Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DE UMA SOLUÇÃO PARA O CRESCIMENTO EXPONENCIAL DA DIVIDA PUBLICA INTERNA.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIVIDA PUBLICA.:
  • NECESSIDADE DE UMA SOLUÇÃO PARA O CRESCIMENTO EXPONENCIAL DA DIVIDA PUBLICA INTERNA.
Aparteantes
Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 25/07/1996 - Página 13126
Assunto
Outros > DIVIDA PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, POLITICA MONETARIA, GOVERNO, PROVOCAÇÃO, CRESCIMENTO, DIVIDA PUBLICA, PREJUIZO, SETOR, PRODUÇÃO, PAIS, REDUÇÃO, CONCORRENCIA, PRODUTO NACIONAL.
  • TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DENUNCIA, POSSIBILIDADE, AUMENTO, DIVIDA INTERNA, RESULTADO, PROGRAMA, GOVERNO, SALVAMENTO, BANCOS, REDUÇÃO, CRISE, FINANÇAS, ESTADOS, MUNICIPIOS.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso. ) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, muito se tem falado, desta tribuna, com relação aos êxitos e aos óbices, ou dificuldades do Plano Real.

O fato é que, se, por um lado, o Governo teve sucesso absoluto, incontestável e reconhecido - até pelos adversários políticos - na estabilidade econômica, através do combate à inflação, por outro lado, não há como negar que estamos tendo reflexos extremamente preocupantes em relação à política monetária e cambial.

Por diversas vezes, já tive a oportunidade de denunciar estes desdobramentos maléficos. Creio até mesmo que já passou o tempo de se tomar uma medida adequada. Urge que se busque a correção.

À medida em que o tempo passa, constatamos diuturnamente o imobilismo governamental em face desses perversos desdobramentos, desdobramentos esses causados pelas taxas de juros que são das mais elevadas do mundo.

E cresce a nossa preocupação com a possibilidade de que esse crescimento exponencial da dívida pública interna leve inviabilidade à Federação.

Esse crescimento sinalizado vem sendo reiteradamente alertado a partir da equivocada política monetária do Governo. Já ouvi muitos Senadores falarem sobre o assunto, e, ainda ontem, o Senador Casildo Maldaner falou aqui dessa preocupação. Hoje, trouxe algumas constatações a mais.

Durante um quarto de século, tivemos vários fracassos no combate à inflação. Governo e povo desenvolveram mecanismos de convivência com a espiral inflacionária. No momento atual, estamos tendo, pela primeira vez, um combate sério à inflação, mas, lamentavelmente, o crescimento da dívida interna vem sufocando o setor produtivo brasileiro e solapando a competitividade das nossas exportações. 

Sr. Presidente, Srs. Senadores, o Governo Federal, Estadual e Municipal, em vez de se sentarem à mesa e buscarem uma solução real para o impasse, parecem estar desenvolvendo perigosos mecanismos de convivência, tentando uma válvula que reputo exaurida, a válvula da rolagem da dívida.

Todavia, se durante os anos recentes, o jeitinho brasileiro funcionou - ainda que precariamente, achamos a forma da correção monetária para a inflação, etc. -, as rodadas exaustivas de negociação têm tido cunho apenas paliativo, e, hoje, o modelo grita sinais de exaustão e esgotamento que, se ignorados, fatalmente irão gerar como conseqüência primeira o desequilíbrio no frágil modelo de estabilização, construído, principalmente, com o sacrifício do crescimento econômico e de seus perversos reflexos nos indicadores de qualidade de vida de amplo e majoritário conjunto da sociedade.

O Governo Federal, Sr. Presidente, Srs. Senadores, fechou abril com uma dívida de R$138 bilhões em títulos em poder do setor privado. Desse total, R$28,2 bilhões estão em títulos do Banco Central que foram emitidos e trocados por papéis estaduais antes do Plano Real, para tornar viável a rolagem das dívidas dos Governos dos Estados e Municípios.

Apenas dois meses depois, a dívida já bate às portas de R$190 bilhões, numa política cega e suicida. O Governo tem pago de juros, em média, cerca de R$2,4 bilhões/mês. Os encargos financeiros sobre os títulos públicos federais e sobre os depósitos compulsórios acumularam o fluxo expansionista de R$2,5 bilhões em maio, segundo o boletim do Banco Central, página 6.

A tendência construída a partir de informativos do próprio Banco Central é de que o passivo federal aumente perigosamente, como decorrência do programa de saneamento do sistema financeiro nacional e outros socorros, generosos socorros, a grupos localizados da economia: agricultores, prefeituras, Sistema Habitacional, etc., que introduzem o perigosíssimo componente aleatório na política monetária míope que sangra impiedosamente os cofres públicos.

Segundo dados apropriados junto às autoridades monetárias, para sustentar essa "política de ajuda", a União se utiliza da emissão de moedas e do lançamento de títulos do Tesouro, aumentando o endividamento federal. Programas de socorro podem significar emissão de títulos no valor de R$45 bilhões.

Segundo notas técnicas constantes dos boletins informativos do mercado financeiro, a dívida líquida do setor público já representa, hoje, 32,7% do PIB, ou seja, R$219,8 bilhões em março.

Vejam só, Srs. Senadores, que quando se comparam esses dados com os dos Estados Unidos ou de países da Europa, dizemos: "Nos Estados Unidos chega a 70% do PIB." Só que lá, eles têm 20 anos para pagar e aqui temos que rolar a cada 90 dias.

A dívida interna líquida tem crescido avassaladoramente (cerca de 7,7% nos últimos três meses), elevando sua incidência sobre o PIB de 26%, em dezembro de 95, para 27,3%, no final do primeiro trimestre de 96, num ritmo inteiramente incompatível com o crescimento da economia, especialmente o das receitas públicas.

Até quando será possível a manutenção dessa incompatibilidade? Os limites de saturação do modelo estão claramente definidos.

Todavia, na prática, a visibilidade dessas operações e seus efeitos no déficit do setor público tendem a ser encobertos graças a mecanismos contábeis à disposição dos especialistas. Em artigo de O Estado de S.Paulo, sob o título Aumento da dívida pode ser uma bomba invisível, verificamos que esses mecanismos estão sendo desmistificados pelos economistas que não são do Governo. Diz o artigo, que peço seja transcrito integralmente nos Anais, que:

      "O passivo federal pode piorar perigosamente, advertem economistas, com os programas de socorro sustentado pelo Tesouro Nacional e pelo Banco Central.

      (...)

      A emissão de mais papéis federais, para salvar bancos e atenuar crise financeira de Estados, de Municípios e até de categorias econômicas, tende a complicar esse quadro. No entanto, o efeito é dissolvido contabilmente. Quando se emitem títulos para ajuda financeira, normalmente se inscrevem nas contas, como contrapartida, créditos correspondentes. Os autores da nota divulgada pelo Banco de Investimentos Garantia mostram vários exemplos. Assim, as letras lançadas pelo Banco Central, para substituir no mercado títulos de Estados e Municípios, acrescentaram cerca de R$28 bilhões à dívida interna bruta do Governo. Ao mesmo tempo, a contabilidade registra um crédito igual, contra Governos de Estados e prefeituras. O efeito sobre a dívida líquida, portanto, é nulo ou quase nulo. No caso do Proer, a ajuda dos bancos resulta em emissão de moedas e, portanto, em dívida federal (a base monetária é um débito das autoridades). Mas é inscrito, simultaneamente, um crédito contra as instituições financeiras."

Então, Sr. Presidente e Srs. Senadores, esse mecanismo, contabilmente, funciona, mas, na realidade, é bom lembrarmos que em Economia e em Administração não há milagres, e não podemos continuar, indefinidamente, a fazer esse jogo que estamos fazendo com as dívidas crescendo exponencialmente.

Com o objetivo de reforçar os sinais concretos do esgotamento do modelo, optei por uma metodologia que particulariza a dívida mobiliária no contexto da dívida pública. Assim, construí um caminho crítico, apropriando a evolução das participações percentuais da dívida mobiliária na receita anual de ICMS e de transferências constitucionais no período de julho de 1994 a maio de 1996 e projeções para os meses vindouros, a partir de dados do Banco Central, contemplando um crescimento médio da relação dívida/receita no período de janeiro de 1995 a abril de 1996.

Estudamos oito casos: Bahia, Minas Gerais, Mato Grosso, Paraíba, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. Mato Grosso serve de contraponto à Paraíba.

Um quadro comparativo nos dá conta de que em julho de 1994, a Bahia estava pagando sobre o ICMS de transferências constitucionais 15% ao Governo Federal; a dívida, hoje, atinge 16%. Acontece que quando chegarmos em abril de 1997 já será de 19% e quando chegarmos em julho de 1997 teremos, em relação à Bahia, 21%. Mato Grosso, em julho de 1994, estava em 11%; ou seja, o que veio de transferência para Mato Grosso, em relação ao ICMS de transferências constitucionais; a amortização da dívida representa hoje 12%; em julho de 1995 era 16%. A Paraíba hoje está em 0,1%. São Paulo, que hoje está em 68%, chegará a 75% em seis meses.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, o que estamos querendo dizer? Para uma dívida de R$1,6 bilhões - é o caso da Paraíba -, o que arrecadamos ou, no caso do estudo, o que recebemos de transferência é insuficiente para pagar esse serviço da dívida. É preciso que se encontre, em curtíssimo prazo, um mecanismo de compensação em que se faça um casamento das contas, anule-se a maioria delas entre o que se deve e o que se tem a receber, de forma a baixar esses ativos.

Hoje, o que estamos vivendo na República é uma inteira ficção. Os Estados não têm condições de continuar girando essas dívidas, temos que encontrar uma solução para fazer a sua amortização; temos que encontrar uma solução, porque, com esse juro, as arrecadações dos Estados, como um todo - não só as transferências -, são insuficientes para pagar o serviço da dívida.

No caso da Paraíba, nós estamos arrecadando cerca de R$70 milhões e o serviço da dívida, hoje, totalizaria R$65 milhões, sobrando R$5 milhões para pagar folha e tudo o mais. 

Sabemos que a maioria dos Estados está acima dos 60% dispostos em lei. Tem Estado que gasta 92% com pessoal - a grande maioria - e verificamos que essa situação é pura e simplesmente impraticável.

Ontem, o Senador Casildo Maldaner abordava este assunto. Hoje volto a ele, porque a preocupação é muito grande. Não encontraremos saída para os Estados, que têm essas dívidas crescentes, se não fizermos um encontro das contas. É preciso que o façamos e, em seguida, que façamos a securitização das dívidas.

A economia dos Estados está em péssimas condições, e não há Estado em situação diferente. Há dois ou três que podemos dizer que não estão nessa situação calamitosa. Mas a maioria dos municípios também está na mesma situação.

Por isso, fica aqui o apelo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, para que os Estados e Municípios encontrem, junto ao Governo Federal, uma solução definitiva para essa que parece ser a sua maior cruz - das economias dos nossos Estados, dos nossos Municípios e, por que não dizer, também da União.

É preciso achar, a curto prazo, solução para esse problema, o que só percebo que poderá acontecer através de um encontro de contas. Talvez, se nos sentarmos ao redor de uma mesa e fizermos esse encontro de contas, achemos alguma solução, porque a simples rolagem da dívida é impossível e inviável.

O Sr. Ramez Tebet - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador?

O SR. NEY SUASSUNA - Com prazer, ouço V. Exª.

O Sr. Ramez Tebet - Senador Ney Suassuna, sei que V. Exª está encerrando o seu pronunciamento e concede-me o aparte por generosidade, mas eu queria aplaudi-lo mais uma vez, porque V. Exª reflete, nessa tribuna, o clamor da própria Federação, que o Senado representa. Mais uma vez, nós temos a satisfação de ouvir o seu SOS, feito em nome da Paraíba e de outros Estados, em favor da Federação brasileira. Todos nós concordamos - e é preciso que o Governo Federal se sensibilize com isso - que é necessário encontrarmos uma fórmula imediata para salvar os Estados brasileiros. Então, antes que V. Exª desça dessa tribuna, eu quero aplaudi-lo e, se V. Exª me permite, fazer do seu grito o meu também.

O SR. NEY SUASSUNA - Muito obrigado, Senador Ramez Tebet. Eu diria a V. Exª que tenho sido um tanto quanto persistente nesse assunto, mas é algo a respeito do que estão fazendo ouvido de surdo, mas que mais cedo ou mais tarde vai crucificar todos nós e vai pôr em risco o equilíbrio desta Federação.

Muito obrigado pelo apoio de V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/07/1996 - Página 13126