Pronunciamento de Emília Fernandes em 17/07/1996
Discurso no Senado Federal
REALIZAÇÃO DE REUNIÃO, ONTEM, DA COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS PARA O LANÇAMENTO DO RELATORIO SOBRE DESENVOLVIMENTO HUMANO - 1996, DAS NAÇÕES UNIDAS. COMENTARIOS ACERCA DOS INDICADORES CONTIDOS NESSE RELATORIO, PRINCIPALMENTE OS RELACIONADOS AS MULHERES.
- Autor
- Emília Fernandes (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RS)
- Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.:
- REALIZAÇÃO DE REUNIÃO, ONTEM, DA COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS PARA O LANÇAMENTO DO RELATORIO SOBRE DESENVOLVIMENTO HUMANO - 1996, DAS NAÇÕES UNIDAS. COMENTARIOS ACERCA DOS INDICADORES CONTIDOS NESSE RELATORIO, PRINCIPALMENTE OS RELACIONADOS AS MULHERES.
- Aparteantes
- José Alves.
- Publicação
- Publicação no DSF de 18/07/1996 - Página 12228
- Assunto
- Outros > POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.
- Indexação
-
- PARTICIPAÇÃO, ORADOR, REUNIÃO, COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, LANÇAMENTO, RELATORIO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), PROJETO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD), DESENVOLVIMENTO SOCIAL.
- ANALISE, AMBITO INTERNACIONAL, VINCULAÇÃO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, BEM ESTAR SOCIAL, EXPECTATIVA, VIDA, NIVEL, EDUCAÇÃO, RENDA PER CAPITA, ESPECIFICAÇÃO, DESIGUALDADE REGIONAL, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, QUALIDADE DE VIDA, BRASIL.
- NECESSIDADE, COOPERAÇÃO ECONOMICA, AMBITO INTERNACIONAL, PARTICIPAÇÃO, MULHER, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, POLITICA DE EMPREGO, MELHORIA, EDUCAÇÃO, SAUDE, POPULAÇÃO CARENTE, EXPANSÃO, INDUSTRIA, AGRICULTURA, INTEGRAÇÃO, ECONOMIA INTERNACIONAL, PROCESSO, GLOBALIZAÇÃO.
A SRª EMILIA FERNANDES - (PTB-RS. Pronuncia o seguinte discurso.) Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, participamos, ontem, na Comissão de Assuntos Econômicos desta Casa, do lançamento regional para a América Latina do Relatório Sobre Desenvolvimento Humano - 1996, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD.
A sessão, presidida pelo Senador Eduardo Suplicy, contou com a presença do Diretor do Escritório Regional do PNUD para a América Latina e para o Caribe, Fernando Zumbado; dos Senadores Ricardo Nuñes, do Chile, e Antonio Safiero, da Argentina; da Secretária-Geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais do Mexicanos, Beatriz Paredes; do Presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados do Brasil, Deputado Franco Montoro, além de vários Senadores, Deputados, Embaixadores e representantes de várias entidades nacionais e internacionais.
O lançamento desse relatório ocorreu simultaneamente em Washington e Tóquio.
Essa é a 7º edição do Relatório Sobre Desenvolvimento Humano, que classifica anualmente os países de acordo com o desenvolvimento humano, trazendo dados, índices e indicativos da realidade econômica, social e política, coletados em 174 países relativos ao ano de 1993.
A coordenação desse documento de extrema importância para os povos do mundo, realizado com independência intelectual e competência profissional, é de James Speth, com a colaboração de inúmeras pessoas, de organizações governamentais e não-governamentais.
A solenidade realizada ontem nesta Casa mostrou a identidade de problemas e situações de desigualdade verificadas nos países, bem como as dificuldades enfrentadas para encontrar alternativas de desenvolvimento econômico que considerem a promoção social do ser humano.
O Relatório do PNUD sobre Desenvolvimento Humano, divulgado pela primeira vez em 1990, tem-se dedicado desde então a corrigir o critério de mensuração do progresso humano a partir apenas do crescimento econômico, sem levar em conta as condições sociais e outras formas de avaliação da valorização e desenvolvimento do ser humano.
Nessa edição, o relatório analisa a complexa relação entre crescimento econômico e desenvolvimento humano, introduzindo uma nova medida de pobreza que leva em conta também o emprego e o bem-estar social e econômico.
O novo cálculo considera a esperança de vida das populações, o índice de nível educacional, que inclui a taxa de matrícula e de alfabetização de adultos, e ainda o PIB per capita, o que evidencia, de forma mais abrangente, correta e real, a situação dos povos e das nações.
A partir desses novos critérios, o relatório identifica cinco tipos de crescimento econômico que menos beneficiam as pessoas e que não devem prosperar como alternativas de desenvolvimento humano em qualquer ponto do mundo. O primeiro deles é o crescimento sem emprego, no qual a economia cresce, os produtos internos brutos aumentam, sem que isso resulte em geração de empregos, o que tem marginalizado milhões de pessoas em todos os países, sejam industrializados ou em desenvolvimento.
Outra forma de crescimento desaconselhável, segundo o relatório, e talvez o mais nocivo deles, é o que classificam de crescimento desumano, onde os ricos ficam cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres, empurrando a sociedade humana para uma situação de desigualdade explosiva.
O próprio relatório se encarrega de exemplificar essa realidade extremamente injusta, apontando que bens de apenas 358 multimilionários mundiais superam os rendimentos anuais conjuntos de países que totalizam 45% da população mundial, desigualdade que vem não só se perpetuando como tem-se aprofundado nesses últimos anos.
Ainda entre as formas de crescimento consideradas impróprias, está o crescimento sem direito à opinião, que traz desenvolvimento econômico para os países e até mesmo para parcelas das populações, mas que se dá às custas do sacrifício do pleno exercício dos direitos democráticos dos seus cidadãos.
Também merecem a crítica do relatório o crescimento desenraizado, que anula a identidade cultural dos povos, e o crescimento sem futuro, que as gerações atuais desperdiçam os recursos, especialmente naturais, sem previsão de futuro.
De acordo com os novos critérios, os dez países que apresentam os melhores índices de desenvolvimento humano são, na ordem: Canadá, Estados Unidos, Japão, Países Baixos, Noruega, Finlândia, França, Islândia, Suécia e Espanha.
Entre os países da América Latina, o primeiro da lista, em 30º lugar, é a Argentina, seguido do Uruguai, Chile, Venezuela, Colômbia, Brasil, Equador, Paraguai, Peru e Bolívia, principalmente.
Segundo o relatório divulgado oficialmente ontem, o Brasil ocupa o 58º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), entre os 174 países pesquisados, sendo ainda o primeiro na lista dos países considerados de desenvolvimento médio.
Essa posição é resultado da composição de índices que apontam no Brasil a esperança de vida em 66,5 anos; a taxa de alfabetização de adultos de 82,4%, a taxa de matrícula no primeiro, segundo e terceiro graus de 72%; e ainda um Produto Interno Bruto per capita de US$5.500.
Apesar de ter sido um dos países da América Latina e do Caribe que mais cresceu economicamente, o Brasil não apresentou o mesmo desempenho em termos de desenvolvimento humano, fato que se expressa nas evidentes dificuldades sociais vividas pela população e, especialmente, nos indicadores da distribuição da renda nacional.
De acordo com o Relatório, levando em consideração dados de 1993, o Brasil juntamente com a Guatemala e o Panamá detém a maior disparidade entre ricos e pobres, ou seja, mantém lamentavelmente título de campeão mundial da concentração de renda, com 20% mais ricos detendo uma renda 32,1 vezes maior do que as dos 20% mais pobres.
Essa situação, com o advento do Plano Real, pode ter tido alguma melhora, mas certamente insuficiente para alterar esse quadro de profunda desigualdade entre os brasileiros que compromete qualquer política de desenvolvimento econômico e social.
Segundo os técnicos do PNUD, "os países em menor eficiência em transformar sua renda em desenvolvimento humano são: Brasil, Honduras, El Salvador, Nicarágua, Bolívia, Guatemala e Haiti".
Em suas constatações de caráter mais abrangente, o Relatório aponta que:
- oitenta e nove países estão pior do que estavam há 10 anos atrás.
- o crescimento do produto nacional bruto, em nível mundial, durante os anos de 1975/1985, beneficiou uma minoria de países;
- nos últimos 15 anos aumentou a polarização entre ricos e pobres, tanto entre os países como entre as populações internas.
- apesar do crescimento verificado nos últimos anos, 1 bilhão e 600 mil pessoas foram deixadas para trás e estão piores do que há 15 anos.
- os ganhos econômicos beneficiaram grandemente alguns países, mas à custa de muitos;
- o número de pobres aumentou cerca de 17% no mesmo período.
- o desemprego afeta 35 milhões de pessoas no mundo industrializado, onde a taxa varia de 2,5%, no Japão, a 23%, na Espanha; e em número bem superior nos países em desenvolvimento e pobres, mas de difícil avaliação, devido a informalidade, que impede a obtenção de taxas exatas.
- cerca de 70% dos 1,3 milhões de pobres do mundo são mulheres, com rendimentos médios equivalentes a 75% do dos homens;
- jovens, especialmente das cidades, são duramente atingidos pelo desemprego, nos países em desenvolvimento e industrializados;
- desde 1980, 15 países, principalmente os asiáticos, obtiveram um crescimento econômico espetacular, com taxas mais altas do que qualquer uma observada em dois séculos de industrialização do Ocidente;
- apesar do recuo ou estagnação dos rendimentos, muitos países mostraram progressos consideráveis em educação, saúde, acesso a água potável e no planejamento familiar;
O Relatório ainda traz outros dados da desigualdade, demonstrando que:
- o espaço político sempre tem sido monopolizado pelos homens;
- as crianças que deveriam ser os mais protegidos em qualquer sociedade estão sujeitas a muitos tipos de abusos;
- a igualdade de gênero não se atinge necessariamente quando há crescimento econômico;
- a qualidade de vida da gente pode ser má, inclusive no meio da abundância;
- a falta de acesso aos bens de produção, em particular a terra e o capital, é a principal limitação dos pobres urbanos e dos trabalhadores rurais;
- os trabalhadores de mais idade são as primeiras vítimas da reestruturação das empresas.
O Relatório, Srs. Senadores, traz também informações sobre as relações de gênero no mundo, que da mesma forma foi mensurado através dos índices de Desenvolvimento e de Promoção de Gênero, incluídos a partir de 1995 e pesquisado em 137 países.
No Índice de Desenvolvimento de Gênero, o Brasil é o 49º colocado, a partir de dados comparativos mostrando que:
- a esperança de vida para as mulheres é de 68,9 anos, enquanto para os homens é de 64,1 anos;
- a taxa de alfabetização de mulheres adultas é de 82%, enquanto a taxa de alfabetização dos homens é de 82,6%;
- a taxa de matrícula das mulheres no primeiro, segundo e terceiro graus é de 71,3%, enquanto para os homens é de 71%;
- a participação da renda oriunda do trabalho entre as mulheres é de 28,6%, enquanto entre os homens é de 71,4%;
Já no Índice de Promoção de Gênero, no qual o Brasil é o 56º colocado, os indicativos são os seguintes:
- as mulheres ocupam apenas 7,1% dos cargos nos parlamentos;
- as mulheres ocupam também apenas 17,3% nos postos executivos;
- já nos postos profissionais e técnicos a participação cresce para 57,2%, mas ainda principalmente em setores de serviços;
- a participação na renda oriunda do trabalho, nesse índice, é de 29%;
Segundo esse índice, a classificação dos dez primeiros países é a seguinte:
- em primeiro lugar está a Suécia, seguida do Canadá, Noruega, Estados Unidos, Finlândia, Islândia, Dinamarca, França, Austrália e Nova Zelândia.
Srs. Senadores, às vésperas do Século XXI, esse Relatório, pela sua nova visão de crescimento econômico, que deve merecer a atenção especial de todos os povos do mundo, é um alerta, um chamamento à profunda reflexão sobre o destino da humanidade, sob todos os aspectos.
A realidade que o Relatório apresenta, sustentada pelos dados, índices e números, impõe que os governos, as nações e os povos, em todas as suas instâncias de organização e de participação social, se engajem na busca de um novo caminho para o desenvolvimento humano.
O Relatório mostra que o mundo está em uma encruzilhada: ou avançamos na conquista de relações econômicas, sociais e políticas eqüitativas, entre os países e as populações internas, ou retrocederemos à barbárie pura e simples, de alguns poucos concentrarão a riqueza, usufruirão das conquistas tecnológicas e outros bens, enquanto a imensa maioria dos seres humanos estará submetida a condições de vida desumanas.
O Relatório adverte para o fato de que "políticos tomadores de decisão estão freqüentemente hipnotizados pela quantidade de crescimento, mas que precisam preocupar-se mais com a qualidade, pois são as populações, e não apenas a economia, quem necessitam de atenção dos líderes mundiais."
Além do alerta, o Relatório aponta para a necessidade de se promover o crescimento econômico com geração de empregos, salários dignos e pleno acesso aos serviços sociais.
Nesse sentido, é claro ao afirmar que não existe relação automática entre crescimento econômico e desenvolvimento humano; e mais: que é preciso forjar essa relação, através de políticas deliberadas, com destaque para as iniciativas governamentais.
Sem dúvida, apesar de velada, este documento é uma crítica à situação mundial criada a partir da vigência do que se chama neoliberalismo, que tem afastado o Estado da promoção e da regulação do desenvolvimento econômico, ao mesmo tempo em que tem falhado no atendimento às necessidades sociais das populações.
Esta é uma realidade mundial, mas que também faz parte do cotidiano brasileiro, marcado pelo desemprego, pelas dificuldades na área da saúde, de educação, de infra-estrutura, de proteção à criança e ao idoso e de apoio aos deficientes físicos.
É preciso intervir com decisão neste processo de perpetuação das desigualdades, definindo e aplicando políticas econômicas e sociais que levem em conta o ser humano, as coletividades, as nações, em todas as peculiaridades e estágios de desenvolvimento.*
O Sr. José Alves - Permite-me V. Exª um aparte?
A SRª EMILIA FERNANDES - Concedo o aparte a V. Exª.
O Sr. José Alves - Senadora Emilia Fernandes, parabenizo V. Exª pela análise clara e consciente que faz do Relatório do PNUD. V. Exª representa nesta Casa um Estado em que é clara sua situação de desenvolvimento humano e as condições que desfruta em relação ao restante do País. Se no Rio Grande do Sul o índice de mortalidade infantil é de 47 por mil nascidos vivos, em alguns Estados do Nordeste esse índice é superior a 170. São dois países falando a mesma língua. Está de parabéns V. Exª pela sua posição e pela análise clara e concisa que faz desse Relatório.
A SRª EMILIA FERNANDES - Agradeço o aparte de V. Exª.
Tenho por objetivo relatar a reunião que tivemos ontem, buscando já oferecer alguns dados que o Relatório apresenta, no sentido de suscitar uma atenção especial por parte de toda a sociedade.
Toda a humanidade deve estar com a atenção voltada para este Relatório, mas, em especial, nós, brasileiros, Parlamentares, Governo, buscando inclusive mostrar, nas páginas deste trabalho científico, sério, competente, algumas alternativas aqui propostas, as quais foram encontradas por outros países que estão em melhor situação do que a nossa.
Acrescentaria, antes de concluir, que, entre as iniciativas apontadas pelo Relatório - penso que estão aqui as sugestões que o mesmo apresenta, inclusive adotadas por outros países do mundo -, considerando que não existem fórmulas acabadas, com as quais nos identificamos, ressaltamos as seguintes:
- a necessidade de haver um pacto Norte/Sul, com países pobres investindo em suas populações e economias e nações ricas oferecendo alívio das dívidas e concessões comerciais;
- a urgência na capacitação das mulheres e na oferta de condições para que elas possam exercer suas opções, como forma de contribuir para o crescimento econômico e o desenvolvimento em geral;
- a vigência de um compromisso político pelo emprego; aumento das oportunidades educacionais; estímulo à participação das mulheres no mercado de trabalho; proteção do emprego pelo governo, sindicatos, empregadores e políticos;
- a expansão na indústria rural e na agricultura de pequena dimensão, com acesso a terra e crédito, como instrumento de desenvolvimento econômico equilibrado e manutenção das populações em seus ambientes originais;
- a proteção tarifária, para impedir a destruição de setores industriais atingidos pela concorrência desleal, como ocorre atualmente no Brasil com a indústria têxtil e a de calçados;
- o investimento sustentado na saúde e na qualificação das populações;
- a melhoria dos recursos sociais às mães, crianças, população trabalhadora pobre e à crescente população aposentada;
(...)
Sintonizada com o diagnóstico e com o alerta feito por este documento, concluo com uma das afirmações mais contundentes do Relatório, de autoria do Sr. Richard Jolly, que diz:
"É necessária uma nova visão de solidariedade mundial para acompanhar o impacto da globalização. Sem esta visão, a globalização tornar-se-á um monstro de excessos gigantescos e desigualdades absurdas".
Impedir isso é um compromisso de todos, homens e mulheres, de todas as raças, credos e ideologias, mas especialmente daqueles que, como nós, Parlamentares, Senadores, têm a possibilidade de atuar mais diretamente para mudar a realidade.
Muito obrigada, Sr. Presidente.