Discurso no Senado Federal

REFLEXÃO SOBRE OS CONFLITOS DE TERRA NO BRASIL.

Autor
Gilberto Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AM)
Nome completo: Gilberto Miranda Batista
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • REFLEXÃO SOBRE OS CONFLITOS DE TERRA NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 25/07/1996 - Página 13167
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • ANALISE, NECESSIDADE, COMPROMISSO, GOVERNO, EXECUÇÃO, ASSENTAMENTO RURAL, DURAÇÃO, MANDATO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, VINCULAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, FINANCIAMENTO, INFRAESTRUTURA, FAMILIA, TRABALHADOR RURAL, FIXAÇÃO, GARANTIA, CUMPRIMENTO, NORMAS, IMPLANTAÇÃO, REFORMA AGRARIA, PREVENÇÃO, OCORRENCIA, CONFLITO, VIOLENCIA, INVASÃO, TERRAS, PAIS.

O SR. GILBERTO MIRANDA (PMDB-AM) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há poucas semanas, o Presidente da República decidiu tratar os conflitos de Terra, cada vez mais freqüentes e violentos em diversos pontos do País, como assunto de Segurança Nacional. Essencialmente, foi essa a resolução tomada após longa reunião interministerial da Câmara Executiva de Defesa Nacional e Política Externa, à qual os meios de comunicação deram amplo e merecido destaque.

Indubitavelmente, a escalada das invasões de fazendas, as reações dos donos de terras e as intervenções tragicamente desastradas das forças de segurança pública, compõem um quadro explosivo que compromete a paz social, pressuposto basilar da governabilidade democrática.

Neste contexto, podemos nos congratular com o fato de que o Congresso Nacional vem cumprindo seu papel de caixa de ressonância das inquietudes da sociedade com problema de tamanha gravidade e de fórum democrático para a manifestação das correntes de opinião e de interesse em confronto, bem como de canal para o encaminhamento de alternativas não-violentas de solução para esses conflitos. Minha opinião, porém, é de que precisamos-parlamentares e autoridades do Executivo-avançar mais, aprofundar o debate e fortalecer as capacidades de formulação e implementação de providências realmente eficazes a fim de desarmar os espíritos, arrefecer as paixões e caminhar para um cenário que combine os imperativos da justiça social e da eficiência econômica, no marco de uma agricultura moderna e produtiva. A meu ver esse desiderato só poderá ser cumprido dentro de um quadro jurídico de regras estáveis, com respeito à propriedade privada sem prejuízo do reconhecimento da função social da mesma, conforme rezam nossas tradições jurídicas, realçadas pela influência da doutrina social cristã.

O PMDB, que foi o grande ator histórico responsável pela transição pacífica do autoritarismo à democracia, tem uma missão importantíssima e indelegável nesse sentido. Nós, peemedebistas, não podemos, não devemos, nem iremos permitir que radicalismos de parte à parte venham a arranhar o arcabouço de instituições representativas, liberdades civis e direitos políticos e sociais tão duramente conquistados.

A meu ver, não basta declarar que, doravante, os conflitos de terra serão tratados como assunto de Segurança Nacional. Como dizem os cientistas sociais, é preciso "operacionalizar esse conceito". trocá-lo em miúdos, enfim, dar-lhe dimensão, conteúdo e enfoque práticos. Nunca mais devem as considerações de Segurança Nacional servir de pretexto ao imobilismo, ao facciosismo, à retroalimentação do ciclo vicioso da violência.

Pretendo, nos minutos que me restam, oferecer elementos para um roteiro de reflexão sobre o problema da terra, com vistas a uma superação do impasse atual. Trata-se, é claro, de um quadro de referência aberto às críticas, sugestões e apartes enriqucedores dos nobres colegas.

O paradigma aqui proposto baseia-se no tripé "metas"/ "recursos" / "regras do jogo".

Em primeiro lugar, deve o governo assumir um compromisso claro com as metas de assentamento a serem preenchidas até o final do atual mandato presidencial.

Em segundo lugar, é preciso vincular a essas metas os quantitativos de recursos públicos destinados a financiar a infra-estrutura econômica e social, sem o que as famílias assentadas não serão capazes de adquirir autonomia produtiva. Essas deficiências de recursos desde sempre serviram de pretexto à atuação nociva dos "sem-terra profissionais", que, desprovidos de qualquer amor à gleba conquistada e movidos unicamente pela compulsão de manipular lavradores inocentes com isso auferindo dividendos político-ideológicos, zanzam de acampamento em acampamento para disseminar a agitação e ainda embolsam lucros escusos com o repasse sucessivos de vários lotes.

Permitam-me os nobres colegas lembrar, parenteticamente, que há pouco encaminhei requerimento de informações ao Senhor Ministro Extraordinário da Reforma Agrária, Dr. RAUL JUNGMANN, A FIM DE conhecer a "taxa de rotatividade" média dos assentamentos instalados no País nos últimos 10 anos, para fins de reforma agrária. Minha pergunta é: das famílias camponesas assentadas quantas permaneceram nas glebas distribuídas pelo Incra e quantas abandonaram no referido período?

Ainda a esse respeito, no último dia 30, o deputado ROBERTO CAMPOS (PPB/RJ), em artigo publicado na Folha de S. Paulo e n´/O Globo, deu um testemunho precioso, ainda que melancólico, de sua experiência com principal formulador do Estatuto da Terra do governo CASTELLO BRANCO, ao qual serviu como ministro do Planejamento. Vale citá-lo textualmente:

"A idéia era eventualmente "terceirizar" a colonização, recrutando-se a cooperação de colonizadores experientes, para gerirem a abertura de terras devolutas cedidas pelo governo. As reformas agrárias bem-sucedidas (sem essa designação) foram as feitas pela Brazil Land, no Norte do Paraná, e a ocupação do Nortão mato-grossense, por pioneiros como Ênio Pepino e Ariosto da Riva. Esses conheciam à distância o verdadeiro agricultor.

"- Só vendo lotes a quem tem cheiro de terra - dizia Ariosto da Riva", lembra Campos.

Como o próprio deputado reconheceu, o grande objetivo estratégico do estatuto, que era criar uma forte, diligente e próspera classe média rural brasileira, acabou frustrado por uma perversa constelação formada pela insensibilidade dos líderes militares que sucederam a CASTELLO BRANCO, o imobilismo da oligarquia e radicalização ideológica de esquerda. Nossa geração, bem como as dos nossos filhos e netos não nos perdoarão se fracassarmos mais uma vez...

Em terceiro lugar, Sr. Presidente, cumpre ao governo fixar claramente as "regras do jogo", zelando pelo escrupuloso cumprimento das mesmas. Essas regras sinalizarão o comportamento a ser adotado diante das invasões de terra, com a finalidade de prevenir e esvaziar seu potencial de conflito e violência. Primeiramente, é preciso fechar questão em torno do compromisso de não dividir a terra invadida. O componente didático dessa medida não pode ser subestimado já que a firmeza de propósito do governo, acabará persuadindo os líderes do movimento dos sem-terra a abandonar sua política de fatos consumados. Está mais que na hora de corrigir um erro estratégico de comunicação da política de reforma agrária de sucessivos governos, que, ao anunciarem prioridade da distribuição de terras em áreas de conflito, fomentaram involuntariamente aquilo que o filósofo ALFRED WHITEHEAD e o sociólogo ROBERT MERTON denominaram de " profecia que se cumpre a si mesma". Essa prioridade estimulou a proliferação de invasões onde anteriormente inexistia qualquer conflito.

Regras de fiscalização igualmente claras e rigorosas devem ser estabelecida para coibir os repasses e revendas de lotes. Indivíduos e famílias que, beneficiados pela reforma agrária, incorrerem nessas irregularidades deverão ser excluídos de quaisquer futuras distribuições. Mecanismos complementares para evitar alienações indevidas poderão incluir o regime de concessão de uso para os 10 primeiros anos de assentamentos (conversíveis em propriedade plena ao final desse período de ininterrupta ocupação e utilização produtiva do solo) e também a concessão preferencial da titularidade dos lotes a mulheres casadas. É sabido que nos casos de dissolução do matrimônio cabe a elas invariavelmente o encargo de continuar cuidando dos filhos.

Outra providência concernente às regras do jogo consistiria em facilitar o intercâmbio de informações e de treinamento entre o Exército, a Polícia Federal e as PM´s estaduais para a formulação e implementação de estratégias e públicas de vigilância e de intervenção que reduzissem o eventual emprego da violência ao mínimo necessário, exorcizando a ameaça de uma escalada incontrolável aos extremos.

Tempos atrás, tive a oportunidade de testemunhar como as forças de segurança da Alemanha lidam com distúrbios de massa. Por ocasião de um jogo entre as seleções inglesa e alemã em Frankfurt, a cidade foi tomada por uma onda dos temíveis hooligans, o que levou ao pânico a imprensa e a opinião pública alemãs, conhecedoras da longa folha corrida de badernas, violências e atentados à propriedade pública e privada promovidos pelos desordeiros ingleses em diversos países da Europa.

O que fizeram os policiais? Formaram uma linha de retaguarda que se deslocava a uma distância discreta acompanhando os baderneiros em sua ruidosa e caótica passeata pelo centro de Frankfurt. Toda vez que um hooligan quebrava uma vitrine danificava um telefone público ou assediava um passante, era imediatamente detido e retirado de circulação. Ou seja: não se praticava uma repressão violenta e indiscriminada. A ação policial era focada exclusivamente em quem promovia uma ofensa efetiva à ordem. Em pouco tempo, essa intervenção eficiente, "econômica" e "limpa" dissuadiu os demais manifestantes.

Parece difícil, quase impossível, mas estou seguro de que policiais brasileiros convenientemente treinados também serão capazes de atingir esse elevado nível de desempenho tático, desde que comandados por oficiais sérios, competentes e maduros e de que a operação se apóie em suficientes elementos de convicção a cargo dos serviços de inteligência e informações. O uso oportuno desses elementos permitirão inclusive antecipar eclosão de tais choques, prevenindo muitos conflitos.

Segundo a FAO e outros organismos internacionais, o Brasil é o país que detém a maior extensão de terras cultiváveis no mundo inteiro. Nossa vocação é a de prover alimentos de boa qualidade a preços acessíveis ao conjunto dos brasileiros e ainda servir de celeiro para o planeta.

Não podemos permitir que essa brilhante perspectiva seja frustrada pela falta de planejamento, pela paralisia decisória e pela falta de idéias para o efetivo combate à violência inspirada no radicalismo de uns e no reacionarismo de outros. Só a superação dessa dialética sangrenta permitirá que os campos do Brasil produzam a vida, e não a morte.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/07/1996 - Página 13167