Discurso no Senado Federal

ENDIVIDAMENTO PROGRESSIVO DOS ESTADOS PELA EMISSÃO DE TITULOS DA DIVIDA MOBILIARIA.

Autor
Edison Lobão (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
Nome completo: Edison Lobão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIVIDA PUBLICA.:
  • ENDIVIDAMENTO PROGRESSIVO DOS ESTADOS PELA EMISSÃO DE TITULOS DA DIVIDA MOBILIARIA.
Aparteantes
Geraldo Melo.
Publicação
Publicação no DSF de 17/07/1996 - Página 12183
Assunto
Outros > DIVIDA PUBLICA.
Indexação
  • CRITICA, FALTA, RESPONSABILIDADE, GOVERNO, AUMENTO, EMISSÃO, TITULO DA DIVIDA PUBLICA, EFEITO, AMPLIAÇÃO, DIVIDA MOBILIARIA, INADIMPLENCIA, GOVERNO ESTADUAL.
  • CRITICA, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), SENADO, AUTORIZAÇÃO, ESTADOS, EMISSÃO, TITULO MOBILIARIO, OBJETIVO, QUITAÇÃO, PRECATORIO, DENUNCIA, DESVIO, DESTINAÇÃO, DINHEIRO, PAGAMENTO, PESSOAL, EMPREITEIRO.
  • OPOSIÇÃO, ORADOR, PROPOSTA, SECRETARIO, TESOURO NACIONAL, RESGATE, UNIÃO FEDERAL, DIVIDA MOBILIARIA, ESTADOS, MUNICIPIOS.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL-MA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o País está vivendo um momento de completo descalabro em suas contas públicas. Estamos assistindo a um endividamento progressivo e gigantesco dos Estados e Municípios por conta da emissão de títulos da dívida mobiliária.

O jornal O Globo de hoje publica matéria estarrecedora sobre a questão. Mostra os números e se refere a um relatório do Banco Central, com ligações com a Secretaria do Tesouro Nacional, mediante o qual se verifica a extensão desse problema e a irresponsabilidade com que ele vem sendo tratado neste País.

Esclarece o relatório do Banco Central que, de um ano a esta parte, os Estados e Municípios que tinham um superávit em relação ao Produto Interno Bruto, no que diz respeito a esta questão, no primeiro quadrimestre de 1995, já no primeiro quadrimestre deste ano apresentam um déficit de 0.83% do PIB, o que significa uma elevação brutal das despesas do Governo no que diz respeito à emissão de Títulos da Dívida Pública para efeito de títulos mobiliários.

Sr. Presidente, de dois anos a esta parte, este Plenário do Senado Federal já autorizou a emissão de R$2.280 bilhões em Títulos da Dívida Mobiliária. E o que significa a dívida mobiliária deste País? A dívida mobiliária dos governos estaduais e dos governos municipais já ascende a mais de R$30 bilhões, e é exatamente a dívida que os Governos Estaduais não pagam.

Nós próprios temos aqui, freqüentemente, autorizado a rolagem integral dessa dívida, 100%, o que já é um descuido da nossa parte. Não deveríamos estar autorizando rolagem nessas condições. É preciso que cada Estado e cada Município paguem, pelo menos, uma parcela razoável dessa dívida, para que possa o Senado autorizar sua rolagem, por meio da emissão de novos títulos. Mas temos sido demasiadamente generosos. A tal ponto chega nossa generosidade que Pernambuco, que até então não devia um centavo em títulos da dívida mobiliária, agora obteve do Senado Federal autorização para emitir R$480 milhões em títulos desta dívida. Quatrocentos e oitenta milhões de reais! Com a maior facilidade, o Senado Federal está autorizando o Estado de Pernambuco a realizar essa operação.

Santa Catarina, que tinha uma dívida mobiliária de R$423 milhões, constituída ao longo de décadas, agora está solicitando ao Banco Central e, em seguida, ao Senado a autorização para emitir mais R$585 milhões, a pretexto de dívida mobiliária.

Sr. Presidente, a que se destina a emissão dos últimos títulos que têm sido solicitados ao Senado Federal? Ao pagamento de precatórios. E o que é o precatório? É uma dívida atribuída ao Estado ou ao Município e, por alguma razão, não paga no passado.

Fui Governador, como muitos dos Srs. Senadores, e como tal sabemos que, na maioria das vezes, os advogados, os procuradores dos Estados e Municípios negligenciam junto ao Poder Judiciário o acompanhamento das questões que dizem respeito à cobrança da dívida dos Estados. A conseqüência é que Estados e Municípios vão paulatinamente perdendo essas causas junto ao Poder Judiciário e, então, vêm os precatórios.

Há um artigo da Constituição que está sendo mal interpretado. O art. 33 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias autoriza a emissão de títulos da dívida mobiliária para pagar precatórios, mas não determina a emissão de títulos; é um dispositivo meramente autorizativo. Pois bem! Os Estados e Municípios, valendo-se desse dispositivo, vão ao Banco Central e obtém com a maior facilidade - e aqui cabe uma crítica severa ao Banco Central por conta disso - a autorização inicial e o envio do processo ao Senado Federal para que o Senado apresente o seu exame e faça a autorização final para a emissão desses títulos. Aonde vamos chegar com um endividamento dessa natureza em nosso País?

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ou tomamos uma decisão já ou, então, o descalabro vai afetar gravemente o Plano Real, pelo qual já pagamos preço tão elevado em desemprego e em elevação das contas públicas do Governo Federal.

Vejam o que diz o relatório elaborado pelo Banco Central: o dinheiro está sendo desviado inconstitucionalmente para outros fins. Ora, o Banco Central declara que o dinheiro está sendo desviado inconstitucionalmente e continua autorizando e propondo a emissão de novos títulos da dívida mobiliária. E prossegue: na prática, alguns Estados vêm se utilizando da prerrogativa por esse dispositivo constitucional, o art. 33 a que me referi, para saldar dívida com fornecedores e despesas com pessoal, sem contudo quitar os débitos do precatórios.

Mas aonde chegamos? Os recursos são obtidos para pagar precatórios e já se viu que nem sempre têm boa origem. Até porque os precatórios têm que passar por todas as instâncias do Poder Judiciário, chegar até o Supremo Tribunal Federal, para somente então ser declarada válida e reconhecida a dívida. Mas, em muitos casos, nem isso aconteceu.

O que devem fazer o Estado e o Município devedores? Pagar de seu próprio bolso. Se eles têm a dívida reconhecida, cujo pagamento é determinado por precatório do Poder Judiciário, que paguem com recursos de seus orçamentos. A própria lei estabelece que é preciso inscrever na proposta orçamentária do ano seguinte, para poder cumprir essas responsabilidades. Mas não! Os Estados e Municípios não só não pagam de seu próprio cofre como ainda recorrem ao Tesouro Nacional, para o efeito da emissão de tais títulos. Após receberem tais títulos, trocam-nos por real e não completam a fase do pagamento do precatório, desviando os recursos para o pagamento de pessoal e de empreiteiras.

Portanto, estamos diante - repito - de um verdadeiro descalabro nas contas públicas e no encaminhamento da economia deste País.

A dívida mobiliária dos Estados gira em torno de R$30 bilhões. Como se viu, essa dívida não é paga porque o Senado sempre autoriza a sua rolagem integral.

Diz ainda o relatório:

      "As pendências a que o Presidente do Banco Central se refere são três: a ausência de comprovação de que os recursos captados anteriormente no mercado financeiro tenham sido usados para pagar os precatórios judiciais, a inexistência de decisão judicial final obrigando os Estados ao pagamento da indenização e até mesmo o pedido de emissão de R$42,8 milhões em títulos para ressarcir o Estado de São Paulo por precatórios já pagos com dinheiro vindo dos impostos."

O Estado de São Paulo é mencionado no relatório. O Governo de São Paulo chega ao ponto de solicitar a emissão de títulos da dívida mobiliária para pagar precatórios, que, na verdade, já foram saldados pelo próprio Governo. O Governo quer-se ressarcir de uma obrigação sua através dos recursos do Governo Federal.

E o que é pior: essa mensagem do Governo do Estado de São Paulo foi encaminhada ao Senado pelo Banco Central, apesar dessas restrições do próprio Banco Central, que o faz agora a destempo, e já foi aprovada na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal. Essa mensagem agora virá ao plenário.

O que devemos fazer? Não podemos deixar de rejeitar, até como início de uma tomada de providência responsável, para resguardar as finanças deste País.

Mas como aprovar a emissão de títulos da dívida mobiliária para o pagamento de uma dívida que já foi saldada?

Sr. Presidente, ao lado disso, temos outras manifestações verdadeiramente alarmantes.

Li O Globo de hoje e agora leio O Estado de S.Paulo de anteontem:

      "O Secretário do Tesouro Nacional, Murilo Portugal, confirmou ontem que o Governo Federal poderá assumir a dívida mobiliária dos Estados e Municípios, que somava R$38,5 bilhões em maio..."

Estamos em julho. Portanto, posso compreender que, já em julho, essa dívida seja de aproximadamente R$45 a R$50 bilhões.

Então, o Secretário do Tesouro Nacional, Sr. Murilo Portugal, que tem o dever de zelar pelos recursos da União Federal, está aventando a possibilidade de assumir toda essa dívida, que não é da União Federal, mas dos Estados e Municípios, para que tais Estados inadimplentes, que não pagam as suas contas, fiquem livres delas, pesando tais dívidas com uma carga imensa sobre os ombros exclusivamente da União Federal.

O Sr. Geraldo Melo - Permite V. Exª um aparte?

O SR. EDISON LOBÃO - Com muito prazer.

O Sr. Geraldo Melo - Eu não queria deixar passar a oportunidade de participar do pronunciamento importante que V. Exª está fazendo, particularmente em relação à questão dos precatórios. Aliás, era meu propósito que esse assunto fosse objeto de uma manifestação que me inscrevi para fazer na tarde de hoje. Compreendendo a seriedade e o senso de responsabilidade com que V. Exª sempre se manifestou ao longo de sua vida pública, afirmo, respeitosamente, que discordo da forma como a questão dos precatórios está sendo discutida. Em primeiro lugar, eu participei ativamente da discussão desse assunto na Comissão de Assuntos Econômicos e gostaria, por enquanto, de destacar apenas um aspecto, no qual a minha posição, de certa maneira, se aproxima da opinião de V. Exª. Em relação à própria existência do precatório, parece-me ainda uma dessas velharias que precisam sumir da face da terra, porque ele nada mais é do que uma invenção que permite ao Estado burlar o interesse dos cidadãos. Um cidadão que deva ao Estado, uma vez condenado a pagar pela via judicial, terá de fazê-lo imediatamente. No caso de o Estado ser condenado a pagar algo pela Justiça, em última instância, a pretexto de que ele não pode ter despesas que não estejam previstas no Orçamento, inventou-se o processo do precatório. Se o Estado é condenado, e a Justiça, dentro da sua programação de trabalho, julga conveniente emitir precatório - que é uma carta dirigida à autoridade condenada -, para que ele pague a determinada pessoa certa quantia, o Estado toma nota da ordem da Justiça, mas não a cumpre; inclui a despesa no Orçamento do ano seguinte, para, na execução orçamentária, provavelmente liberar os recursos e pagar. Essa violência que se pratica contra o cidadão dá ao Estado o direito de tratar a si próprio com direitos que os cidadãos - que o inventaram e pagam para que exista - não têm. Essa aberração precisa acabar, mas, enquanto isso não ocorre, a verdade é que existe, no caso dos Estados, por exemplo, uma prescrição constitucional, pela qual está autorizada a emissão de títulos da dívida pública para a cobertura dos precatórios, pendentes de pagamentos, na data da promulgação da Constituição. Esses precatórios pendentes e os respectivos acréscimos, que resultavam exatamente desse mecanismo alucinado e perverso de se condenar hoje para pagar no próximo ano com uma inflação de 1.000% ao mês, pagavam-se, no ano seguinte, com o valor de hoje. Os 900% que se acresceram ficavam aguardando que o prejudicado requeresse à Justiça a correção e viesse um novo precatório. Na realidade, compete ao Governo do Estado pagar os precatórios pendentes, honrar essas obrigações, e a União está autorizada, constitucionalmente, a fazer a emissão. Há uma distinção que se procura fazer entre precatórios relativos aos processos encerrados e aos que não estão encerrados. Não quero entrar nessa parte da discussão agora, porque não quero tomar de mim mesmo e do Senado Federal a oportunidade de continuar ouvindo V. Exª. Se tivermos oportunidade ainda hoje, creio que poderemos continuar esse debate mais tarde, se eu tiver a chance de ocupar a tribuna.

O SR. EDISON LOBÃO - Verifico que em nada, absolutamente em nada, há divergência do pensamento de V. Exª em relação ao meu; nem do meu em relação ao de V. Exª.

Não estou contra o pagamento dos precatórios, das dívidas assumidas pelos Estados, muito pelo contrário. Até já dei um passo muito além: apresentei um projeto de lei no Senado Federal, determinando que houvesse encontro de contas entre credores e devedores, quando incluísse o Estado, o Poder Público e a iniciativa privada; ou seja, se uma grande empresa é credora do Governo Federal de R$ 4 bilhões - o que acontece freqüentemente - e é devedora de R$ 1,5 bilhão ou R$ 2,5 bilhões, que se faça o encontro de contas e que o devedor cumpra a sua parte do restante. Esse projeto está tramitando aqui, no Senado. De tal modo tenho respeito pelo crédito alheio que cheguei a esse ponto.

Mas o que estou ponderando aqui é a emissão de títulos mobiliários para o pagamento de precatórios e que acabam sendo desviados para outros objetivos, como consta da denúncia do Banco Central. Estados, que receberam autorização do Senado para emitir títulos da dívida mobiliária, trocaram o dinheiro e aplicaram-no em pagamento de outras dívidas, pagamento de pessoal inclusive, e não cumpriram os precatórios do Poder Judiciário.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, ainda há pouco ouvi uma declaração da Governadora do meu Estado, Drª Roseana Sarney, de que está amargando o pagamento de 16%, hoje, sobre as suas receitas totais, para amortização da dívida do Estado. São 16% todo mês e já chegaram a 25%. Como média, no ano passado, ela esteve perto de 20%. S. Exª cumpre, rigorosamente, sua tarefa de pagamento da dívida.

No meu governo, cheguei a pagar, em três anos, US$250 milhões de dívida, sem obter qualquer centavo de empréstimo, assim como S. Exª. A atual governadora está enxugando a folha de pessoal - sabe Deus com que sacrifício -, para ajustar sua máquina administrativa. E não tem um centavo em título da dívida mobiliária ou recebe qualquer ajuda do Governo Federal no sentido de amenizar o peso dessa imensa dívida.

Enquanto isso, vem o Sr. Murilo Portugal, Secretário do Tesouro Nacional, propor que o Tesouro assuma a dívida mobiliária dos Estados e Municípios. Isso é um escândalo! Os Estados têm que cumprir o seu papel, dentro de normas e regras, naquilo que seja possível.

Votamos no Senado uma resolução que reduz para 9 e 11% o máximo a ser desembolsado pelo Estado com o resgate da sua dívida. Mas o Governo Federal não a cumpre e obriga os Estados a pagarem 14% a 20%, descumprindo a resolução aprovada nesta Casa.

Por outro lado, o Secretário do Tesouro deseja beneficiar os Estados e Municípios que têm uma grande dívida mobiliária, como é o caso de São Paulo e Rio Grande do Sul, sobretudo. É contra isto que aqui me levanto: primeiramente para dizer que o Senado precisa ver melhor essa questão, não mais autorizando a rolagem em 100% da dívida mobiliária dos Estados; e, em segundo lugar, examinar os pedidos que aqui chegam para atender a precatórios; saber se o montante dos precatórios de cada Estado é aquele mesmo ou se o governador está, eventualmente, pedindo mais do que precisa.

E ainda fiscalizar a aplicação desses recursos, para que não aconteça o que está sendo denunciado hoje pelos jornais: o desvio dos recursos autorizados pelo Senado para o resgate de tais precatórios.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/07/1996 - Página 12183