Discurso no Senado Federal

REQUERIMENTO QUE APRESENTARA NA PROXIMA SEMANA, JUNTAMENTE COM OUTROS SRS. SENADORES, CRIANDO COMISSÃO ESPECIAL DESTINADA A DEBATER A QUESTÃO DA TERRA NO PAIS. PREOCUPAÇÕES DE S.EXA. COM A OPERAÇÃO DE AJUDA DO PROER AO BANCO BAMERINDUS.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
BANCOS.:
  • REQUERIMENTO QUE APRESENTARA NA PROXIMA SEMANA, JUNTAMENTE COM OUTROS SRS. SENADORES, CRIANDO COMISSÃO ESPECIAL DESTINADA A DEBATER A QUESTÃO DA TERRA NO PAIS. PREOCUPAÇÕES DE S.EXA. COM A OPERAÇÃO DE AJUDA DO PROER AO BANCO BAMERINDUS.
Publicação
Publicação no DSF de 20/07/1996 - Página 12817
Assunto
Outros > BANCOS.
Indexação
  • ANUNCIO, PREPARAÇÃO, REQUERIMENTO, APRESENTAÇÃO, SENADO, CONVITE, REPRESENTANTE, MOVIMENTO TRABALHISTA, TRABALHADOR RURAL, SEM-TERRA, CONFEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA (CONTAG), CONFEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUARIA DO BRASIL (CNA), DEBATE, PROBLEMA, AGRICULTURA, DISTRIBUIÇÃO, TERRAS.
  • APREENSÃO, ORADOR, OPERAÇÃO, SALVAMENTO, BANCO PARTICULAR, ESTADO DO PARANA (PR), NECESSIDADE, ESCLARECIMENTOS, PROPOSTA, VENDA, CARTEIRA IMOBILIARIA, CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF).

O Sr. Eduardo Suplicy - Estou ouvindo o pronunciamento de V. Exª, que é um conhecedor do problema da terra. Tendo sido Governador de Mato Grosso, e na condição de Senador, V. Exª está sempre atento às questões da terra, principalmente daquele Estado, que é caracterizado por propriedades bastante extensas. Mato Grosso é um Estado tipicamente voltado para a agricultura e pecuária. Por isso, V. Exª é naturalmente um profundo conhecedor do tema que aborda hoje. Creio que é oportuna a advertência que V. Exª faz ao Governo no sentido de agilizar a reforma agrária, a fim de caminharmos para uma situação de maior eqüidade no que diz respeito à distribuição de riqueza e de renda, porque isso é extremamente importante. A avaliação que V. Exª faz do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra parece-me não correta. Como V. Exª parece estar muito atento a esses fatos e aos passos do Movimento, provavelmente terá lido, há cerca de duas semanas, logo após o episódio de Buriticupu, mencionado por V. Exª, artigos que os membros da coordenação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, dentre os quais o Sr. João Pedro Stedile, fizeram questão de publicar no Jornal do Brasil, em O Estado de S. Paulo e na Folha de S. Paulo. Declararam que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra propugna a não-violência, propugna que não haja ações como aquelas que, infelizmente, ocorreram no episódio mencionado por V. Exª. Mas essa não é uma diretriz do Movimento, que tem feito ocupações simbólicas da terra, aguardando a solução do problema por parte das autoridades de governos, em nível não apenas federal, mas também estadual e até municipal. Os trabalhadores sem terra têm adotado a tática de serem pacíficos em suas ações e têm procurado o diálogo com as autoridades, para o que, muitas vezes, tem havido demora. Mas acredito que pode perfeitamente haver uma agilização por parte do Congresso Nacional; poderemos inclusive colaborar nesse sentido, ainda nesta convocação extraordinária, com a apreciação e a votação de projetos que envolvam a celeridade das decisões da Justiça. Senador Júlio Campos, quem sabe - estou pensando alto com V. Exª - podemos promover, no segundo semestre, um diálogo direto entre os Senadores, como V. Exª e aqueles que o apartearam disseram, e a coordenação do Movimento dos Sem-Terra? Quem sabe podemos promover esse debate em uma das comissões do Senado Federal que trata das questões da agricultura? Um diálogo construtivo, que envolva toda essa temática que está sendo mencionada. Aqui fica a sugestão. Tenho certeza de que a coordenação do Movimento dos Sem-Terra estaria disposta a participar desse debate. Quem sabem poderíamos trazer a esta Casa membros da Confederação Nacional da Agricultura e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra para manter conosco um diálogo construtivo, inclusive visando à aceleração, por parte do Senado, especificamente dos projetos que envolvam a questão da terra? No que concerne às distorções havidas, à corrupção na desapropriação da terra, solidarizo-me inteiramente com V. Exª. Não é possível admitir-se que, no momento da desapropriação, recursos sejam desperdiçados e, sobretudo, que enriqueçam intermediários, porque isso constitui um desvio completo da finalidade da realização da reforma agrária.

O SR. JÚLIO CAMPOS - Muito obrigado, Senador Eduardo Suplicy. Com muita honra, incorporo o seu aparte ao meu pronunciamento.

Aceito a sugestão de V. Exª, no sentido de patrocinarmos um fórum de debates entre o Senado Federal e as partes interessadas na política agrária do País, ou seja, entre a Confederação Nacional da Agricultura e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Vou sugerir que o próprio Senado Federal, neste segundo semestre, repense a política agrária do País.

O Sr. Eduardo Suplicy - Gostaria de colaborar com V. Exª na escolha das entidades que participarão do debate e poderemos assinar juntos o requerimento nesse sentido.

O SR. JÚLIO CAMPOS - Com muita honra.

Concluirei o meu pronunciamento, já que a Mesa me advertiu sobre o tempo, embora o meu pronunciamento seja bastante denso e eu deixe para falar justamente às sextas-feiras, porque, como membro da Mesa, nos dias normais não tenho oportunidade de usar da palavra, uma vez que presido a Casa.

A fazenda onde se deu o confronto armado já havia sido ocupada e desocupada. Foi reocupada porque líderes mais agressivos do Movimento dos Sem-Terra queriam ação. E ação tiveram, matando três empregados da fazenda e enterrando um de seus próprios camaradas.

Em Rosário Oeste, Mato Grosso, mortos e assassinos são sem-terra. Nada disso surpreende. Ao contrário, causa estranheza que não haja mais mortes e outras tragédias a lamentar. Em verdade, Sr. Presidente, Srs. Senadores, o Governo se deixou intimidar pelas repercussões dos conflitos no campo e passou a desapropriar glebas invadidas, o que permitiu aos sem-terra entender a nova política como um incentivo às invasões a título de apressar a reforma agrária - o que é lamentável, já que poderíamos fazer a reforma agrária sem esse tipo de pressão. A partir de então, os sem-terra passaram a escolher quem deve ou não receber o seu pedaço de chão, gozar de financiamentos e utilizar assistência técnica e equipamentos.

Diante desse cenário, Sr. Presidente, Srs. Senadores, pouco adianta o Presidente da República mandar seus auxiliares ao local do crime para apurar responsabilidades. Também não adianta uma comissão de Senadores visitar, depois do crime ocorrido, aqueles locais. A violência no campo somente vai reduzir-se se o Governo tratar os sem-terra como vítimas das injustiças sociais, mas sem lhes dar imunidade para a prática da violência. A violência começa com a invasão. Qualquer ocupação de propriedade alheia é violenta por definição. Ninguém pode fechar os olhos a essa realidade.

O Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso aparentemente ainda não percebeu que é ele o verdadeiro alvo pretendido pela estratégia do Movimento dos Sem-Terra. Por mais dinheiro que se aloque à desapropriação de terras, por mais colonos que se assentem, por mais assistência técnica que se proporcione, nada será suficiente para conter as invasões e a violência no campo. A reforma agrária é apenas um subproduto. O Movimento dos Sem-Terra pretende levar a insegurança ao maior número de lugares e de pessoas. Seu objetivo não é corrigir injustiças sociais; é ressaltá-las e agravá-las, para fazer do moderno Brasil capitalista refém de uns poucos que ainda sonham com a revolução violenta no campo.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, alguns argumentos que trouxe para debate de V. Exªs estão contidos no editorial do jornal O Estado de S. Paulo na sua edição do último dia 16 de junho. O editorial veio no momento certo. A questão da distribuição da terra no Brasil é séria e precisa ser resolvida em prazo curto. Não tenho qualquer dúvida de que é necessário redistribuir a propriedade, colocar mais gente no campo e garantir a esses trabalhadores condições mínimas para produzir, gerar seu sustento, vender o excedente, enfim, ter uma vida mais condigna. Creio que essa é a política adequada e correta.

Os generais norte-americanos trataram de fazer a reforma agrária no Japão no final da Segunda Guerra Mundial, logo após a rendição nipônica. Redistribuição de terras não é uma política contrária ao capitalismo. Ao contrário. O exemplo clássico é o dos generais norte-americanos, que forçaram a redistribuição da propriedade em um Japão devastado pelas bombas atômicas. Mas essa diretriz não tem qualquer semelhança com o incentivo à violência, que é obra da barbárie. Distribuir terras, sim; incentivar ocupações violentas, não.

Essa é uma linha de ação muito clara, que deve levar o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso a repensar todo o programa de reforma agrária. E o Senado pode ajudar nesse sentido. O Governo dispõe do Estatuto da Terra, elaborado na gestão do saudoso Presidente Castello Branco, um bom roteiro para reiniciar o seu trabalho. O problema, tal como está colocado hoje, é inverso, porque jamais haverá dinheiro suficiente para pacificar um segmento da sociedade que está fazendo da violência a característica de sua ação cotidiana. A violência é a marca dos sem-terra. Eles não querem a propriedade; querem o conflito.

No Brasil, já passamos por uma fase de radicalização na questão fundiária. Governos do início da década de 60 alardeavam que as reformas básicas e estruturais da sociedade deveriam ser realizadas mesmo contra a vontade do Congresso Nacional. Naquela época, os conflitos se multiplicaram por todo o interior do Brasil. Trabalhadores e fazendeiros se armaram. Ocorreram mortes e um profundo desvio na rota da democracia deste País em 1964. Tirar o Brasil do trilho da normalidade foi obra de poucos, produzida em poucos anos. Retorná-lo ao ambiente de paz e convivência pacífica dos antagônicos no mesmo espaço político constituiu obra de mais de uma década, conduzida por excepcionais artesãos da arte de negociar.

Ninguém quer retroceder. Todos almejamos um futuro tranqüilo, justo e equânime. É fundamental, no entanto, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, que o Governo atribua à reforma agrária a urgência e a seriedade que o assunto exige. Mas também é fundamental que a redistribuição da propriedade não possua interlocutores exclusivos, nem seja sinônimo de violência no campo.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/07/1996 - Página 12817