Discurso no Senado Federal

RETROSPECTIVA DOS PRONUNCIAMENTOS PROFERIDOS NESTA TARDE NO PLENARIO DO SENADO. RECURSOS DO FAT CONCEDIDOS PELO BNDES A EMPRESARIOS INADIMPLENTES. TRABALHO DE S.EXA. INTITULADO: 'SAUDE: O DIAGNOSTICO DO DIAGNOSTICO'.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • RETROSPECTIVA DOS PRONUNCIAMENTOS PROFERIDOS NESTA TARDE NO PLENARIO DO SENADO. RECURSOS DO FAT CONCEDIDOS PELO BNDES A EMPRESARIOS INADIMPLENTES. TRABALHO DE S.EXA. INTITULADO: 'SAUDE: O DIAGNOSTICO DO DIAGNOSTICO'.
Publicação
Publicação no DSF de 23/07/1996 - Página 12874
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), REPASSE, RECURSOS FINANCEIROS, FUNDO DE AMPARO AO TRABALHADOR (FAT), EMPRESTIMO, EMPRESA, INADIMPLENCIA, IMPOSTO DEVIDO, GOVERNO FEDERAL, DESVIO, VERBA, SAUDE, EDUCAÇÃO, APLICAÇÃO DE RECURSOS, OBRA PUBLICA, NECESSIDADE, PLANEJAMENTO, SISTEMA NACIONAL DE SAUDE.
  • COMENTARIO, ESTUDO, AUTORIA, ORADOR, DEMONSTRAÇÃO, IMPORTANCIA, GARANTIA, DIREITO A SAUDE, DIREITOS, EDUCAÇÃO, LAZER, ACESSO, TRABALHO, NECESSIDADE, TRANSFORMAÇÃO, SOCIEDADE, BEM ESTAR SOCIAL, AMBITO INTERNACIONAL, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, DESVINCULAÇÃO, SAUDE, LUCRO.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esta tarde o Senado, através de seus muito preclaros Senadores, dedicou-se, sem nenhuma combinação prévia, à saúde.

O Senador Francelino Pereira se preocupou com a saúde das estradas mineiras, descreveu a doença que transforma e sucateia as estradas de Minas; o Senador Humberto Lucena se preocupou com a saúde dos hospitais, com a saúde dos doentes, dos enfermos e com as formas pelas quais adoeceram os recursos da saúde, se desviaram de suas finalidades, e permitiram que a saúde fosse abandonada. Finalmente, o Sr. Casildo Maldaner nos trouxe, como resultado de suas reflexões, uma série de dados a respeito, inclusive, das divergências enormes entre as várias avaliações feitas; umas colocando o número de 32 milhões para aqueles que se situam abaixo da linha da miséria, outros, como o IPEA, reduzindo para a metade esta multidão, e dados da ONU que colocam 24 milhões de brasileiros nessa situação intermediária.

Sem que antes tivéssemos combinado, todos nós nos preocupamos com a saúde. Então, deve haver também um diagnóstico que seja capaz de explicar por que o Brasil apresenta esses fenômenos que nos preocupam, essa desassistência, essa marginalização da saúde e dos homens, esse desemprego, esse desinteresse, que não aparece nas cabeças, mas sim na prática.

"No princípio, era a ação", dizia Goethe, no Fausto. Na nossa ação, devemos verificar aquilo que realmente se objetiva. As nossas cabeças se transformam, objetificam-se e se convertem à realidade, o que distancia tanto a nossa linguagem, tão preocupada com o social, criando contribuições emergenciais para o social, tais como a CPMF, Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira e o Fundo Social de Emergência.

O Senhor Presidente da República, há pouco tempo, num ataque de honestidade verbal, talvez com lapsos - lapsus calami - tenha declarado que o Fundo Social de Emergência só se chama social porque eles perceberam que seria mais fácil passar no Congresso como fundo social do que apenas como fundo de emergência. Então, colocaram "social" não para valer, mas apenas para fazer passar pelo Congresso, para ficar mais palatável. Realmente, nunca pensaram seriamente em constituir um Fundo Social de Emergência.

Aquilo que restou do nosso FAT, que resultou do PIS e do PASEP, está sendo dilapidado pelo BNDES. Onde é que o BNDES coloca o FAT, Fundo de Auxílio aos Trabalhadores, retirado dos trabalhadores? Qual é o seu destino?

O BNDES, este sim, deveria ter sido privatizado há muito tempo. Como eles gostam de dizer, é um "dinossauro" criado em 1953 com adicionais do Imposto de Renda, cuja existência consistiu única e exclusivamente no trabalho de concentrar renda e retirar recursos do Imposto de Renda, recursos da coletividade brasileira e entregá-los nas mãos dos empresários.

Agora, pegam o nosso FAT e emprestam para quem? Os inadimplentes, aqueles empresários que estão devendo impostos ao Governo, que são mal pagadores dos impostos ao Governo, esses receberam o dinheiro do FAT. Se eles não pagaram nem ao Governo os impostos devidos, vão pagar aos trabalhadores, devolvendo a eles o FAT, que o BNDES lhes repassou? Obviamente, não.

De modo que me parece ser o nosso problema o de entendermos realmente o porquê de esta sociedade, no momento em que o Brasil potência se afirmava, entre 1968 e 1973, quando o PIB chegou a crescer 13% ao ano, quando havia recursos para tudo e para qualquer coisa, para hidrelétricas, para oito usinas atômicas, assistiu justamente à dilapidação, ao desvio dos recursos da saúde, da educação, do social, do lazer, da cultura. Nesse momento, esses desvios foram mais intensamente realizados.

Se, naquele auge, não sobraram recursos para a saúde, para a educação, para a vida, sobejaram recursos para fazer o maior acordo do mundo - o feito com a Alemanha -, que nunca havia produzido uma indústria atômica, mas que fez o maior contrato do século, qual seja, o de instalar no Brasil oito indústrias termo-nucleares.

Contudo, para a saúde, para a vida, nunca existem recursos, mas para fazer duas mil e duzentas obras inacabadas, como o Tribunal de Contas também detectou no Brasil, hoje, 2.200 obras inacabadas. Há recursos, há dinheiro; portanto, é preciso reconhecermos que existe uma perversidade interna, uma perversidade que domina o âmago das decisões e que, diante da qual, a nossa boa vontade, as nossas promessas de fazermos tudo pelo social, as nossas promessas de passarmos agora a dedicar mais atenção aos doentes se transformam em meras e vãs palavras frívolas.

Parece-me, portanto, que é preciso que compreendamos o nosso sistema, um sistema movido pelo lucro e que já demonstrou, tantas vezes - mesmo para aqueles que têm pouca capacidade de enxergar -, que é incompatível a maximização do lucro e a maximização da vida. Se quisermos maximizar o lucro, como é a meta e o leitmotiv do capitalismo, não poderemos maximizar a vida humana e a natureza de que somos parte, enquanto persistir essa dinâmica voltada para o lucro, para a acumulação, para a eficiência das máquinas que dispensam os trabalhadores, para o enriquecimento.

Treze bilhões de reais do Proer já foram transferidos para os banqueiros. O Proer, criado outro dia, já arranjou R$13 bilhões! Portanto, há algo nesse sistema que precisa ser compreendido. Precisamos fazer o diagnóstico do diagnóstico, que mostrará que não são os portadores individuais das doenças que devem ser tratados, curados, remendados, mas o próprio sistema, que se encontra doente, enfermo. Devemos compreender qual diagnóstico deve ser feito para um sistema que precisa ser curado. Sem a cura desse sistema, obviamente não conseguiremos nenhum avanço em relação a nenhum desses setores que nos preocuparam hoje.

Neste meu modestíssimo trabalho - Saúde: o diagnóstico do diagnóstico -, pretendo chamar a atenção para estes aspectos: a distribuição da saúde, do lazer, da cultura, do trabalho, do poder e dos meios de produção; a técnica objetivada nas máquinas num sistema produtivo; o poder de excluir Estados nacionais de setores privilegiados, de setores industriais tecnicamente avançados. O poder de distribuir o acesso aos meios de consumo mundial são parte de uma estrutura universal da produção, da "civilização" e da "cultura", que só pode ser modificada por meio de uma profunda crise.

Enquanto os Estados Unidos se apropriarem de 40% das matérias-primas mundiais e tiverem uma renda per capita de US$24 mil por ano, e o Japão, de US$34 mil por ano, seremos excluídos fatalmente desse processo de distribuição desigual e combinada da vida, da saúde, do poder, da cultura, da inteligência, do lazer. Há uma distribuição mundial na qual nos inserimos. Se pudéssemos escolher as relações sociais em que entramos, se os países pudessem escolher como se inserir na globalização do mundo, mas nós, periféricos, não podemos. Somos incluídos de acordo com a vontade, os interesses e o desejo daqueles que dominam o processo de globalização e a divisão internacional da saúde, do poder do capital, da exploração, do lazer.

Enquanto 5% da população mundial residente nos Estados Unidos consumirem 45% das matérias-primas do globo, a saúde do Terceiro Mundo será um privilégio usufruído por apenas 10% da população. No tempo em que o Brasil for obrigado a exportar 82% de suas laranjas, os norte-americanos poderão consumir os seus 750ml de suco por dia, ficando os brasileiros com a avitaminose c e a gripe. Enquanto o Brasil exportar 90% dos calçados que produz, a verminose dos brasileiros não terá cura.

A distribuição mundial da vida e da morte, da saúde e da doença se apresenta de forma desigual e combinada. A produção de medicamentos, sob a forma de mercadoria, produz o objeto, remédio para o sujeito doente, e o sujeito doente para o objeto, e a necessidade do objeto, o remédio, de ter de ser vendido, sob pena de falir a indústria farmacêutica. A doença e a sua preservação são tão necessárias ao capitalismo como a produção de remédios, pois a indústria é garantida pela preservação da doença e pelo alargamento do mercado de doentes. Um medicamento que eliminasse a doença seria mortal para as finanças da indústria capitalista de remédios e para os investimentos em pesquisas privadas naquela área.

Portanto, se adotarmos, sem críticas, um sistema que cria e transforma o remédio em mercadoria e quer maximizar o lucro dado pelos remédios, é evidente que essa maximização só pode ser feita mediante a ampliação do mercado dos doentes, os compradores de remédios.

A produção cria um objeto para o sujeito e um sujeito para o objeto, e a necessidade do objeto no sujeito, a necessidade de o remédio estar no doente. É aqui, no mercado da doença, que se apresenta, de forma mais clara, a preferência do capital pela coisa, pelo capital constante, pela técnica, pela acumulação de capital em detrimento da vida, do capital variável, isto é, do trabalhador em ação.

Portanto, a maximização da vida é incompatível com a maximização do lucro, e um sistema que dá prioridade à maximização do lucro condena, fatalmente, a um segundo plano a maximização da vida humana.

A civilização colocou o eu no centro do mundo. O meu eu é tudo e, diante dele, o resto da humanidade não vale nada - escreveu Jeremy Bentham, um dos corifeus da economia clássica -, produziu a ilusão do indivíduo. Arrancando o homem de sua natureza coletiva, social, gregária, o capitalismo produziu o indivíduo, o ser isolado, solitário, independente e livre; livre para explorar ou ser explorado, livre para acumular riquezas sem limites ou libertado dos seus instrumentos de trabalho. Sua linguagem individual foi transformada numa ilusão, na civilização em que a linguagem passa a ser o objeto sobre o qual recai o poder dos monopólios da mídia, no oligopólio da linguagem, que reproduz o dos meios de produção, a indústria monopolística.

Sem linguagem efetiva e sem instrumentos de trabalho, desempregado, o indivíduo não é ou, se é, é a negação das potencialidades do ser social.

O mundo, hoje, precisa de abandonar os diagnósticos das doenças individuais, da possibilidade de curas individuais de males para fazer o diagnóstico do diagnóstico, para fazer o diagnóstico do diagnóstico, que mostraria a natureza sistêmica da maior parte das enfermidades individuais. Para conservar o mercado dos doentes consumidores de remédios e mercadorias, as ilusões do indivíduo e do individualismo são as mentiras mais logicamente adequadas. Parece que só as epidemias têm o poder de revelar o caráter social, coletivo, das doenças, assim como as crises econômicas revelam que as falências individuais das firmas são parte do colapso do sistema econômico.

Do ponto de vista da totalidade que considera cada um de nós o portador de uma parte do todo social, os doentes individuais são meros portadores de doenças e elas próprias possuem um caráter social, têm determinações sociais e históricas.

A sociedade individualista, egoísta, competitiva, iluminista produz as lentes individuais, o modo de pensar e de encarar a doença como se ela fosse um fenômeno individual. A psicologia individual da Escola de Viena pode ilustrar o que aqui se pretende colocar.

Freud analisou suas clientes neuróticas, histéricas, reprimidas, portadoras individuais de recalques sofridos pelas pulsões sexuais e eróticas na era vitoriana, numa sociedade burguesa, conservadora. Em cada doente, Freud encontrou um portador individual cujas síndromes, atos falhos, frustrados, compulsivos, etc., se assemelhavam. Se Freud tivesse se libertado do individualismo, teria percebido mais claramente que cada neurótico era portador individual de uma sociedade neurótica, produtora de neuroses.

A civilização capitalista e sua barbárie transformaram e emprestaram determinações capitalistas até mesmo às doenças, desgastes e patologias naturais.

A distribuição social doméstica do envelhecimento bem como sua distribuição mundial revelam a natureza capitalista do antigo fenômeno geriátrico. O prolongamento da vida humana, no mundo da obsolescência, a conservação e o sucateamento de pessoas incapazes de dar lucro, o custo social da manutenção dos membros da terceira idade - que fazem surgir as "santas genovevas" que conhecemos - dependem de valores culturais que são submetidos às prioridades principais do capital.

Portanto, a velhice, suas possibilidades e suas determinações capitalistas revelam, como ocorre com a grande parte das doenças, suas determinações sociais e históricas. Os portadores individuais da dengue e da hanseníase, da febre amarela, da desnutrição, do estresse são socialmente determinados. Os gordos e os magros, os da dieta estética e os da dieta da fome são portadores individuais da doença da sociedade capitalista, que distribui desigualmente a vida, suas condições e a morte.

Em novembro de 1995, dados da OMS revelavam que 80% das novas ocorrências de AIDS verificam-se nos países do Terceiro Mundo, principalmente da África.

Eros e Tanatos, o prazer e o sofrimento, a gordura e a desnutrição recebem as determinações da totalidade e se manifestam nos indivíduos já socialmente distribuídos. Não se trata de mão invisível que premia com a vida e castiga com a morte indivíduos iguais. A cura da cura, a superação dos focos sociais de produção dos males sociais deixará um resíduo de doenças e de carências que será, este sim, igual e coletivamente padecido.

Não adianta, do meu ponto de vista, se aumentarem os recursos para a saúde porque já foram diagnosticados seis métodos pelos quais esses recursos públicos se desviam do sistema de saúde pública para o sistema privado. São pelo menos seis formas de desvios já diagnosticados, e dados fornecidos pelo Ministério da Saúde revelam que o aumento dos gastos federais em saúde não têm sido correspondidos por uma melhoria no atendimento médico-hospitalar.

Os gastos federais por habitante que chegaram a US$80.38, em 1989, desceram para US$42.22 em 1992, alcançando US$89.20, em 1995. Caso seja aprovada a CPMF, o imposto para socorrer a crise da saúde, os gastos federais em saúde, em 1996, atingiriam US$126.68 por habitante/ano.

Portanto, o que aqui se coloca é que é preciso que cuidemos da saúde do nosso sistema para que a linguagem das coisas, em que se objetivam as nossas promessas e os nossos desejos, que essa linguagem, a realidade tal como ela é, passe a expressar e a espelhar os nossos desejos. Nossa realidade está totalmente divorciada da nossa fala e, portanto, a cada momento, nós do Parlamento, nós que falamos temos uma linguagem que não combina em nada e que é desmentida pela realidade. É por isso que, quando a realidade demoraliza nossa fala, o Parlamento, o locus onde se fala, fica irremediavelmente desmoralizado.

Portanto, o apelo que faço é para que palavras e ação, promessas e concretização realizem finalmente uma aliança, se solidarizem na mesma transparência e na mesma vontade de transformar o mundo.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/07/1996 - Página 12874