Discurso no Senado Federal

BREVE REGISTRO A RESPEITO DA FRASE PROFERIDA PELO PRESIDENTE DA REPUBLICA ONTEM EM PORTUGAL, QUANDO SE REFERIA AO NOSSO PAIS COMO TENDO UMA CULTURA 'CAIPIRA' E QUE , POR ISSO, NÃO ESTA ACOMPANHANDO OS PROCESSOS DE GLOBALIZAÇÃO E MODERNIZAÇÃO EM CURSO NO MUNDO.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
  • BREVE REGISTRO A RESPEITO DA FRASE PROFERIDA PELO PRESIDENTE DA REPUBLICA ONTEM EM PORTUGAL, QUANDO SE REFERIA AO NOSSO PAIS COMO TENDO UMA CULTURA 'CAIPIRA' E QUE , POR ISSO, NÃO ESTA ACOMPANHANDO OS PROCESSOS DE GLOBALIZAÇÃO E MODERNIZAÇÃO EM CURSO NO MUNDO.
Publicação
Publicação no DSF de 18/07/1996 - Página 12235
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, DECLARAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, VISITA OFICIAL, PAIS ESTRANGEIRO, PORTUGAL, ACUSAÇÃO, MODELO, CULTURA, BRASIL, IMPEDIMENTO, ACOMPANHAMENTO, PROCESSO, GLOBALIZAÇÃO, MUNDO.
  • COMPARAÇÃO, POLITICA, PAIS, ANIMAL, FLORESTA AMAZONICA.

A SRª MARINA SILVA (PT-AC. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu não poderia deixar de fazer um breve registro a respeito da frase, considerada infeliz por alguns colegas Senadores, proferida ontem pelo nosso Presidente da República, quando se referiu ao nosso País com tendo uma cultura "caipira" e que, por isso, não está acompanhando os processos de globalização e de modernização em curso no mundo.

Primeiro, quero deixar bem claro que o fato de pertencer a um Partido de oposição ao Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso não me leva, em momento algum, a não reconhecer Sua Excelência como uma pessoa bem-informada, um político competente e um sociólogo admirável. Como estudante de História, sempre tive um respeito muito grande pela produção intelectual do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Faço questão de fazer esse registro, para que as minhas palavras não sejam interpretadas como desrespeito ao Presidente.

Mas realmente considero infelizes as declarações do nosso Presidente. Primeiro, eu não poderia me furtar de fazer esse comentário, porque, talvez, no Senado, eu seja a mais típica das caipiras, porque venho de um Estado da Amazônia, um Estado pequeno, e sou uma pessoa que, até os 16 anos de idade, viveu nas matas de seringais do Estado do Acre.

Penso que o nosso Presidente está se esquecendo de algo: é que o processo de globalização envolve também uma relação complexa de comunicação. Sua Excelência está com a mania de citar frases - que não diria no Brasil - na Europa, nos Estados Unidos e em outros países, talvez pensando que nós não temos essas informações. Então, não sei o que é menos desatualizado: se é falar fora do país achando que a comunicação não chegará aqui, ou se é realmente considerar os brasileiros caipiras.

Além disso, creio que o nosso Presidente se esqueceu de que a cultura do povo brasileiro não é feita apenas da casa-grande. A cultura do povo brasileiro é uma mistura de casa-grande e de senzala, e o nosso Presidente, como sociólogo e estudioso, não podia se esquecer disso.

Estou escrevendo, com a minha modesta simplicidade - não sou nenhuma escritora - alguns contos, em que faço comparações entre alguns animais da floresta amazônica e a política brasileira. Eu nem iria abordar esse assunto hoje, mas o Presidente Fernando Henrique Cardoso me deu essa oportunidade.

Perdoem-me os Parlamentares do PSDB, com todo o respeito, que adotam o tucano como símbolo do Partido. Eu gostaria de fazer uma rápida comparação. Primeiro, aprendi com meu pai, um seringueiro que chegou à Amazônia em 1945, que o tucano é um pássaro que enxerga muito: sua visão abrange um ângulo de quase 360 graus. Por que isso acontece? Primeiro, porque ele tem um nervo ótico fantástico. Segundo, porque ele utiliza o bico como retrovisor. Então, nada escapa à visão de um tucano. Agora, há um problema: o tucano escuta muito pouco. Os caçadores sabem que, por enxergar muito e escutar pouco, é muito fácil pegar um tucano.

Um outro aspecto é que o tucano tem um bico muito grande e, portanto, muito pesado; mas como é um bico muito bonito, isso deixa o tucano muito vaidoso. E ele voa muito baixo por causa do peso do seu bico e da sua vaidade. Se houver alguma semelhança com algum sociólogo tucano, realmente é mera coincidência. Não estou aqui fazendo nenhuma comparação depreciativa.

Consegui fazer outras comparações, algumas até envolvendo o meu Partido, assim como o Partido do Senador Antonio Carlos Magalhães, o PMDB, que é muito forte, com outros bichos da floresta; mas vou deixá-las para uma outra oportunidade. Eu queria apenas fazer aqui essa comparação caipira com um tucano, que enxerga muito, escuta pouco, tem um bico bonito, é muito vaidoso e que, portanto, voa muito baixo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/07/1996 - Página 12235