Pronunciamento de Bernardo Cabral em 29/07/1996
Discurso no Senado Federal
NECESSIDADE DA ADOÇÃO DE MEDIDAS ANTIDUMPING PARA SALVAGUARDAR O SETOR TEXTIL BRASILEIRO, DIANTE DA COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL.
- Autor
- Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
- Nome completo: José Bernardo Cabral
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA INDUSTRIAL.:
- NECESSIDADE DA ADOÇÃO DE MEDIDAS ANTIDUMPING PARA SALVAGUARDAR O SETOR TEXTIL BRASILEIRO, DIANTE DA COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL.
- Aparteantes
- Benedita da Silva, Jefferson Peres.
- Publicação
- Publicação no DSF de 31/07/1996 - Página 13322
- Assunto
- Outros > POLITICA INDUSTRIAL.
- Indexação
-
- NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, POLITICA INDUSTRIAL, INDUSTRIA TEXTIL, CONTENÇÃO, DUMPING, AUMENTO, COMPETIÇÃO INDUSTRIAL, EMPRESA DE PRODUTOS TEXTEIS, MERCADO INTERNACIONAL, PROCESSO, GLOBALIZAÇÃO.
O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srª Senadora, Srs. Senadores, vez por outra se comenta, aqui e acolá, sobre a indústria têxtil, havendo opiniões nos mais diversos sentidos. Tenho tido a cautela de não abordar matéria sobre a qual não disponho de dados que envolvam o assunto. Por essa razão, obtive de dois especialistas na matéria, Drs. Ricardo Botelho e João Abujamra, o seguinte dado, que é muito expressivo: temos 18.400 empresas têxteis e de confecção, poucas são modernas e muitas já ultrapassadas, a ponto de se tornar um refrão de que esse setor têxtil/confecção não dispõe de competitividade para enfrentar os produtos estrangeiros.
Acontece que 70% dessas empresas são micro ou pequenas, mas é a cadeia têxtil/confecção a maior empregadora do País, com cerca de 1 milhão e 900 pessoas no ano passado. Chamo a atenção dos eminentes Senadores para este número expressivo: 1 milhão e 900 mil pessoas em 1995. Ainda no ano passado, o faturamento global foi estimado em U$23 bilhões, sendo o mercado brasileiro o sexto maior consumidor de têxteis do mundo. Esse comércio mundial de produtos de têxteis movimentou, só em 1994 - pasmem os Srs. Senadores -, a cifra de U$194 bilhões, cabendo à China o lugar de líder dos países exportadores, seguida da Itália, Alemanha e Coréia.
Aqui cabe destacar uma análise do porquê do avanço da China. Três pontos são essenciais para marcar esse avanço. Primeiro, os baixos custos de mão-de-obra; segundo, a isenção para importação de matérias-primas e maquinário; terceiro, uma política de subsídios estatais.
No Brasil, a situação é outra. Ao abrir a sua economia, a fim de participar de globalização, este País procedeu, com relação à indústria têxtil, sem uma política industrial adequada e com uma política econômica desorientada. Assim, as alíquotas de importação de produtos têxteis foram reduzidas de forma drástica em curto espaço de tempo. Para os tecidos e confeccionados, houve uma redução, em 1986, de 105% para 18% e 20%, respectivamente, em janeiro de 1995.
Adicione-se um outro erro da política de comércio exterior, qual seja o de não terem sido adotadas, com a cautela que se impunha, as medidas de salvaguarda antidumping, sem o que sempre é arriscado providenciar abertura de mercado. O resultado apresentado, no ano passado, pelo setor têxtil foi a eliminação de cerca de 100 mil empregos.
Cabe assinalar que, nos países industrializados e em vias de desenvolvimento, a modernização e a reestruturação da indústria têxtil conta com políticas de comércio internacional e industriais ativas, beneficiando as tarifas com alíquotas acima da média das respectivas indústrias.
Ademais, a Europa e os Estados Unidos vêm-se valendo, há muitos anos, de uma política de cotas para conter o avanço asiático. No Brasil, entre os fatores que influem mais diretamente na determinação da falta de competitividade da indústria, destacam-se a falta de disponibilidade e as condições de financiamento.
Destarte, será sempre necessário destacar que a indústria brasileira tem como competir, desde que a ela se dê igualdade de condições. Por exemplo: se o nosso País tem os maiores juros internos do planeta e o câmbio sobrevalorizado, como competir contra uma mercadoria que é vendida a 270-360 dias com juros de 6% ao ano?
Se em todos os países do Primeiro Mundo são adotadas salvaguardas para o setor têxtil, porque no Brasil são aumentados e comentados diariamente casos de subfaturamento, como de importações de calças jeans a US$1,50 a unidade e camisas de algodão a US$25 a dúzia? Chamo a atenção do Senado para o fato de que esse é um dado estarrecedor. Como é que a nossa indústria pode competir com esse tipo de subfaturamento e com a importação de calças jeans a US$1,50 a unidade e camisas de algodão a US$25 dólares a dúzia? E, digo mais, estamos importando - e a Zona Franca de Manaus já sofre isso na pele - fitas cassetes por R$0,25 que é o preço de um bombom chamado "bala garoto". E mais. Já se vende bicicleta a R$70,00.
Ora, Sr. Presidente, creio que devem existir distorções quanto às questões ligadas à indústria têxtil. Não tenho dúvida disso. Sobretudo a possibilidade vislumbrada pelos concorrentes externos de participar do único mercado disponível de 155 milhões de consumidores do mundo.
Ora, o que nós não estamos prestando atenção é no fato de que somos aqui uma presa fácil a esse capital estrangeiro que, se não for fiscalizado, causará danos profundos à nossa indústria têxtil, sobretudo, Sr. Presidente, no Estado de V. Exª, que é, sem dúvida nenhuma, um dos reconhecidos nessa matéria.
Bem ressaltam os Drs. Ricardo Botelho e João Abujamra - fontes que inspiraram e contribuíram para esta minha manifestação - o seguinte:
"O Brasil é um mercado disponível, bem regulamentado, livre e com poder aquisitivo crescente."
Sr. Presidente, não será desestimulando o empresário brasileiro que venceremos a batalha do setor têxtil. Infelizmente, essa é a realidade.
A Srª Benedita da Silva - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Bernardo Cabral?
O SR. BERNARDO CABRAL - Pois não, nobre Senadora Benedita da Silva.
A Srª Benedita da Silva - Senador Bernardo Cabral, ouvi atentamente o pronunciamento de V. Exª e considero de extrema relevância o tema abordado. Sabemos da contribuição que a indústria têxtil tem dado à economia do País e não poderia ficar calada, já que essa é uma das vocações econômicas do Estado do Rio de Janeiro.
O SR. BERNARDO CABRAL - Exatamente.
A Srª Benedita da Silva - E o meu Estado tem sofrido com as irregularidades que vêm acontecendo. No ano passado, houve um grande encontro nacional, promovido pela Frente Parlamentar em Defesa da Industria Têxtil, em que foram apresentadas as dificuldades e reivindicações daquele setor. O número de desempregados já atingia a casa dos 3 milhões e continuava havendo o fechamento de fábricas e mais demissões. E já naquele momento as preocupações centravam-se na necessidade de eliminar o prazo de financiamento das importações. Outras preocupações diziam respeito ao dumping, ao superfaturamento - como bem disse V. Exª -, aos subsídios e aos salários miseráveis, tudo isso contribuindo para que as dificuldades aumentassem na área. Mesmo diante desse quadro, chegamos à conclusão de que a indústria têxtil tem saída: é rentável, o País tem vocação e precisa acreditar. Não podemos submeter nossas empresas a essa concorrência injusta, não é possível que se venda uma calça jeans a R$1 - e agora não mais US$1, porque ele já está ultrapassando o Real. Estamos comparados ao mercado chinês, porque quem vai à China sabe que vai comprar sedas, pérolas e outras coisas, a um preço muito baixo, evidentemente, porque existe uma exploração da mão-de-obra. Ela é baratíssima e isso faz com que o mercado interno produza para exportar a esse preço. Portanto, o que estamos buscando - e V. Exª traz com grande preocupação e merece o apoio de todos nós - é a criação de uma política setorial têxtil capaz de promover esse desenvolvimento, sustentando todos esses setores que entendemos ter uma lacuna a ser preenchida. Por isso, parabenizo V. Exª pela brilhante intervenção e pelo assunto pertinente que, como sempre, brilhantemente, traz à tribuna.
O SR. BERNARDO CABRAL - Agradeço a V. Exª, Senadora Benedita da Silva, a sua contribuição não só enriquece o meu pronunciamento, como coloca no ponto nodal dessa controvérsia uma solução.
Nenhum de nós é contra a competitividade, ao contrário, o que queremos é estimulá-la. Mas não é com esse tipo de dumping que vamos enriquecer nossas indústrias. Temos um exemplo no meu Estado onde a indústria da juta foi por água abaixo quando se começou a importar da Índia - foi um desastre total.
Nos Estados Unidos há o American Buy Act que regulamenta, através de quotas, o problema dos chamados produtos estrangeiros que podem causar danos à indústria local. Lembro-me - e isso ainda é recente - quando o Presidente da Chrysler, grande fabricante de automóveis, o Sr. Lee Iacocca, dizia que se os Estados Unidos não tivessem cuidado, em alguns anos, a importação aberta dos mercados japoneses criaria problemas à indústria automobilística, como de fato criou. Se não houvesse uma forma de se levantar de todo, a indústria teria soçobrado.
Chega uma hora em que se caminha para o dumping e não se tem como evitá-lo. Vejam o que está havendo com o caso da Feira do Paraguai, que toda a Bancada do Amazonas denunciou, além de produtos subfaturados e por onde e como eles escoam.
O Sr. Jefferson Péres - Permite-me V. Exª um aparte, Senador Bernardo Cabral?
O SR. BERNARDO CABRAL - Concedo um aparte a V. Exª, Senador Jefferson Péres.
O Sr. Jefferson Péres - Veja, Senador Bernardo Cabral, o Brasil é o país do oito ou oitenta. Tínhamos, até cinco anos atrás, o que os economistas chamam de uma economia cartorial, fechada ou semifechada, altamente protecionista, que assegurava a tranqüila reserva de mercado para cartórios econômicos. E o que é curioso: às vezes até cartórios de empresas estrangeiras, como o caso dos automóveis - quatro grandes montadoras, não se podia importar, elas não se modernizavam, os preços eram altíssimos - eram donos do mercado brasileiro. E nós, numa visão equivocada, protegíamos esses cartórios. Fez-se a abertura, estávamos na iminência de passar para o extremo oposto, o escancaramento de portos, com o Brasil - "casa da mãe Joana"-, vítima, inclusive, de dumping, como esse que alguns países asiáticos estão fazendo. Creio que o Ministro Francisco Dornelles, que nem é do meu partido, está agora no caminho certo. O que ele fez agora com a indústria de brinquedos é corretíssimo: ergueu barreiras por seis meses e acordou com as empresas que não haverá aumento de preços durante esse período e pode prorrogar isso enquanto elas se modernizam para que possam enfrentar a competição externa. E, evidentemente, mesmo depois que as tarifas baixem, medidas de salvaguarda poderão ser adotadas contra o dumping. Em qualquer circunstâncias, o dumping é inaceitável. De forma que creio que agora estamos, repito, adotando a política correta. A globalização, gostemos ou não, é inevitável. Mas depende da maneira como vamos nos inserir nessa nova ordem mundial. É preciso fazê-lo com responsabilidade, com cautela e com resguardo dos interesses nacionais. Meus parabéns pelo seu pronunciamento.
O SR. BERNARDO CABRAL - Agradeço a V. Exª, Senador Jefferson Péres, até porque é uma matéria que V. Exª domina bem, professor que é da faculdade de economia.
Devo registrar o que me pareceu oportuno. Quis alertar para o problema da indústria têxtil, com esses dados que trouxe, exatamente para alinhar o que se tem visto no nosso País. Havia um lado cartorial - o final do meu pronunciamento e aproveito o registro de V. Exª -, que, de uma hora para outra, foi escancarado. A partir daí, houve 20% da alíquota; depois, chegou-se a 70%. Nesse período, as pessoas que investiram uma soma vultosa em suas empresas devem ter tido um prejuízo brutal.
Há uma desconexão entre o que o Governo pretende e o que realiza. Em boa hora, o Ministro Francisco Dornelles está tomando as devidas providências, declarando à Nação que quem se sentir prejudicado deve fazer um requerimento ao órgão competente, que S. Exª mandará examinar.
Sr. Presidente, essa é apenas uma reflexão que trago nesta tarde em que, pelo menos, se vê o plenário lotado de Senadores capazes pela qualidade. A qualidade dos Senadores presentes nos conforta. E, por estar confortável, Sr. Presidente, agradeço a V. Exª a atenção dispensada.