Pronunciamento de Benedita da Silva em 29/07/1996
Discurso no Senado Federal
REGISTRANDO O ENVIO DE EXPEDIENTE AO MINISTRO DA JUSTIÇA E OUTRAS AUTORIDADES, CONTRA A MUSICA 'VEJA OS CABELOS DELA', DO CANTOR TIRIRICA, PARA QUE RESPONDA POR CRIME DE RACISMO.
- Autor
- Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
- Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
- REGISTRANDO O ENVIO DE EXPEDIENTE AO MINISTRO DA JUSTIÇA E OUTRAS AUTORIDADES, CONTRA A MUSICA 'VEJA OS CABELOS DELA', DO CANTOR TIRIRICA, PARA QUE RESPONDA POR CRIME DE RACISMO.
- Publicação
- Publicação no DSF de 30/07/1996 - Página 13336
- Assunto
- Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
- Indexação
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- SOLICITAÇÃO, INCLUSÃO, ANAIS DO SENADO, EXPEDIENTE, ENDEREÇAMENTO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), COMISSÃO, DIREITOS HUMANOS, CAMARA DOS DEPUTADOS, GRUPO DE TRABALHO INTERMINISTERIAL, VALORIZAÇÃO, NEGRO, MINISTERIO DAS COMUNICAÇÕES (MC), CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA MULHER (CNDM), MINISTERIO DA CULTURA (MINC), REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES, CUMPRIMENTO, DECISÃO JUDICIAL, PROIBIÇÃO, DIVULGAÇÃO, MUSICA, AUTORIA, CANTOR, COMPOSITOR, ESTADO DO CEARA (CE), CARACTERIZAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, OBSERVAÇÃO, DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Constituição Federal, no seu art. 1º, diz o seguinte:
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político."
O art. 5º diz que:
"Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;"
A Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, define os crimes resultantes de preconceitos de raça ou de cor.
"Art. 20. Praticar, induzir ou incitar, pelos meios de comunicação social ou por publicação de qualquer natureza, a discriminação ou o preconceito de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional.
Pena: reclusão de 2 a 5 anos.
§ 1º. Poderá o juiz determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência:
I. O recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respectivo;
II. A cessação das respectivas transmissões radiofônicas ou televisivas.
§ 2º. Constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido."
Sr. Presidente, desejo que seja registrado nos Anais desta Casa o expediente que estou enviando ao Ministro da Justiça, à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, ao Grupo de Trabalho Interministerial para Valorização da População Negra, à Presidência da Fundação Palmares, ao Ministério das Comunicações, ao Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e ao Ministério da Cultura, nos seguintes termos:
O cantor e compositor popular Tiririca é autor de música incluída em seu recente trabalho intitulada "Veja os cabelos dela", cuja letra atenta contra os valores humanos e em especial contra a mulher negra, caracterizando preconceito racial, considerado crime inafiançável pela Constituição Federal e pela Lei nº 7.716/89.
O episódio repercutiu nacionalmente a partir da decisão judicial de proibir a execução da música em rádios e televisões, decisão essa provocada a partir de representações junto ao Ministério Público impetradas pelos Movimentos Negros a nível nacional.
Nesse sentido, denunciamos a questão da tribuna do Senado Federal e temos mantido contato com organizações do movimento negro e aliados.
Diante desse fato, solicito formalmente a V. Exª informações sobre as providências adotadas por esse órgão governamental, à luz da decisão da Justiça do Estado do Rio de Janeiro, para fazer cumprir a legislação brasileira, respaldando as decisões estaduais.
Assim o faço, Sr. Presidente, porque estou atenta aos noticiários. O Tiririca assim como todas as pessoas favoráveis à ação do mesmo estão sendo chamadas para debates em rádio e televisão. Entretanto, até agora não se chamou posições em contrário, nem sequer aquelas pessoas que deram entrada no Ministério Público com relação ao processo.
Por outro lado, Sr. Presidente, quero de novo enfatizar que não temos, absolutamente, nada contra essa figura popular do Tiririca. O que não podemos é deixar que se perpetue a discriminação em nosso País. E, como legisladores, não podemos aceitar que a empresa possa descumprir a determinação, alegando que a juíza não é competente, à luz da lei, para fazê-lo. Por isso li o parágrafo referente a esse ponto; a sentença da juíza é, portanto, pertinente, à luz da lei, para que esse material seja apreendido.
Não estamos, de forma alguma, impedindo que as demais músicas que compõem o CD sejam tocadas nas rádios; não estamos cerceando a liberdade de expressão desse grande cantor popular, o Tiririca, que nós apoiamos; nem mesmo tolhendo a sua manifestação ou sua contribuição à música popular brasileira. Todavia, não podemos calar diante dessa situação grave, pois, como dizem, quem cala consente.
Sei que o assunto incomoda, porque fere interesses; sei que já nos acomodamos, inclusive, Sr. Presidente, Srs. Senadores, diante de situações como esta, fazendo ouvidos de mercador. Contudo, entendo que não é dessa forma pela qual vamos combater as desigualdades neste País, pela qual vamos tornar parceiros e aliados os chamados diferentes. Não é só porque dói n´alma, mas trata-se de um direito adquirido, que custou suor, lágrimas e, sobretudo, a consciência daqueles que não se curvam diante de uma situação como essa.
Ainda que não tenhamos espaço para colocar a nossa posição, estamos respaldados pela Lei Maior do País. Não estamos sectarizando, radicalizando ou, muito menos, fazendo racismo ao contrário. Porém, não podemos aceitar que isso seja visto apenas como moda, porque moda vai e volta. Não posso concordar com isso, Sr. Presidente, porque, quando menina, fui escarnecida, aos cinco e seis anos de idade, com músicas como "Nega maluca", "Nega do cabelo duro"; hoje, seria a comparação com "bombril" e também como uma "negra que fede".
Sr. Presidente, também não posso aceitar que fiquemos a assistir a esse episódio e, depois, consideremos que nossa sociedade é democrática racialmente. Não o é, porque estamos calados e quem cala consente.
Por isso, vou pedir informações oficiais ao Ministro da Justiça, ao Ministro da Cultura, ao Conselho Nacional do Direito da Mulher, ao GTI - grupo criado pelo Presidente da República para implementar políticas afirmativas para a população negra neste País. Buscarei também subsídios na Fundação Cultural Palmares, que foi criada no Governo do Presidente José Sarney para que fosse também um instrumento de atendimento à comunidade negra.
Nós queremos justiça e, desta tribuna, pedimos apenas o cumprimento da Constituição brasileira.
Não apenas fiz parte da Constituinte, como também sou uma cidadã cumpridora dos preceitos inseridos nos artigos e parágrafos da nossa Constituição. Não sou de segunda classe, sou apenas uma brasileira e, como tal, quero ver cumprida essa Constituição, senão não poderei dizer que vivo numa sociedade democrática, igualitária e fraterna.
DOCUMENTO A QUE SE REFERE A SENADORA BENEDITA DA SILVA EM SEU PRONUNCIAMENTO: