Discurso no Senado Federal

CONTEMPORANEIDADE DE ARTIGO PUBLICADO EM JORNAL CIDADE DE PARACATU, EDIÇÃO DE 10 DE DEZEMBRO DE 1899, INTITULADO A LEI DA EXTORSÃO, ACERCA DOS MESMOS EQUIVOCOS DO GOVERNO FEDERAL DA EPOCA E DE HOJE.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • CONTEMPORANEIDADE DE ARTIGO PUBLICADO EM JORNAL CIDADE DE PARACATU, EDIÇÃO DE 10 DE DEZEMBRO DE 1899, INTITULADO A LEI DA EXTORSÃO, ACERCA DOS MESMOS EQUIVOCOS DO GOVERNO FEDERAL DA EPOCA E DE HOJE.
Publicação
Publicação no DSF de 13/07/1996 - Página 12036
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CIDADE DE PARACATU, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), EPOCA, GESTÃO, CAMPOS SALES (CE), EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, REFERENCIA, IMPROPRIEDADE, GOVERNO FEDERAL, CRIAÇÃO, TRIBUTOS, VENDA, EMPRESA ESTATAL, ACORDO, BANQUEIRO, PAIS ESTRANGEIRO, PROVOCAÇÃO, CRISE, ECONOMIA NACIONAL, COMPARAÇÃO, SIMILARIDADE, ACEITAÇÃO, INTERFERENCIA, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), BANCO MUNDIAL, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, farei, hoje, desta tribuna, a leitura do jornal Cidade de Paracatu, de 10 de dezembro de 1899. É como se fosse o jornal de amanhã. É realmente um jornal contemporâneo dessa modernidade que aí está, que trata das relações que pesam sobre nós e que mostra a Presidência da República em uma situação servil, subserviente e ancilar diante das relações de dominação internacionais.

Passarei, portanto, a ler o artigo intitulado A lei da extorsão. Este jornal trata de assuntos atuais, assuntos que a toda hora tomam o nosso tempo e nos preocupam:

      "Acabamos de ler neste momento o projeto de criação de mais um imposto, em nome da reconstituição financeira da República. O Congresso votou por ordem do Senhor Presidente e o Governo sancionou por ordem dos banqueiros internacionais. E francamente o confessamos, não sabemos qual a impressão que predominou em nosso espírito, se a indignação ante esse verdadeiro assalto à fortuna privada, esse violento atentado, essa extorsão contra as classes laboriosas conservadoras do País, se a tristeza, a dor ante o desequilíbrio latente, a leviandade indesculpável, o impatriotismo evidente dos nossos legisladores e a audácia quase cínica do Governo tutelado.

      De fato, quem se der ao trabalho de compulsar essa lei iníqua há de fatalmente sentir-se presa desse misto de indignado terror que nos invadiu o espírito, aniquilando as últimas esperanças que, porventura, nutríamos sobre esta malsinada República.

      Nestes tempos de patente calamidade, em que, pavorosa, a crise arranjada por esses politicões salvadores da Pátria, assoberba todas as classes produtoras do País, nesses tempos em que o comércio vacila ante o paradeiro tremendo e impostos excessivos em que a lavoura nacional agoniza sob o martelo do leiloeiro, em que as indústrias periclitam, é que o Governo vem, em nome da pretendida reconstrução das finanças brasileiras, sobrecarregá-las com esses impostos quase proibitivos, vem atirar-lhes a última pá de cal com essa absurda Lei de Extorsão.

      E, porventura, o Senhor Presidente, em um ano de governo, adulado, saudado, tendo uma Câmara unânime, (horror) e servil, já deu algum passo sério, já praticou lealmente, sinceramente, um ato que de longe se parecesse com o início de tão decantada reconstituição?

      Nós, pelo menos, não o sabemos.

      Para reconstituir as finanças brasileiras seria preciso aquilo que precisamente Vossa Excelência não possui, Senhor Presidente, em que pese aos vossos inumeráveis engrossadores, é patriotismo, abnegação.

      Patriotismo para que Vossa Excelência tenha a coragem de sobrepor aos vossos interesses, à vossa vaidade, os interesses da coletividade que simboliza a Pátria.

      Patriotismo para que fechasseis os ouvidos às conveniências partidárias e não vos deixasseis enlevar pelo palavreado melífluo dos turiferários interesseiros.

      Abnegação para que em vez de tirardes o pão a pobres operários, a ínfimos servidores, aos pequenos, enfim, começasseis reduzindo o vosso ordenado, que é exorbitante e muito maior do que o de vossos antecessores. Pusesseis termo à essas viagens principescas, que à custa da Nação tantas vezes e tão dispendiosamente tendes feito: reduzisseis essa malta de lacaios que vos cercam, essa turbamulta de engrossadores que vos endeusam, apojados na teta dos orçamentos; acabasseis, enfim, com esse luxo espantoso, oriental de vosso régio palácio.

      Abnegação, para que cortasseis fundo nas despesas públicas, suprimindo o Senado que nenhuma missão útil exerce, diminuindo pela metade o número dos deputados cuja tresloucada ambição serve muitas vezes de embaraço às medidas salutares de administração; para que aplicasseis um freio nessas convocações extraordinárias que constituem um verdadeiro escândalo e transformam o Parlamento num meio de vida e dos melhores e mais folgados.

      Abnegação, para que soubesseis afrontar sereno os perigos que atos de energia tais como estes poderiam acarretar: licenciar a metade do Exército, foco de indisciplina, cujo maior serviço é aprontar motins e manifestações mais ou menos revolucionárias, e coletivas.

      Reduzir essa Marinha, muito gloriosa é verdade, mas que ultimamente, devido à má direção e organização, tem sido quase uma vergonha nacional; derrubar essa legião de sanguessugas, os empregados públicos de alta hierarquia, cujo maior trabalho é aparecerem ao meio-dia às repartições, assinarem o ponto, darem dois dedos de prosa ao chefe sobre o acontecimento do dia e depois irem, rua afora, desfilar o préstito farfalhante das mi-mondaines e no outro dia aparecerem nas repartições, às mesmas horas e para os mesmos misteres.

      Por aí, que V. Exª deveria começar a vossa estéril administração. E, caso, tais medidas não fossem suficientes para a falada reconstrução do crédito, então, sim, podieis vir com esta Lei de Extorsão, pedindo novos sacrifícios ao povo já tão onerado e acredite V. Exª, que o povo não estranharia o sacrifício e, tampouco, vos regatearia merecidos aplausos.

      Mas não. V. Exª é suficientemente medroso e altamente egoísta e vaidoso para querer levantar contra si um ódio terrível dos grandes e poderosos, despeitados com esses atos de vero patriotismo, essa celeuma de gritos dos interesses feridos, das ambições não satisfeitas.

      Por isso, V. Exª entende que não há nada melhor, sobretudo, mais cômodo, do que salvar-se a Pátria, habitando num luxuoso palácio, ornado de ricas alfaias, numa atmosfera superior à grita lancinante e das necessidades, cercado de régios esplendores, a alma embalada ao ritmo estalidante das frases agridoces dos turiferários como um verdadeiro Dr. Pangloss, calmo, feliz, fruindo venturas no melhor dos mundos, enquanto cá fora, geme o povo apertado na prensa dos impostos, no torniquete dos arrochos, para que de suas veias jorrem torrentes de ouro e sangue que hão de fazer inchar as artérias do erário público.

      Na República, segundo reza a Carta fundamental, não há privilegiados: todos são iguais, logo, não é possível que uns trabalhem noite e dia, mourejando na lide insana dos campos estéreis, dos armazéns escuros, das fábricas insalubres, para que os predestinados, os felizardos, para os quais se abrem os cofres de vossas graças, estejam tranqüilamente, beatificamente dormindo o sono sibarítico dos escolhidos, à sombra da teta orçamentária.

      Não, Sr. Presidente, isso não é possível, não é razoável.

      Que diabo se essas finanças estão deterioradas! Se não há dinheiro, corte-se tudo, o que for supérfluo, deixe-se de pé o estritamente necessário.

      Para que seis ministérios e outras tantas secretarias?

      Para que um vice-presidente da República?

      Em vez de V. Exª estar diariamente a reprimir o povo, a compeli-lo a sacrifícios impossíveis, seria melhor que V. Exª tratasse seriamente dessa reconstituição financeira com medidas de alcance como as que acima apontamos, isto é, tributando com impostos da diminuição o número dos altos funcionários públicos, dos oficiais e praças das forças armadas, desses diplomatas mais ou menos conquerants, desses deputados mais ou menos flaneurs, que são o mais pesado imposto atirado sobre o País, desses ministérios e secretarias tanto mais inúteis quanto dispendiosas; e, como medida extrema, a extinção desse Senado rabugento, verdadeiro templo elevado à Santa Sinecura.

      Desde esse tempo que só há uma coisa de prestígio e respeitada sem sofismas: é a vontade do poder supremo.

      Quanto à desorganização do serviço público, isso V. Exª melhor que nós sabe que, mais desorganizadas do que se acham os mesmos de tempos a esta parte, é impossível.

      Com estes novos impostos será muito mais fácil a tarefa de reconstituir o arruinado edifício do crédito nacional, mesmo porque recai sobre matéria ainda não atingida pelos tributos do sacrifício.

      Do contrário, Sr. Presidente, o povo não é de bronze, e Leis de Extorsão como essa podem um dia fazê-lo erguer-se como o leão da fábula. E, nesse dia, isso vos garantimos, não tereis aquelas palavras altamente ofensivas e profundamente descorteses com que indeferistes a petição do comércio do Rio de Janeiro."

Trata-se, nobres Senadores, de um jornal publicado no dia 10 de dezembro de 1899, na cidade mineira de Paracatu. Os redatores, Theophilo Azevedo, Júlio Roquette e Antonio Loureiro - este último, por coincidência, meu tio-avô -, foram capazes de editar não apenas este mas, naquela pequena cidade, três outros jornais existiam com a mesma capacidade redacional, com a mesma preocupação por matérias vitais que pesavam sobre a vida nacional.

O Presidente Campos Sales, cujo nome não quis pronunciar, foi, logo depois de eleito, tratar com os Rothschild, que eram detentores de nossa dívida externa, um acordo que baixaram sobre nós. Demitiram funcionários públicos por ordem da banca internacional. Venderam empresas estatais por ordem da banca internacional. A Central do Brasil entrou no primeiro acordo de intenções oferecido pelos banqueiros do mundo a Campos Sales, e Campos Sales assinou a segunda proposta, que penhorava a Companhia de Água do Rio de Janeiro e criava um imposto de ouro sobre importações, a fim de pagar em moeda forte, não em Real, não em Dólar, mas em ouro, a dívida externa.

Em vez de enxugar apenas, em vez de enxugar, à custa do sacrifício do povo, o Governo Campos Sales, no ano seguinte, em 1899, o que fez? Queimou dinheiro, foi obrigado a queimar dinheiro. Enxugou tanto que queimou, em vez de apenas enxugar. Com isso, uma avassaladora crise se apossou da economia nacional, muito semelhante a este sucateamento atual.

É por isso que, obviamente, tendo escutado as vozes dos donos, tendo escutado as vozes dos interesses internacionais, do capitalismo cêntrico, este Governo está repetindo tristemente os mesmos erros, as mesmas distorções, os mesmos descaminhos que trilhou o infeliz Governo de Campos Sales, a partir de 1888.

Portanto, só desejo que este Governo acorde em tempo, para que não tenha o destino de Campos Sales, que, ao final do seu Governo, saiu apedrejado do Rio de Janeiro em seu retorno triste e melancólico para a cidade de Campinas. Desejo que em tempo este Governo mude a rota, este Governo consiga sair do caos em que declara encontrar-se para nos levar a outros destinos, a fim de que daqui a cem anos não venha um Senador encontrar os jornais de hoje para tornar a ler sobre os mesmos crimes que se praticam de fora para dentro da economia nacional.

Naquele tempo, obviamente, Campos Sales não tinha a consciência que hoje tem o nosso Presidente, que escreveu, no seu livro sobre o modelo político brasileiro, que vai-se formando um Estado antinacional dentro da Nação brasileira, que tem por objetivo e por fim impor ao Brasil as medidas antinacionais ditadas pelos Rothschild de ontem, pelas Casas Barings de ontem e pelo FMI e Banco Mundial de hoje, a quem obedecemos ajoelhados.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/07/1996 - Página 12036