Discurso no Senado Federal

ARTIGO DO SENADOR WALDECK ORNELAS PUBLICADO NO JORNAL O GLOBO DE HOJE, SOBRE O DESEQUILIBRIO INTITUCIONALIZADO DAS REGIÕES BRASILEIRAS.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • ARTIGO DO SENADOR WALDECK ORNELAS PUBLICADO NO JORNAL O GLOBO DE HOJE, SOBRE O DESEQUILIBRIO INTITUCIONALIZADO DAS REGIÕES BRASILEIRAS.
Aparteantes
Antonio Carlos Magalhães, Antonio Carlos Valadares, Artur da Tavola, Bernardo Cabral, José Eduardo Dutra, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 17/07/1996 - Página 12161
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • LEITURA, COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, WALDECK ORNELAS, SENADOR, ASSUNTO, DESIGUALDADE REGIONAL, FONTE, RELATORIO, PROJETO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD), ESPECIFICAÇÃO, INFERIORIDADE, DESENVOLVIMENTO, REGIÃO NORDESTE, ESTADO DA PARAIBA (PB).
  • CRITICA, GOVERNO, DESEQUILIBRIO, DISTRIBUIÇÃO, RECURSOS, INCENTIVO, TRATAMENTO, DIVIDA PUBLICA, ESTADOS, NECESSIDADE, MOBILIZAÇÃO, SENADOR, REGIÃO NORDESTE.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, gostaria de registrar que, a partir da Ordem do Dia, eu encabeçaria a lista de oradores. Mas informaram-me que a Senadora Marina Silva não se pronunciou na primeira oportunidade. Sendo assim, não quis criar obstáculos à oradora.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, em O Globo temos um bom artigo do Senador Waldeck Ornelas sobre o desequilíbrio institucionalizado:

      "O recente relatório sobre o Desenvolvimento Humano no Brasil, apesar de apresentar como novidade a divisão do País em três, confirma uma verdade trágica, já de todos conhecida: qualquer que seja o critério de classificação em análise, o Nordeste está sempre em pior situação.

      O que há de grave na questão é que o Nordeste concentra 29% da população brasileira, algo em torno de 45 milhões de pessoas, com baixa renda per capita, baixa taxa de alfabetização e menor expectativa de vida em relação ao restante do País."

É uma verdade, Sr. Presidente: nós, hoje, temos a pior situação, sendo que, para a nossa infelicidade, o Estado da Paraíba, na recente classificação do Relatório sobre Desenvolvimento Humano, ocupa o mais baixo índice do País.

      "Quero chamar a atenção para o fato de que, enquanto a economia se globaliza e o Brasil, necessariamente, se integra em um dos blocos regionais, o País assume, cada vez mais, compromissos internacionais de equalização de políticas no âmbito externo, sem que tenha resolvido ou pelo menos encaminhado o equacionamento dos seus desequilíbrios internos.

      Essa brutal heterogeneidade que caracteriza hoje o nosso País começa a constituir-se em obstáculo intransponível para um desenvolvimento harmônico, não apenas dos pontos de vista econômico e social, mas também, e já agora, nos campos político e institucional, inviabilizando políticas e regras uniformes. Em síntese, é a própria unidade nacional, herança histórica que nos cumpre preservar, que está sendo posta em risco."

Esta, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é a Casa da Federação. Aqui, cada estado tem três Senadores e o Nordeste, que tem nove estados, é representado por 27 Senadores. No entanto, o que verificamos é que, a exemplo do Nordeste, também o Centro-Oeste e o Norte são marginalizados a toda hora e a todo instante.

      "O Nordeste, que em fase mais remota foi o gerador das divisas que viabilizaram a industrialização do Centro-Oeste, vê-se hoje, quando ingressamos na era da globalização, sob o risco de tornar-se um peso para a Nação em face do agravamento dos desequilíbrios inter-regionais. Este é o cenário que se impõe evitar. O relatório do PNUD cumprirá seu papel se prestar-se à conscientização do grave problema que mais uma vez é realçado. Muito especialmente, é preciso atentar para o desequilíbrio institucionalizado, entendendo como tal a vigência de regras e procedimentos que, ao invés de procurarem reverter a tendência concentradora e desagregadora, tratam de coonestá-la e acentuá-la cada vez mais.

      Tomemos alguns exemplos:

      1. A Resolução nº 200 do Conselho Curador do FGTS, que estabelece critérios para os financiamentos do período de 1996 a 1999, destina 41,1% dos recursos para o saneamento básico da Região Sudeste, que já contava, em 1991, com o nível de atendimento de 93,5% de ligações domiciliares de água e 70,4% de esgotamento sanitário. Enquanto isto, no Nordeste, que tinha apenas 13,2% dos domicílios com esgotos e 78,2% com água potável, poderá captar apenas 28,3% desses recursos."

Assim, o que se vê é que quem precisa de investimento terá recursos menores, enquanto que os que não precisam tanto terão recursos maiores.

      "2. O salário-educação, que financia o ensino fundamental, destina dois terços dos seus recursos para a quota estadual, mas proporcional à arrecadação..."

Isso significa que o Sul-Sudeste vai receber muito mais do que o Nordeste, que tem 40% de analfabetos.

      "O Programa de Crédito Educativo concentrou, nos últimos seis anos, 60% de suas aplicações no Sudeste e outros 21% no Sul, deixando apenas um resíduo para as regiões mais carentes..."

Portanto, 81% ficam no Sul-Sudeste e somente o restante vão para o Norte, Centro-Oeste e Nordeste.

Isso ocorre também em relação aos incentivos para o desenvolvimento científico e tecnológico na área de informática, uma vez que o índice de concentração ocorre nos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, atingindo um percentual de 76,8% nesses estados.

O mesmo ocorre ainda no tocante à agropecuária, onde 88,2% são aplicados nos mesmos três estados. E, desta forma, o que verificamos é que cada vez mais se agravará a diferença tecnológica.

No que se refere ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, o Nordeste tinha uma participação, em 1990, de 21% e, em 1994, de 11%. Portanto, essa participação foi reduzida à metade e, atualmente, temos um percentual até menor.

Isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vem acontecendo de forma que a cada dia e a cada hora mais aumenta essa diferença, esse desequilíbrio entre as regiões.

      "7. A política econômica nacional continua desconhecendo a existência dos desequilíbrios inter-regionais. O exemplo mais flagrante no momento é o do regime automotivo, onde a política de incentivos adotada inviabiliza a desconcentração espacial desse segmento, o que poderia ter sido feito com o aval da OMC, que abre clara e expressa exceção para incentivos de natureza regional. Ainda há tempo de fazer alguma coisa. Mas são exemplos como esse que explicam a concentração de 57,8% dos incentivos federais no Sudeste, ficando o Nordeste - que sempre leva a fama - com apenas 10,3%."

Como se não bastasse, Sr. Presidente, São Paulo entra duro na competitividade, por conseguir maior número de empresas e, até um tempo atrás, esse estado alegava ser a locomotiva que arrastava vagões vazios. E, hoje, o que estamos vendo? Em relação à política do Mercosul, encontramos uma diferença gigantesca de incentivos e até mesmo de níveis de oportunidades apresentadas por aquele estado, para carrear mais aplicações e mais recursos para sua Região.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, se nós, do Nordeste, do Norte e do Centro-Oeste, não tomarmos uma providência, seremos cada vez mais marginalizados.

Veja-se o caso da dívida interna, por exemplo. Os estados devem cerca de R$60 bilhões e apenas São Paulo deve, no que se refere a títulos mobiliários, R$16 bilhões. Os maiores devedores de títulos mobiliários da República são São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, mas a grande maioria desses títulos foi parar no Banco Central.

No caso específico de São Paulo, o Governo Federal trocou seus títulos federais por títulos estaduais que estavam com dificuldade de colocação, permitindo que São Paulo tivesse hoje 83% de seus títulos em depósito no Bacen.

Essa é uma ajuda fabulosa, considerando que os títulos paulistas ou da maioria dos Estados não têm colocação no mercado. Mas, com a posição de zeragem automática, os títulos do Governo Federal têm valor. Por quê? Porque quando se vende ao banco, é dito: "Na hora em que quiser vender eu compro de volta". Funciona quase como moeda. E quando o Governo Federal troca um a um, valor a valor, esses títulos, nós estamos privilegiando os grandes quatro Estados do Sul e Sudeste.

Mais uma vez o Nordeste fica em desvantagem; mais uma vez o Nordeste se marginaliza. E, o pior de tudo, é que nós somos coniventes com essa situação. Aqui no Senado Federal, na Casa da Federação, nós Senadores do Nordeste, do Norte e do Centro-Oeste temos sido coniventes com essa política.

É preciso que se faça a inversão, que chegou a tal ponto, Sr. Presidente e Srs. Senadores, que, para tristeza nossa, lemos no Correio Braziliense de domingo, dia 30, um artigo do Diretor do Banco Central, Dr. Gustavo Franco, intitulado "Vão para o interior". O artigo diz que as empresas devem ir para o interior porque há mais vantagens. E adiante tem um parágrafo bastante duro para nós nordestinos, em que o Sr. Gustavo Franco explica que empresas em competição têm sempre que procurar menores custos:

      No Nordeste há um depósito de trabalhadores baratos muito grande e as empresas devem explorar esse depósito por muito tempo.

Nem ao menos respeito merecemos quando se dirigem a nós: "Há um depósito de trabalhadores baratos, e isso deve permanecer por muitos anos."

Diante de um quadro como esse, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao mesmo tempo em que elogio o artigo do Senador Waldeck Ornelas, venho a esta tribuna para dizer que não podemos continuar desta forma. Temos que lutar contra esse desequilíbrio.

O Sr. José Eduardo Dutra - Senador Ney Suassuna, concede-me V. Exª um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA - Ouço V.Exª com muito prazer, Senador José Eduardo Dutra.

O Sr. José Eduardo Dutra - É um aparte muito rápido, Senador Ney Suassuna, apenas para repudiar essa declaração do Sr. Gustavo Franco, que, mais uma vez, como aliás tem sido característica dele, trata os nordestinos como "raça" de segundo grau. Mas parece que isso já está virando moda em todos os escalões do Governo, porque, além dos trabalhadores do Nordeste estarem em um depósito, os brasileiros todos são caipiras e provincianos. Queria registrar, inclusive, com relação à afirmação de que somos caipiras, que prefiro ficar com o velho Monteiro Lobato, que falava dos jecas tatus. Até porque acho que Monteiro Lobato deu uma contribuição maior para o País do que o atual Governo. Muito obrigado.

O SR. NEY SUASSUNA - Muito obrigado, Senador José Eduardo Dutra. Realmente magoa sermos citados como depósito de trabalhadores baratos. E o que me magoa mais ainda é ler que vamos ter esses depósitos por muitos anos. Isso realmente nos fere, até porque sabemos que o primeiro ciclo de riqueza neste País foi no Nordeste e exportamos esse capital para o Sul e Sudeste para que gerassem suas riquezas.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA - Ouço com prazer V. Exª.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - Senador Ney Suassuna, V. Exª está trazendo ao conhecimento da Casa assunto da maior gravidade, já que a pecha de depósito, referindo-se a nós nordestinos, divulgada em artigo publicado em um jornal de Brasília, é de autoria de um auxiliar imediato do Governo. Entendo que merece um reparo ou uma explicação melhor desse auxiliar do Banco Central, porque ele coloca os nordestinos como sub-raça, pessoas inexpressivas, cidadãos de outro mundo, em uma situação parecida com aquela dos países que exportam diversos produtos a custo muito baixo, concorrendo no mercado internacional, como a China, a Índia e outros, que vendem, até no nosso mercado, brinquedos a um preço bem baixo porque, simplesmente, a mão-de-obra lá é muito explorada e os governantes não têm o cuidado de pagar os direitos previdenciários, de reconhecer os direitos à seguridade de seu povo. É o que está acontecendo, talvez, com o pensamento - posso dizer - arbitrário desse diretor do Banco Central, Dr. Gustavo Franco, que talvez tenha levado em consideração também o que declarou o Presidente da República a respeito dos brasileiros, como lembrou o Senador José Eduardo Dutra, de que nós todos somos caipiras, tabaréus, inexpressivos. Quero crer que o exemplo da humilhação vem do próprio Presidente da República que, do alto de sua sabedoria, de sua intelectualidade, acha que todos nós somos seres inferiores e que toda e qualquer reforma no Brasil não é aceita na primeira hora porque somos ignorantes. A verdade é esta: o próprio Presidente da República, ao invés de dar bom exemplo, coloca todos os brasileiros em uma situação vexatória e humilhante, e não só internamente, mas fora do País, já que Sua Excelência disse isso em Portugal, se não me engano, em uma entrevista coletiva. O Presidente da República precisa ter consciência de que realmente é um homem inteligente, um intelectual, um estadista, mas, como tal, não deveria fazer essas coisas; o estadista, em primeiro lugar, valoriza o seu povo, valoriza a cidadania. Assim sendo, deveria reconhecer que o brasileiro tem pleno direito de discutir suas reformas e de discordar delas. Quem discorda de Sua Excelência é rotulado de ignorante, de tabaréu, de caipira. Naturalmente, não me considero dessa espécie e gostaria de dizer que V. Exª tem razão, porque o Nordeste tem dado uma contribuição enorme ao desenvolvimento do País. Somos vinte e sete Senadores do Nordeste e todos nós temos essa missão de ajudar o nosso País, mas não podemos ser detratados dessa forma. Este é o nosso protesto mais veemente contra as palavras não só do diretor do Banco Central, que foi infeliz ao pronunciá-las, como também do Presidente da República. Acredito até que Sua Excelência não tenha tido a intenção de nos humilhar, mas, da forma como falou, todos lá fora estão pensando que no Brasil só existem ignorantes.

O SR. NEY SUASSUNA - Muito obrigado pelo aparte de V. Exª. Concordo inteiramente com a primeira parte referente aos nordestinos; quanto à segunda, reservo-me a não fazer comentários.

O Sr. Bernardo Cabral - Senador Ney Suassuna, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA - Senador Bernardo Cabral, por gentileza, concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Bernardo Cabral - Senador Ney Suassuna, vamos colocar as coisas nos seus devidos lugares. Quem inferioriza um cidadão que nasceu no Nordeste ou no Norte - mas no caso quero precisar o meu aparte ao problema nordestino - desconhece a história de grandes homens deste País. Rui Barbosa era nordestino e até hoje não conheço nenhum jurista que o tenha suplantado. Mas podemos sair do lado jurídico e ir para a poesia: Castro Alves era nordestino. Quero lhe dar um exemplo no meu Estado: foi para lá que seguiu a saga dos nordestinos, no caminho que tomou o nome de soldados da borracha, dos bravos - repito, bravos nordestinos que construíram parte da riqueza daquele Estado. De modo que deploro, lamento e vejo, com profunda tristeza, o fato de todos nós brasileiros tentarmos tratar de modo diversificado, inferiorizado, o homem que nasceu no Nordeste. Bom seria que não houvesse nada disso. V. Exª é um exemplo. V. Exª nasceu no Nordeste e fez uma das coisas mais belas que pode existir neste País, que é a cultura no Sul do País. V. Exª disseminou a cultura; V. Exª é um educador. Quantos educandos devem ter passado pelas mãos desse nordestino, que hoje é Senador pela Paraíba? Não preciso nem lhe dar a minha solidariedade. Em nossas regiões, Norte e Nordeste, há algo que nenhum tecnocrata pode precisar: o clima. Não há como planejar, porque, de uma hora para outra, irromperá uma grande seca ou uma avalanche que arrasa tudo. Ora, discriminar o Nordeste, seja qual for a figura, é pelo menos uma grande injustiça! O nordestino merece o título de "jagunço de Deus"!

O SR. NEY SUASSUNA - Agradeço a V. Exª, Senador Bernardo Cabral, que, como sempre, faz observações não só precisas, como também bonitas. Emociono-me com o aparte de V. Exª e o acato como parte privilegiada do meu discurso.

O Sr. Artur da Távola - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA - Concedo o aparte a V. Exª com muita satisfação.

O Sr. Artur da Távola - Senador Ney Suassuna, também quero solidarizar-me com o discurso de V. Exª. Realmente, o nível de arrogância de certa tecnocracia brasileira é insuportável, arrogância nem sempre baseada em competência. Esses tecnocratas do Banco Central devem muita satisfação ao País e devem muito ao Governo, que lhes tem dado cobertura. É por causa dessa arrogância de praticamente toda a direção do Banco Central, que o próprio Governo tem pago pesados preços, como esse, por exemplo, de vermos, de maneira hábil, mas injusta, o Senador Antonio Carlos Valadares identificar a posição do Presidente da República com a desses tecnocratas marcados pela insensibilidade e por uma velha escola de economia que ignora o lado humano, que transforma tudo em questões meramente estatísticas e que, efetivamente, não sabe o que é o sofrimento das pessoas, muito menos têm cultura sociológica para a compreensão do que o Nordeste significa para o Brasil. Portanto, não é de estranhar que esses senhores pretensiosos - particularmente os do Banco Central, mas os do Banco do Brasil não ficam muito atrás -, arrogantes, trazem problemas sérios ao seu próprio Governo. Agora, não é justo identificar, exatamente pelo bom enfoque do discurso de V. Exª, a figura do Presidente da República nisso. Um Presidente da República muitas vezes precisa de certa tecnocracia na ação, porque se essa tecnocracia é antipática, auto-suficiente, soberba e pretensiosa, ela é competente também, e a competência se estabelece. Por isso, aqui entra a missão da política, que é a de ser, justamente, o traço da unidade entre todos esses aspectos, para que o País não seja prejudicado. De maneira que o seu discurso é extremamente oportuno. V. Exª não envolveu a figura do Presidente da República nisso. Eu não gostaria de deixar oportunidade para que superposições meramente oposicionistas deslustrem a precisão com que V. Exª crítica a soberba de algumas figuras do Banco Central deste País. Obrigado a V. Exª.

O SR. NEY SUASSUNA -  V.Exª faz uma clarificação da minha posição. Realmente, estou discutindo o desequilíbrio regional, dizendo que lamento que esse desequilíbrio seja tanto que alguns tecnocratas até digam que existe um depósito, o que já é deprimente. O pior é que ainda dizem que vai durar muitos anos. Isso nos magoa, porque vemos que já está consolidado que não haverá modificação tão cedo, ou seja, essa sub-raça deve continuar sub-raça. Então, vão lá e explorem porque por muito tempo haverá como explorar o nordestino.

O Sr. Pedro Simon - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA - Com muito prazer.

O Sr. Pedro Simon - Nobre Senador, é muito importante a manifestação de V. Exª. Considero esse técnico competente. Basta ver que ele está "na crista da onda" há muito tempo. Dizem até que o Sr. Gustavo Franco é um dos gênios da economia brasileira. Ele, os irmãos Barros e o Pérsio Arida são considerados gênios. Com toda a sinceridade, não têm um mínimo de humildade. Chamar o Nordeste de depósito de desempregados é algo que não dá para entender. Por mais que ele use o "economês", por mais técnico que seja, por mais que esteja lá em cima, no Olimpo, por mais que, para ele, o problema que envolve gente ou o povo seja questão de um número a mais ou um número a menos, por mais que ele entenda que temos de fazer economia, combater a inflação, haver recessão, que causará o desemprego, e, por isso, pessoas deixarão de comer, mas que isto é necessário, mesmo assim a pessoa deve ter certa elegância no linguajar. Falar em depósito de desempregados é um absurdo. Ele diz que o Nordeste é um depósito de desempregados e que durante muito tempo será depósito de desempregados. Ele nem dá esperança. Poderia dizer que o Nordeste será um depósito de desempregados por mais algum tempo, mas que a política do Governo, para o qual está trabalhando, mudará esse quadro brevemente. Ao contrário, ele afirma que durante muito tempo o Nordeste será um depósito de desempregados. Por isso, aqueles que estão se queixando-se da entrada de matéria manufaturada da China, que é muito barata, porque lá o trabalho é escravo, devem aplicar no Nordeste, onde a mão-de-obra também é barata. Isso é uma frieza, uma crueldade terrível! Concordo com o Senador Artur da Távola de que isso não envolve a figura do Presidente; nem passa pela nossa cabeça que o Presidente da República, pela sua maneira de ser - um sociólogo -, esteja envolvido num linguajar como esse; não passa pela cabeça de V. Exª, nem pela minha que o Presidente da República se identifique com isso. O Sr. Gustavo Franco foi de uma grande infelicidade e de uma irresponsabilidade enorme. Com relação ao Presidente Fernando Henrique é diferente. Sua Excelência, em Lisboa, chama-nos de caipiras. É verdade que existem pessoas maliciosas. Atribuíram ao Senador Antonio Carlos Magalhães - não acredito que S. Exª tenha dito isso - o comentário de que, ao falar em caipira, o Presidente estaria referindo-se ao ex-Presidente Itamar Franco, que, no início do seu Governo, foi chamado de caipira quando escolheu o Ministro da Fazenda e o Ministro do Planejamento. O Senhor Itamar Franco teve coragem de escolher - a imprensa de São Paulo disse que o Presidente cometeu o absurdo de escolher - para Ministro da Fazenda alguém de Pernambuco e para Ministro do Planejamento alguém de Minas Gerais. A imprensa disse isso porque nenhum dos dois era de São Paulo. O jornal O Estado de S.Paulo e a Folha de S.Paulo publicaram: " O Presidente caipira escolheu a dupla caipira para dirigir a economia brasileira." Não entendi o sentido do termo "caipira" usado por nosso querido Presidente. Disse Sua Excelência que o brasileiro é um caipira porque não está acostumado com a economia global. Segundo o Presidente, "há pessoas que imaginam que o brasileiro não se abre para a globalização por vaidade ou algo que o valha. Não! É porque o brasileiro é um tímido, um caipira e por isso o brasileiro se vira para dentro". Em primeiro lugar, não aceito a maldade, ou a brincadeira, de alguns que dizem que o Presidente Fernando Henrique Cardoso estava se referindo ao Presidente Itamar Franco. Não estava! Tenho certeza de que S. Exªs se dão muito bem e há um respeito recíproco muito grande. Não seria ao Presidente Itamar Franco que Sua Excelência estaria referindo-se. Em segundo lugar, acho que o termo caipira foi uma expressão usada. Sua Excelência talvez pudesse ter se lembrado do ex-governador Quércia que sempre disse que a imprensa de São Paulo, o Estadão, sempre o combateu porque esse jornal era muito aristocrata, era da família dos 400 anos, e como ele, Quércia, era um caipira do interior, o Estadão nunca admitiu um caipira governador do Estado. Por isso o Estadão combatia tanto o Quércia. Também não acho que o Presidente Fernando Henrique estivesse se lembrando do Quércia ao usar a expressão caipira. A mim, parece que Sua Excelência, chegando a Portugal, se sentiu em casa. Então, o que quis dizer foi isto: somos caipiras; nós brasileiros ainda não temos sentido de mundo. Eu, que sou um estadista, que tenho viajado, conheço a humanidade, sou um sociólogo, estou tentando convencer o meu País a ter esse sentido de globalização. Acho que Sua Excelência pediu um pouco de tolerância para o mundo, porque, com o tempo, Sua Excelência vai conseguir que aceitemos essa tal de globalização. Sou solidário a V. Exª de que o termo usado pelo diretor do Banco Central foi cruel. Ele pode até pensar, mas não tinha o direito de dizer. Pode até achar que é verdade: lá no Nordeste há um depósito de desempregados que vai durar não sei quanto tempo; mas ele tem a obrigação de se referir com mais elegância, mais respeito aos nossos irmãos nordestinos. Com relação ao Presidente, foi uma forma de expressão. O nosso Presidente faz, às vezes, brincadeiras assim com a imprensa que temos que levá-las nesse sentido. Mas creio que Sua Excelência não se referiu ao Presidente Itamar Franco - não me passa isso pela cabeça - e nem ao ex-Governador Orestes Quércia, até porque o Presidente não iria fazer uma referência dessas, em Lisboa, falando o ex-governador caipira, o Sr. Orestes Quércia.

O SR. NEY SUASSUNA - Agradeço ao nobre Senador Pedro Simon. No entanto, devo esclarecer que não me referi ao Presidente, mas ao excelente artigo do Senador Waldeck Ornelas sobre o "Desequilíbrio Institucionalizado" e a mágoa de ver expressões de que "somos um depósito de mão-de-obra barata" e, mais ainda, "por muito tempo". Isso me deixou magoado. Desta forma, meu discurso solicita que o Governo faça um projeto que nos traga estratégias e ações em prol do Nordeste. Por outro lado, é preciso que nos unamos.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA - Ouço o aparte do nobre Senador Antonio Carlos Magalhães.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães - V. Exª aborda muito bem o assunto e faz muito bem em não aceitar a provocação, sempre inteligente, do Senador Pedro Simon. S. Exª coloca a parte referente ao Nordeste com muita perfeição, como colocou os Senadores Artur da Távola, Bernardo Cabral e outros. Em relação ao aparte do Senador Pedro Simon, não foi em Portugal; mas acho que o Presidente não foi feliz na expressão. Isso deve ser colocado, até para que o próprio Presidente sinta que a expressão "não tendo sido feliz", deve ter cuidado, sobretudo quando dá uma entrevista para um jornal estrangeiro, mesmo sendo do nosso querido Portugal. No caso concreto, no discurso de V. Exª, que é extremamente oportuno e que salienta a propriedade do artigo do Senador Waldeck Ornelas, esse artigo tem um conteúdo muito profundo porque todos nós do Nordeste, V. Exª também conosco, os Senadores Beni Veras, José Agripino e toda a bancada do Nordeste, têm-se reunido aqui para exigir do Governo Federal uma nova estratégia. E o Sr. Gustavo Franco, como os homens do Banco Central, como os homens do próprio Governo Federal não têm sido sensíveis a essa nova estratégia do Nordeste, porque, enquanto eles não levarem investimentos pesados para aquela região - fábricas de automóveis etc -, que devem ter privilégios fiscais para lá e não igualitários para todo o Brasil; enquanto se demorar para resolver o caso da refinaria de petróleo, que até hoje não se resolveu - já se vão quase dois anos para sua decisão -; enquanto não se situarem indústrias siderúrgicas fortes no Nordeste, eles vão sempre ficar com essa posição preconceituosa com o Nordeste. Mas o Nordeste, como V. Exª afirma, e como todos nós afirmamos, é uma região que tem capacidade de prosperar e que muito lutou para tornar, sobretudo São Paulo desenvolvido e forte. Lá, não só a nossa mão-de-obra, como as divisas do Nordeste, fizeram o parque industrial paulista, e hoje somos extremamente sugados, até mesmo agora, numa mudança do Fundo de Participação, para se fazer pagamento de imposto de renda em São Paulo, onde há a maior devolução de imposto de renda no Brasil, em vez de se cuidar de fortalecer o Fundo de Participação. Tudo isso é uma política dos tecnocratas, com fundamento em uma política privilegiada para São Paulo, que está destruindo os fundamentos da unidade brasileira. E V. Exª faz muito bem, no seu discurso em salientar, como vem salientando com propriedade, toda essa questão, que não deve ser só de V. Exª, mas de todos os Senadores, porque dentro de pouco tempo vamos ter uma federação frágil, quebrada, por falta de uma política própria para o Nordeste. Muito obrigado a V. Exª.

O SR. NEY SUASSUNA - Muito obrigado, Senador Antonio Carlos Magalhães. O aparte de V. Exª abrilhanta o meu pronunciamento e eu concordo em gênero, número e grau com os dizeres de V. Exª.

E aqui encerro, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, pedindo duas coisas. Uma ao Governo Federal, o Executivo: que arranje tempo, força política e força de vontade para as políticas que precisam existir para evitar esse desequilíbrio institucionalizado. Isso, por uma razão simples: Nordeste mal cuidado significa migração, significa São Paulo, Rio de Janeiro e o Sul, todo o Sul/Sudeste invadido por trabalhadores não qualificados, trabalhadores que vão inchar as cidades dessas regiões. Além disso, é preciso que se considere o desequilíbrio social que fica lá no Nordeste, porque vêm os homens para o Sul deixando para trás suas famílias e provocando um desequilíbrio tremendo, gerando um verdadeiro moto perpétuo.

É preciso que o Governo Federal busque com urgência políticas que invertam essa situação. Todas as que citamos aqui mostram exatamente o contrário, é uma perpetuação dessa situação com agravamento.

Pedimos também a cada companheiro da bancada nordestina - e o problema não é só do Nordeste, é do Centro-Oeste e do Norte também - que nós, unidos, formemos uma legião no sentido de que, se não conseguirmos fazer a legislação de uma vez, que a façamos pontualmente, a cada hora e a cada momento, e a cada discussão busquemos vantagens para a nossa região de modo a minorarmos e diminuírmos esse desequilíbrio.

O Nordeste não é um problema, mas solução. Temos boa terra, temos um sol permanente para o turismo. Temos ene soluções. Precisamos de força política para revertermos essa situação, pois a Califórnia e Israel têm situações muito piores e, com certeza, com vontade política vamos ter essa solução permanente e um Nordeste que ainda será o impulsionador do progresso neste País.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/07/1996 - Página 12161