              Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, embora ambiciosas na sua concepção, as atividades planejadas ou executadas pela Secretaria de Educação a Distância do MEC apresentam alta potencialidade de transformação e atualização da escola fundamental. A prioridade ao porte das escolas e às quatro primeiras séries do ensino fundamental corresponde a um delicado equilíbrio entre custos e benefícios. No entanto, não se estão verificando, a nosso ver, as condições administrativas e financeiras para o êxito, uma vez que a capacitação adequada do pessoal, a organização dos telepostos e a utilização eficiente e eficaz dos recursos eletrônicos podem ser prejudicadas pela falta de gestão e financiamento condizentes e de entrosamento entre esferas governamentais. A existência de licitações sub judice em alguns Estados, além de outros fatos, é sinal da lentidão e da falta de compromisso das paquidérmicas burocracias públicas.

              Desenham-se, portanto, dois cenários extremos. No cenário otimista, essas dificuldades são superadas e, apesar de desigualdades de desempenho, consegue-se êxito na maioria dos Estados e Municípios. No cenário mais pessimista, ocorre o fracasso e, como existem muitos responsáveis pela execução, o MEC, criador da idéia e autor da iniciativa, fica com o ônus de ter despendido volumosos recursos sem resultados palpáveis. Estados e Municípios ainda poderão culpar a suposta centralização.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/07/1996 - Página 12084