Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A GLOBALIZAÇÃO E A ADAPTAÇÃO DO AGRIBUSINESS NACIONAL.

Autor
Carlos Bezerra (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MT)
Nome completo: Carlos Gomes Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
AGRICULTURA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A GLOBALIZAÇÃO E A ADAPTAÇÃO DO AGRIBUSINESS NACIONAL.
Publicação
Publicação no DSF de 25/07/1996 - Página 13174
Assunto
Outros > AGRICULTURA.
Indexação
  • ANALISE, EFEITO, PROCESSO, GLOBALIZAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, NECESSIDADE, GOVERNO, EMPENHO, EFICACIA, POLITICA AGRICOLA, GARANTIA, SEGURANÇA, PRODUTOR, ADAPTAÇÃO, SETOR, RESPONSAVEL, PRODUÇÃO AGRICOLA, VIABILIDADE, AUMENTO, PRODUTIVIDADE, CONCORRENCIA, PRODUTO NACIONAL, REFORÇO, AGRICULTURA, PAIS.

O Sr. Carlos Bezerra - Senador Iris Rezende, quero parabenizá-lo por esse pronunciamento de profunda importância para o País. V. Exª tem autoridade para falar sobre esse assunto, pois foi o Ministro da Agricultura que colheu a maior safra agrícola de toda a história brasileira. Mas, infelizmente, Senador Iris Rezende, no jogo do poder a agricultura está mal posicionada. Não tem a força dos banqueiros ou das grandes empresas. Por isso, está penando. Está praticamente falida, por conta dos planos de Governo: o Plano Collor e agora o Plano Real, que atingiu a agricultura em cheio. Veio a securitização, que é um paliativo, pois não equacionou o problema de toda a agricultura. Existem os bolsões falidos, como é o caso dos arrozeiros do Rio Grande do Sul, dos produtores do Mato Grosso, que, por sinal, têm um perfil diferente dos do Sul do Brasil. Mas neste País toma-se uma medida só para todo o País, como se o País fosse igual. Não é! As regiões são diferentes. O tamanho da propriedade da nossa região é diferente do de Santa Catarina, do Paraná ou do Rio Grande do Sul. E a decisão política não acontece. E os agricultores estão sofrendo. Hoje no meu estado 80% dos produtores estão comprometidos. Não conseguem financiamento, não conseguem nada, porque não tiveram como acertar suas contas. Portanto, Senador Iris Rezende, é urgente, é extremamente importante que se encontre uma solução definitiva para o problema da agricultura brasileira. Quero parabenizar V. Exª pela oportunidade do seu pronunciamento. Todos nós devemos engajar-nos nessa luta para convencer o Governo Federal a encontrar uma solução definitiva para a agricultura brasileira. É preciso não apenas solucionar os problemas que apontei aqui. No País, deve haver uma política agrícola definitiva. O agricultor deve saber o que fazer hoje e amanhã. O agricultor não pode ficar ao sabor do vento. A cada dia, toca-se uma música diferente, e o agricultor acaba "entrando no samba", como ocorreu nos planos econômicos passados. Coloca-se a perder toda uma vida de trabalho, de sacrifício e de luta por conta de políticas econômicas fracassadas. Parabéns a V. Exª! Muito obrigado pelo aparte.

O SR. IRIS REZENDE - Ilustre Senador Carlos Bezerra, sou eu quem lhe agradece o aparte. V. Exª, como ex-Governador do Estado do Mato Grosso, ex-Prefeito da importante cidade de Rondonópolis e hoje Senador da República, vive diuturnamente o problema de milhares de produtores daquele estado, que, como os do nosso estado, sofrem as conseqüências de políticas econômicas que os arrasa selvagemente.

O impacto sobre a agricultura de cada plano econômico que se institui neste País tem sido inaceitável, trazendo conseqüências irremediáveis.

Temos em V. Exª aquele parceiro de primeira linha nesta luta, porque todos sabemos que, com a agricultura consolidada neste País, não teremos dúvida quanto ao sucesso do nosso futuro.

Também queremos dizer que a agricultura não resiste mais a essas medidas paliativas. V. Exª se referiu à securitização. A securitização não vai resolver o problema. No dia em que vencerem as prestações, o pequeno proprietário vai ficar sem a propriedade. Aí não serão mais 50 ou 100 mil sem-terras a ameaçar com a invasão de propriedades neste País. Outros tantos mil estarão engrossando essas fileiras. O que ocorre hoje no campo é que todo aquele que foi alcançado pelo plano de estabilização devendo aos bancos não tem saída, porque o preço dos seus produtos ficou estabilizado ou caiu - na quase totalidade os produtos tiveram os preços reduzidos - e a parte de suas propriedades que podia responder pelo pagamento desses débitos hoje vale 1/3 do que valia há dois anos.

Por exemplo, aquele proprietário de mil hectares de terra, que antes seria capaz de cumprir seus compromissos com a venda de duzentos hectares, hoje tem que vender a propriedade inteira, e não consegue saldar os seus débitos. Esta, a realidade que nos faz a cada momento mais preocupados.

O Sr. Totó Cavalcante - Senador Iris Rezende, V. Exª me permite um aparte?

O SR. IRIS REZENDE - Com muita honra, concedo o aparte ao Sr. Senador Totó Cavalcante.

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Suplicy) - Senador Iris Rezende, a Presidência deseja informar a V. Exª que, em que pesem a merecida atenção e a vontade dos Srs. Senadores em apartear o pronunciamento de V. Exª, dada mesmo a relevância do tema que V. Exª traz, está encerrado o tempo destinado ao discurso de V. Exª.

Assim, pediria que houvesse a oitiva apenas desses dois apartes já solicitados, que, encareço, sejam breves, em atenção, repito, à relevância do pronunciamento do Senador Iris Rezende.

O SR. IRIS REZENDE - Sr. Presidente, agradecemos a observação de V. Exª e concedemos os apartes ao Senador Totó Cavalcante e, posteriormente, ao Senador Pedro Simon, após o que prometemos concluir o nosso pronunciamento.

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Suplicy) - Devo dizer que V. Exª, na Presidência da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, é bem mais severo do que eu, na Presidência eventual dos trabalhos deste Plenário.

O SR. IRIS REZENDE - Eu, faça-se justiça, não estou insurgindo-me contra a posição de V. Exª.

Concedo, pois, o aparte ao Senador Totó Cavalcante.

O Sr. Totó Cavalcante - Com a aquiescência do ilustre Presidente da Mesa pela tolerância em relação ao tempo, quero dizer, Sr. Presidente, Senador Eduardo Suplicy, que este é um momento sério para o País. Os sem-terra de hoje talvez sejam os "com-terra" de ontem. Esse é um tema que, aliás, tanto o partido de V. Exª discute. Entendo, com a permissão de V. Exª, Senador Iris Rezende, que um dos discursos mais importantes que ouvi durante a minha temporada nesta Casa foi o de V. Exª. Assim, quero cumprimentá-lo porque o fez, primeiro, por ter suas origens plantadas no campo. Falou com propriedade também porque, como Ministro, nos tempos duros de uma transição política, quando se fazia uma Constituinte e toda a sociedade estava também em convulsão, V. Exª ensinou ao País como se produzia, possibilitando ao povo uma supersafra. Portanto, Ministro Iris Rezende, hoje Senador da República, eu gostaria de dizer a V. Exª que, neste momento em que se fala em real, se reprime um setor de produção com a desculpa de combater a inflação, no meu entender - e acredito que V. Exª também entenda assim -, não se combate inflação fechando um setor de produção, em especial, o setor agrícola deste País. Além de cumprimentá-lo, peço a V. Exª que mostre a este País a receita que, como Ministro, no conflito da transição, V. Exª deu a este País: uma supersafra.

O SR. IRIS REZENDE - Agradecemos o aparte de V. Exª, que muito nos honrou, valorizando o nosso pronunciamento nesta tarde e permitindo que ele integre o nosso discurso. Embora há pouco tempo nesta Casa, conhecemos V. Exª há muito. Desde a sua meninice, convivemos com V. Exª e sabemos que traz, na própria carne, a angústia, as apreensões e o sofrimento do homem do campo. Aqui no Senado, V. Exª é, na verdade, uma peça legítima nesse processo de defesa da agricultura em nosso País.

O Sr. Pedro Simon - V. Exª me permite um aparte?

O SR. IRIS REZENDE - Ouço V. Exª, Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon - Nobre Senador, não há dúvida de que é da maior importância o pronunciamento de V. Exª e também da maior oportunidade. Em Porto Alegre, neste final de semana, as manchetes dos jornais diziam que no Rio Grande do Sul 85% dos agricultores haviam entrado no plano de securitização já haviam recebido o dinheiro e que o total aplicado pelo Governo chegava a cinco milhões. Todo esse dinheiro, que devia ter vindo na época do plantio, é menos do que o Governo deu para o Banco Nacional, é o que o Governo deu para os agricultores, com um ano de atraso, nesse plano de securitização. V. Exª diz bem que o Brasil chegou a produzir seis milhões de toneladas de um trigo um pouco mais caro. Afirmavam que era um trigo um pouco inferior. Com o tempo, a produtividade no Paraná e em outros estados vinha aumentando permanentemente. Quanto à qualidade, não se discute e, como bem disse V. Exª, chegamos aos seis milhões de toneladas para atender ao consumo. Importávamos um milhão e oitocentos mil toneladas. Quando produzimos os seis milhões de toneladas, seria o momento da "festa", de decretarmos um feriado nacional e dizermos: agora, no próximo ano vamos ser auto-suficientes como produtores de trigo. Neste caso, é como afirmou V. Exª. Como o nosso trigo custava US$150...

O SR. IRIS REZENDE - Subsidiado...

O Sr. Pedro Simon - ...a US$150, e o trigo estrangeiro, subsidiado, entrava a US$90, boicotavam-no. O termo é este. A orientação do Governo era a de não plantar trigo. Fui debater com as autoridades para dizer-lhes que não estava entendendo e responderam-me:"É devido à globalização do mundo". Só ser formos idiotas para plantarmos trigo, cujo custo será de US$150 a tonelada, se podemos importá-lo a US$80! O Governo orientou, estimulou e boicotou quem quisesse plantar o produto. A ordem era a de não plantar trigo. E foram vitoriosos! Como diz V. Exª, de seis milhões baixamos para menos de dois milhões. E, de um milhão e oitocentos vão importar seis milhões de toneladas, como afirmou V. Exª, a US$250 a tonelada. Vão pagar US$100 por tonelada! Preferimos pagar US$100 a mais por tonelada do trigo estrangeiro a pagar o trigo nacional. Ora, meu querido Senador Iris Rezende, isso é um escândalo, é uma incompetência, uma irresponsabilidade, uma falta de previsão que não existe no mapa! Teria sido mil vezes melhor sermos auto-suficientes na produção de trigo! Tendo pago US$150, não estaríamos hoje com 8 milhões de trigo, e não teríamos importado uma tonelada. Seria muito melhor pagarmos US$150 pela nossa tonelada, enquanto o trigo lá fora custasse US$100, do que o que está acontecendo agora: estamos pagando US$250 e deixamos de pagar US$150 para o trigo nacional! O mais importante, meu querido Senador, é que isso parece a coisa mais natural. Não se vê ninguém falar, nem o Ministro, nem o Presidente da República, nem o homem do Banco do Brasil, ninguém fala coisa alguma a respeito. Essa é a política deste Governo. No Rio Grande do Sul, meu bravo, brilhante e extraordinário Ministro Iris Rezende, estão entregando ao Banco do Brasil, 9, 10, 25, 30 hectares, de famílias que trabalharam a vida inteira na terra, de famílias que têm quatro, cinco gerações de trabalho na terra.

Há poucos dias o Presidente José Sarney falava sobre a necessidade de isso ser proibido, pois o Banco do Brasil coloca em seus editais de venda lotes de seis, dez ou doze hectares. O que fez o Presidente do Senado indagar: "Pode ser vendido um hectare menor que o módulo?" Como é que o Banco do Brasil pode vender seis, dez ou doze hectares? Pois estão fazendo isso. E o que está ocorrendo não é um privilégio do Rio Grande do Sul, pois os que lá têm terra, estão perdendo-a. Os sem-terra invadem porque não têm terras. Por outro lado, o Sr. Olacyr de Moraes e outros grandes proprietários querem se desfazer da terra por não ser rentável. Seria importante que o Governo dissesse sobre sua política econômica. Por que o Sr. Olacyr de Moraes, que tem uma propriedade completa e bem moderna - V. Exª e eu estivemos lá -, de grande produtividade, em que todos os seus empregados têm casas, terrenos, e os filhos desses empregados podem estudar, quer desfazer-se daquela propriedade? Este trabalho desenvolvido por Olacyr de Moraes deveria, na minha opinião, servir de modelo a outras propriedades. E esse cidadão quer vender essa propriedade, porque, diz ele, no Brasil não dá para ter terras. Ele prefere ficar com o banco, prefere fazer uma ferrovia e qualquer outra coisa, mas não quer ficar com a terra.

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Suplicy) - Nobre Senador Pedro Simon, seu tempo está esgotado.

O Sr. Pedro Simon - Nobre Senador, cumprimento V. Exª pelo seu pronunciamento. Mas creio que está na hora de o Presidente Fernando Henrique Cardoso mostrar qual a sua política agrícola para o Brasil.

O SR. IRIS REZENDE - Senador Pedro Simon, agradeço muito a V. Exª por seu honroso aparte e peço permissão para fazer minhas as suas palavras. Ao mesmo tempo, gostaria de registrar publicamente o meu reconhecimento pelo excelente trabalho que, em apenas um ano, V. Exª conseguiu realizar no Ministério da Agricultura. V. Exª criou um estrutura da qual me vali e, dando-lhe seqüência, foi possível fazer com que a agricultura brasileira experimentasse dias realmente auspiciosos. V. Exª em apenas um ano, trazendo nos ombros os anseios do gaúcho, dos agricultores do sul, realmente deixou marcada a sua presença no Ministério da Agricultura, pelo sucesso, pela responsabilidade e pelo amor com que defendeu a causa da agricultura.

Sr. Presidente, agradecendo à generosidade da Presidência, vamos encerrar o nosso discurso, conclamando os ilustres Senadores a não se calarem até que o poder público Federal, Estadual e Municipal entenda que da agricultura depende o futuro deste País.

Estamos, na verdade, cansados de presenciar o lançamento de planos e mais planos econômicos, e, em nome do sucesso econômico desses planos, vermos impor-se à agricultura brasileira grandes sacrifícios. E nem sempre esses planos alcançam o sucesso desejado.

Esperamos que o Presidente Fernando Henrique Cardoso - um homem movido pelo ideal, pelo espírito público, pelo sentimento patriótico -, imponha à sua assessoria econômica a elaboração de uma politica de estabilização, que se consolide sem o sacrifício da agricultura, porque não adianta plano econômico consolidado e o povo, no futuro, morrendo de fome.

Assim, Sr. Presidente, esperamos que a agricultura, realmente, seja reconhecida pelas autoridades, porque pela sociedade ela já o é. Para isso, basta que as autoridades interpretem os sentimentos da sociedade urbana oriunda da zona rural, profunda conhecedora das dificuldades rurais.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/07/1996 - Página 13174