Discurso no Senado Federal

A QUESTÃO DA POSSE DA TERRA E DA REFORMA AGRARIA NO MUNDO, DESTACANDO SUA HISTORIA NOS EUA, PORTUGAL, JAPÃO E BRASIL. CRITICAS AOS METODOS RADICAIS UTILIZADOS PELO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA. CORRUPÇÃO NA INDUSTRIA DA DESAPROPRIAÇÃO.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • A QUESTÃO DA POSSE DA TERRA E DA REFORMA AGRARIA NO MUNDO, DESTACANDO SUA HISTORIA NOS EUA, PORTUGAL, JAPÃO E BRASIL. CRITICAS AOS METODOS RADICAIS UTILIZADOS PELO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA. CORRUPÇÃO NA INDUSTRIA DA DESAPROPRIAÇÃO.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Ney Suassuna, Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DSF de 20/07/1996 - Página 12811
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, HISTORIA, PROBLEMA, POSSE, TERRAS, REFORMA AGRARIA, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), PORTUGAL, JAPÃO.
  • CRITICA, VIOLENCIA, MOVIMENTAÇÃO, TRABALHADOR RURAL, SEM-TERRA, DEFESA, REFORMA AGRARIA, INCOMPATIBILIDADE, VIGENCIA, ESTADO DE DIREITO, PAIS.
  • ADVERTENCIA, GOVERNO, NECESSIDADE, IMPEDIMENTO, CORRUPÇÃO, FRAUDE, INDUSTRIA, DESAPROPRIAÇÃO, IMPORTANCIA, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), REALIZAÇÃO, LICITAÇÃO, ABATIMENTO, PREÇO, AQUISIÇÃO, TERRAS, REFORMA AGRARIA.
  • DEFESA, URGENCIA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, DISTRIBUIÇÃO, TERRAS, PAIS.

O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT. Pronuncia o seguinte discurso. ) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ninguém desconhece que a reforma agrária é assunto sério e muito urgente neste País. Todos os países que conseguiram direcionar suas economias no caminho da distribuição da propriedade e do crescimento auto-sustentado passaram por esse momento de uma maneira ou de outra. Os Estados Unidos, no século XIX, nos mostram uma maneira peculiar de distribuir terras. A conquista do oeste, eternizada pelos filmes produzidos em Hollywood, foi, na verdade, uma corrida às terras daquele vasto continente, que o homem branco europeu ainda mal começara a ocupar. Os livros da história da colonização da América do Norte demonstram que mais de 40 milhões de europeus migraram para as novas terras da América e lá fundaram uma nova sociedade.

Isso só foi possível, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, porque os diversos Estados e a nação americana adotaram mecanismos de distribuição da terra. Ninguém, a priori, podia se transformar em latifundiário. Todos, no entanto, tiveram acesso à quantidade de terras que podiam tratar e nela produzir. Quando algum desses quesitos não era atendido surgiam os conflitos que o cinema tratou de romancear. A conquista do oeste norte-americano, que terminou na dominação da Califórnia, na invasão do México e na aquisição do Alasca, que era de propriedade da Rússia Imperial, constituiu, na verdade, um enorme processo de distribuição de terras para aqueles que estavam dispostos a produzir.

Houve, é verdade, algum grau de especulação com o estoque de glebas disponíveis, que era imenso. Mas o princípio da distribuição foi mantido, e a terra generosa e fértil foi capaz de receber os migrantes e estabelecê-los no campo. A marcha para o interior aliviou a incrível pressão que os pobres, desassistidos e desempregados, faziam sobre cidades como Londres. A bela capital dos ingleses era, há um século, suja, mal tratada e cheia de mendigos. A abertura da nova fronteira na América solucionou também esse problema, não só no Reino Unido, mas em diversos países do norte da Europa.

A questão da posse da terra é, portanto, séria e possui notáveis conseqüências na vida de um país. Portugal, depois da Revolução dos Cravos, na década de 70, fez uma reforma agrária que não prosperou. A idéia era dividir as grandes propriedades existentes no sul daquele país. O resultado da experiência foi a desorganização da produção, a existência de um mercado paralelo e alguma inflação.

Hoje, os portugueses remontaram o antigo sistema de propriedade da terra e a produção voltou aos patamares anteriores. Mas Portugal dos anos 70, como os outros países da Europa no século anterior, soube aliviar as tensões sociais internas exportando sua mão-de-obra para o Brasil, para os Estados Unidos e para a África.

No Brasil, a questão da reforma agrária passa por outra consideração. Aqui, há áreas disponíveis. O Governo Federal, como conseqüência de uma legislação que vem do Império, é o proprietário de grande parte das chamadas terras devolutas. O problema é fazer a correta distribuição, assegurar que não haja especulação com o estoque de glebas disponíveis.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, vejam que, antes da desapropriação de terra, é necessário ter uma política muito clara para que se possa alcançar o mesmo objetivo dos norte-americanos, ou seja, uma distribuição eqüitativa da propriedade.

Mas, ao contrário de um processo sereno e transparente, o Movimento dos Sem-Terra promoveu os lamentáveis acontecimentos de Buriticupu, no Maranhão, e a recente invasão da sede do INCRA, em Brasília. Já disse e reafirmo que a reforma agrária é necessária, e quanto mais rapidamente for feita, melhor será, mas o interlocutor privilegiado do Governo para fins de reforma agrária não pode ser o Movimento dos Sem-Terra. Esse Movimento, que tomou para si a bandeira da reforma agrária, tem outros objetivos, incompatíveis com a vigência do Estado de Direito, já que se completariam com a subversão da lei e da ordem por meios violentos.

O Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso não pode continuar a assistir passivamente às seguidas demonstrações de violência e às flagrantes transgressões da lei praticadas pelos sem-terra, que se apresentam, a seguir, como vítimas de uma sociedade injusta e a quem, portanto, assiste razão em qualquer desatino que provoquem. Em Buriticupu a situação não era dramática. No Município de Santa Luzia, onde está aquela localidade, 25 fazendas estão em processo de desapropriação, que, completado, oferecerá mais terra do que os agricultores sem-terra da região poderão trabalhar.

O Sr. Ney Suassuna - Permite-me V. Ex um aparte?

O SR. JÚLIO CAMPOS - Com muita honra, Senador.

O Sr. Ney Suassuna - Senador Júlio Campos, o assunto que V. Exª traz hoje ao plenário é extremamente sério. Concordamos em gênero, número e grau com V. Exª quanto à premência, à urgência e à necessidade de termos a reforma agrária. Mas concordamos também que esse processo deva ser capitaneado pelo Governo, por vontade política do Governo, e não por um movimento que tem outros objetivos. Ainda outro dia, nesta Casa, generais explicavam e davam os nomes dos que foram ser treinados na Nicarágua. Eles não foram treinados na Nicarágua para fazer reforma agrária, e sim para fazer guerrilha, movimento armado e tudo o mais, porque é o que esta acontecendo lá, como também em Chiapas, no México. Então, é preciso que o Governo esteja atento, é preciso que as Forças Armadas estejam atentas e monitorem a situação. Não que eles sejam os únicos culpados. É que a toda ação corresponde uma reação igual e contrária. Do mesmo jeito que os trabalhadores sem terra se organizam e se armam, também os fazendeiros o farão, e, daqui a pouco, nós teremos uma hecatombe, uma guerra civil. É preciso fazer a reforma agrária, mas ela tem que ser feita por meios pacíficos, urgentemente, e capitaneada pelo Governo, pela vontade política que o Governo tem que ter.

O SR. JÚLIO CAMPOS - Senador Ney Suassuna, agradeço, com muita honra, o aparte de V. Exª. Ainda ontem, quando, como Vice-Presidente do Senado, fui ao Aeroporto de Brasília receber o Presidente Fernando Henrique Cardoso, que retornava da sua viagem ao exterior, um dos assuntos que abordei rapidamente, naquele instante, foi o problema da reforma agrária. Em Mato Grosso, a situação está ficando explosiva. Já está incontrolável. Não há Governo estadual, não há polícia estadual que possa controlar um atrito, mesmo que breve, com mortandade a existir entre os membros do Movimento dos Sem-Terra e os fazendeiros. A situação poderá tornar-se de calamidade pública. Urge providência do Governo. Agora, implantou-se também uma indústria de desapropriações fraudulentas e caras. Se o Governo quiser comprar terras para a reforma agrária, que as compre em locais bem situados, com licitação pública, pela metade do preço que o INCRA paga pelas desapropriações que vêm sendo feitas. A corrupção generalizou-se em vários setores que tratam da reforma agrária neste País. E eu espero que o Ministro Jungmann, que é um homem de bem, um homem sério, que conheço desde que ocupava outros cargos na estrutura do Governo Federal, possa imediatamente dar um basta à indústria de desapropriação que tomou conta deste País. Trata-se de uma indústria corrupta, que usa terras sem condições mínimas para acomodar as pessoas que delas precisam, porque são terras de baixa fertilidade, situadas muito longe dos centros de consumo, em regiões com vários tipo de doenças, como a malária e outras mais, e pagas com TDAs caríssimos, que agora estão sendo utilizados na privatização.

Há a indústria do Procera também. Neste final de semana, visitei o Município de Guarantã, originário de projeto fundiário desenvolvido na gestão do saudoso ex-Ministro Danilo Venturini, que implantou vários programas de colonização do INCRA na gestão do Dr. Paulo Yokota. Guarantã foi um desses projetos e hoje é uma cidade de mais de 50 mil habitantes, no extremo norte de Mato Grosso, próximo à divisa com o Pará, na BR-163. Lá eu recebi uma carta de um agricultor dizendo que o preço da vaca comprada pelo INCRA e financiada para ele é de R$400,00, quando no mercado mato-grossense ela custa de R$135,00 a R$150,00. É uma barbaridade! Tem que haver uma devassa no que foi feito com o dinheiro do Procera.

Por isso, não há dinheiro para a reforma agrária. Bilhões são gastos e a reforma agrária, que é importante para o País, não é feita.

O Sr. Ney Suassuna - Perdão, Exª, mas o que V. Exª está declarando é muito sério. Eu não entendi bem. A vaca custava R$400,00?

O SR. JÚLIO CAMPOS - A Superintendência do INCRA de Mato Grosso recebeu alguns milhões de reais para usar no Procera, que é o programa de assentamento da reforma agrária. Esse programa comprava, no mercado, e entregava a cada assentado uma vaca e um pouco de material, com o preço superfaturado. Se o dinheiro fosse dado ao agricultor, ao colono, ele compraria três vacas pelo preço de uma.

Por isso não há dinheiro para a reforma agrária neste País. A desapropriação de terra, que poderia custar R$200,00 o hectare, custa R$500,00 a R$1. 000,00. Há alguém por trás dessa indústria de corrupção e desapropriação.

O Sr. Romero Jucá - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JÚLIO CAMPOS - Ouço, com atenção, o Senador Romero Jucá.

O Sr. Romero Jucá - Senador Júlio Campos, o assunto que V. Exª aborda nesta manhã é extremamente importante e pertinente, e sobretudo já muito discutido nesta Casa, porque entendo que há uma decisão política do Congresso Nacional, ou pelo menos do Senado Federal, de buscar uma efetiva reforma agrária, dentro dos padrões de seriedade, de honestidade e de agilidade que a população brasileira quer. Eu gostaria de fazer referência a alguns aspectos do discurso de V. Exª. O primeiro deles é que se há uma decisão política, pelo menos explicitada pela classe política brasileira e também pelo próprio Presidente da República, não há ainda instrumentos operacionais que façam com que essa reforma agrária saia do papel e, na prática, funcione, a estimular a paz no campo, e não, inversamente, o conflito. Sobre isso, eu gostaria de dizer que é de fundamental importância que exista um instrumento operacional, que precisa ser totalmente reformulado - no caso, hoje, o INCRA. E V. Exª tem razão quando fala do Procera. Esta semana fui ao INCRA com uma comissão de agricultores de Roraima, assentados, denunciar exatamente a manipulação política e financeira que está havendo dos recursos do Procera. Está recebendo financiamento do Procera quem não precisa, está recebendo financiamento do Procera quem é aliado político do Prefeito ou do Superintendente do INCRA em Roraima. Não está recebendo financiamento do Procera o assentado, que está abandonado nos lotes. Essa é uma questão que tem que ser revista com a máxima urgência. Outra questão grave a que V. Exª se refere é exatamente a das desapropriações, porque estamos vendo em nosso Estado, e em todo o Brasil, áreas serem desapropriadas a preços altíssimos. Depois, para receberem os assentados, estradas, escolas e postos de saúde têm que ser construídas. Para tanto, gasta-se uma fortuna, e normalmente essas obras também são superfaturadas. Não há uma política de manutenção do trabalho no campo, e o que é que acontece? Tudo isso é perdido, porque o homem vem para a periferia das cidades e os assentamentos do INCRA são vendidos a grandes fazendeiros, que os transformam em fazendas de gado. Pelo menos isso está ocorrendo em Roraima. Não adianta explicitar essa política agrícola, essa política de reforma agrária somente no âmbito político. Ela tem também que ser discutida no âmbito operacional, para que o modelo seja rediscutido e seja compatível com a realidade brasileira. E V. Exª coloca muito bem isso. Para concluir, apenas quero fazer referência a uma outra questão que considero da maior importância, o aparato jurídico para se resolver a questão das pendências da terra. Apresentei uma emenda constitucional que trata da implantação da justiça agrária. Outros países, menores que o Brasil, têm justiça agrária e estamos vendo crescer o conflito no campo, estamos vendo pessoas perderem a vida exatamente por causa da demora no julgamento desses conflitos. V. Exª se referiu a Mato Grosso, mas agora temos invasões no Paraná e em quase todo o Brasil, e a Justiça ou julga de forma morosa ou de forma, às vezes, a incentivar o conflito. Portanto, é importante para o Brasil, que deseja fazer uma reforma agrária, um aparato jurídico próprio, eficaz, rápido, para julgar essas questões e evitar os conflitos. Se não houver justiça - e a reforma agrária só será feita com justiça -, não haverá reforma agrária, pois ninguém a fará no grito. Sabemos que isso não dá certo, não deu em outros países e não dará no Brasil. A única forma de se fazer reforma agrária consistente é com decisão política, com leis, e com a Justiça implementando as decisões do povo brasileiro. Quero parabenizar V. Exª pelo seu pronunciamento.

O SR. JÚLIO CAMPOS - Muito obrigado a V. Exª. Concordo com todo o seu aparte.

Realmente, o problema é grave, em nível nacional, com relação à política agrária.

O Sr. Eduardo Suplicy - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JÚLIO CAMPOS - Ouço, com atenção, o eminente Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy - Estou ouvindo o pronunciamento de V. Exª, que é um conhecedor do problema da terra. Tendo sido Governador de Mato Grosso, e na condição de Senador, V. Exª está sempre atento às questões da terra, principalmente daquele Estado, que é caracterizado por propriedades bastante extensas. Mato Grosso é um Estado tipicamente voltado para a agricultura e pecuária. Por isso, V. Exª é naturalmente um profundo conhecedor do tema que aborda hoje. Creio que é oportuna a advertência que V. Exª faz ao Governo no sentido de agilizar a reforma agrária, a fim de caminharmos para uma situação de maior eqüidade no que diz respeito à distribuição de riqueza e de renda, porque isso é extremamente importante. A avaliação que V. Exª faz do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra parece-me não correta. Como V. Exª parece estar muito atento a esses fatos e aos passos do Movimento, provavelmente terá lido, há cerca de duas semanas, logo após o episódio de Buriticupu, mencionado por V. Exª, artigos que os membros da coordenação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, dentre os quais o Sr. João Pedro Stedile, fizeram questão de publicar no Jornal do Brasil, em O Estado de S. Paulo e na Folha de S. Paulo. Declararam que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra propugna a não-violência, propugna que não haja ações como aquelas que, infelizmente, ocorreram no episódio mencionado por V. Exª. Mas essa não é uma diretriz do Movimento, que tem feito ocupações simbólicas da terra, aguardando a solução do problema por parte das autoridades de governos, em nível não apenas federal, mas também estadual e até municipal. Os trabalhadores sem terra têm adotado a tática de serem pacíficos em suas ações e têm procurado o diálogo com as autoridades, para o que, muitas vezes, tem havido demora. Mas acredito que pode perfeitamente haver uma agilização por parte do Congresso Nacional; poderemos inclusive colaborar nesse sentido, ainda nesta convocação extraordinária, com a apreciação e a votação de projetos que envolvam a celeridade das decisões da Justiça. Senador Júlio Campos, quem sabe - estou pensando alto com V. Exª - podemos promover, no segundo semestre, um diálogo direto entre os Senadores, como V. Exª e aqueles que o apartearam disseram, e a coordenação do Movimento dos Sem-Terra? Quem sabe podemos promover esse debate em uma das comissões do Senado Federal que trata das questões da agricultura? Um diálogo construtivo, que envolva toda essa temática que está sendo mencionada. Aqui fica a sugestão. Tenho certeza de que a coordenação do Movimento dos Sem-Terra estaria disposta a participar desse debate. Quem sabem poderíamos trazer a esta Casa membros da Confederação Nacional da Agricultura e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra para manter conosco um diálogo construtivo, inclusive visando à aceleração, por parte do Senado, especificamente dos projetos que envolvam a questão da terra? No que concerne às distorções havidas, à corrupção na desapropriação da terra, solidarizo-me inteiramente com V. Exª. Não é possível admitir-se que, no momento da desapropriação, recursos sejam desperdiçados e, sobretudo, que enriqueçam intermediários, porque isso constitui um desvio completo da finalidade da realização da reforma agrária.

O SR. JÚLIO CAMPOS - Muito obrigado, Senador Eduardo Suplicy. Com muita honra, incorporo o seu aparte ao meu pronunciamento.

Aceito a sugestão de V. Exª, no sentido de patrocinarmos um fórum de debates entre o Senado Federal e as partes interessadas na política agrária do País, ou seja, entre a Confederação Nacional da Agricultura e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Vou sugerir que o próprio Senado Federal, neste segundo semestre, repense a política agrária do País.

O Sr. Eduardo Suplicy - Gostaria de colaborar com V. Exª na escolha das entidades que participarão do debate e poderemos assinar juntos o requerimento nesse sentido.

O SR. JÚLIO CAMPOS - Com muita honra.

Concluirei o meu pronunciamento, já que a Mesa me advertiu sobre o tempo, embora o meu pronunciamento seja bastante denso e eu deixe para falar justamente às sextas-feiras, porque, como membro da Mesa, nos dias normais não tenho oportunidade de usar da palavra, uma vez que presido a Casa.

A fazenda onde se deu o confronto armado já havia sido ocupada e desocupada. Foi reocupada porque líderes mais agressivos do Movimento dos Sem-Terra queriam ação. E ação tiveram, matando três empregados da fazenda e enterrando um de seus próprios camaradas.

Em Rosário Oeste, Mato Grosso, mortos e assassinos são sem-terra. Nada disso surpreende. Ao contrário, causa estranheza que não haja mais mortes e outras tragédias a lamentar. Em verdade, Sr. Presidente, Srs. Senadores, o Governo se deixou intimidar pelas repercussões dos conflitos no campo e passou a desapropriar glebas invadidas, o que permitiu aos sem-terra entender a nova política como um incentivo às invasões a título de apressar a reforma agrária - o que é lamentável, já que poderíamos fazer a reforma agrária sem esse tipo de pressão. A partir de então, os sem-terra passaram a escolher quem deve ou não receber o seu pedaço de chão, gozar de financiamentos e utilizar assistência técnica e equipamentos.

Diante desse cenário, Sr. Presidente, Srs. Senadores, pouco adianta o Presidente da República mandar seus auxiliares ao local do crime para apurar responsabilidades. Também não adianta uma comissão de Senadores visitar, depois do crime ocorrido, aqueles locais. A violência no campo somente vai reduzir-se se o Governo tratar os sem-terra como vítimas das injustiças sociais, mas sem lhes dar imunidade para a prática da violência. A violência começa com a invasão. Qualquer ocupação de propriedade alheia é violenta por definição. Ninguém pode fechar os olhos a essa realidade.

O Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso aparentemente ainda não percebeu que é ele o verdadeiro alvo pretendido pela estratégia do Movimento dos Sem-Terra. Por mais dinheiro que se aloque à desapropriação de terras, por mais colonos que se assentem, por mais assistência técnica que se proporcione, nada será suficiente para conter as invasões e a violência no campo. A reforma agrária é apenas um subproduto. O Movimento dos Sem-Terra pretende levar a insegurança ao maior número de lugares e de pessoas. Seu objetivo não é corrigir injustiças sociais; é ressaltá-las e agravá-las, para fazer do moderno Brasil capitalista refém de uns poucos que ainda sonham com a revolução violenta no campo.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, alguns argumentos que trouxe para debate de V. Exªs estão contidos no editorial do jornal O Estado de S. Paulo na sua edição do último dia 16 de junho. O editorial veio no momento certo. A questão da distribuição da terra no Brasil é séria e precisa ser resolvida em prazo curto. Não tenho qualquer dúvida de que é necessário redistribuir a propriedade, colocar mais gente no campo e garantir a esses trabalhadores condições mínimas para produzir, gerar seu sustento, vender o excedente, enfim, ter uma vida mais condigna. Creio que essa é a política adequada e correta.

Os generais norte-americanos trataram de fazer a reforma agrária no Japão no final da Segunda Guerra Mundial, logo após a rendição nipônica. Redistribuição de terras não é uma política contrária ao capitalismo. Ao contrário. O exemplo clássico é o dos generais norte-americanos, que forçaram a redistribuição da propriedade em um Japão devastado pelas bombas atômicas. Mas essa diretriz não tem qualquer semelhança com o incentivo à violência, que é obra da barbárie. Distribuir terras, sim; incentivar ocupações violentas, não.

Essa é uma linha de ação muito clara, que deve levar o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso a repensar todo o programa de reforma agrária. E o Senado pode ajudar nesse sentido. O Governo dispõe do Estatuto da Terra, elaborado na gestão do saudoso Presidente Castello Branco, um bom roteiro para reiniciar o seu trabalho. O problema, tal como está colocado hoje, é inverso, porque jamais haverá dinheiro suficiente para pacificar um segmento da sociedade que está fazendo da violência a característica de sua ação cotidiana. A violência é a marca dos sem-terra. Eles não querem a propriedade; querem o conflito.

No Brasil, já passamos por uma fase de radicalização na questão fundiária. Governos do início da década de 60 alardeavam que as reformas básicas e estruturais da sociedade deveriam ser realizadas mesmo contra a vontade do Congresso Nacional. Naquela época, os conflitos se multiplicaram por todo o interior do Brasil. Trabalhadores e fazendeiros se armaram. Ocorreram mortes e um profundo desvio na rota da democracia deste País em 1964. Tirar o Brasil do trilho da normalidade foi obra de poucos, produzida em poucos anos. Retorná-lo ao ambiente de paz e convivência pacífica dos antagônicos no mesmo espaço político constituiu obra de mais de uma década, conduzida por excepcionais artesãos da arte de negociar.

Ninguém quer retroceder. Todos almejamos um futuro tranqüilo, justo e equânime. É fundamental, no entanto, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, que o Governo atribua à reforma agrária a urgência e a seriedade que o assunto exige. Mas também é fundamental que a redistribuição da propriedade não possua interlocutores exclusivos, nem seja sinônimo de violência no campo.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/07/1996 - Página 12811