Discurso no Senado Federal

III GRITO DA TERRA BRASIL, EVENTO PROMOVIDO PELA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA - CONTAG, CENTRAL UNICA DOS TRABALHADORES - CUT, FEDERAÇÕES ESTADUAIS DE TRABALHADORES NA AGRICULTURA - FETAGS, E SINDICATOS DOS TRABALHADORES RURAIS, EXIGINDO UMA REDEFINIÇÃO POLITICA PARA O DESENVOLVIMENTO DO MEIO RURAL.

Autor
Esperidião Amin (PPB - Partido Progressista Brasileiro/SC)
Nome completo: Esperidião Amin Helou Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • III GRITO DA TERRA BRASIL, EVENTO PROMOVIDO PELA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA - CONTAG, CENTRAL UNICA DOS TRABALHADORES - CUT, FEDERAÇÕES ESTADUAIS DE TRABALHADORES NA AGRICULTURA - FETAGS, E SINDICATOS DOS TRABALHADORES RURAIS, EXIGINDO UMA REDEFINIÇÃO POLITICA PARA O DESENVOLVIMENTO DO MEIO RURAL.
Publicação
Publicação no DSF de 24/07/1996 - Página 13099
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • REGISTRO, ENCONTRO, TRABALHADOR RURAL, SOLICITAÇÃO, GOVERNO, POLITICA DE DESENVOLVIMENTO, ZONA RURAL, ESPECIFICAÇÃO, VALORIZAÇÃO, AGRICULTURA, FAMILIA, REFORMA AGRARIA, EMPREGO.
  • ANALISE, RELEVANCIA, REIVINDICAÇÃO, EFEITO, MELHORIA, ABASTECIMENTO, PAIS, REDUÇÃO, EXODO RURAL, DESEMPREGO, VIOLENCIA, CAMPO.
  • NECESSIDADE, INCENTIVO, CREDITO AGRICOLA, ASSISTENCIA TECNICA, MODERNIZAÇÃO, TECNOLOGIA, DISTRIBUIÇÃO, TERRAS, MELHORIA, FISCALIZAÇÃO, OBRIGATORIEDADE, DIREITOS E GARANTIAS TRABALHISTAS, ZONA RURAL.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), APOIO, PEQUENO PRODUTOR RURAL.

O SR. ESPERIDIÃO AMIN (PPB-SC) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, durante todo o mês de maio passado, desenvolveu-se o III Grito da Terra Brasil, um evento promovido pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG, Central Única dos Trabalhadores - CUT, Federações Estaduais de Trabalhadores na Agricultura - FETAGs e Sindicatos de Trabalhadores Rurais.

Esse Grito "é uma manifestação nacional dos agricultores, familiares e assalariados rurais pela definição de políticas públicas que possibilitem o desenvolvimento do meio rural, assegurando condições dignas de vida e de trabalho à população do campo, com justiça social e democracia econômica".

Neste ano, as entidades promotoras do evento se empenharam na mobilização do País em torno de três temas: a valorização da agricultura familiar, a reforma agrária e o emprego.

A centralização dos debates e das reivindicações sobre esses temas foi, a meu ver, uma iniciativa muito oportuna e importante para o momento atual do Brasil, pois dar soluções a esses problemas significará resolver uma série de pendências que retardam o desenvolvimento da nossa agricultura e que são causadoras de inúmeros conflitos que acontecem no campo.

Reivindicar uma atenção especial das nossas autoridades para a agricultura familiar é o mesmo que lutar para a melhoria do abastecimento interno do País, pois essa modalidade de exploração da terra diretamente pelo agricultor ou por sua família, apesar de ocupar uma área quase três vezes menor do que a ocupada pela agricultura patronal, produz uma quantidade de alimentos equivalente à dessa, o que serve para demonstrar o grau de eficiência que caracteriza a agricultura familiar em nosso País. Enquanto a agricultura familiar abrange uma área de cinqüenta e oito milhões de hectares, a agricultura patronal se espalha por cento e cinqüenta milhões. Além disso, as pessoas que se enquadram nessa modalidade possuem poucas terras, têm dificuldades de capacitação de recursos humanos, não dispõem de recursos próprios para investimentos e, na prática, estão ainda alijadas das políticas de crédito agrícola.

Mesmo assim, a agricultura familiar agrega uma população economicamente ativa de quatorze milhões de pessoas - cerca de oitenta por cento da mão-de-obra rural brasileira - e é a grande responsável pelo abastecimento interno de carne suína e de aves, leite, ovos, batata, trigo, cacau, banana, café, milho, feijão, algodão, tomate, mandioca e laranja. A agricultura patronal se concentra preponderantemente na produção de carne bovina, cana-de-açúcar, arroz e soja.

De acordo com dados da FAO/INCRA, cerca de cinqüenta por cento dos agricultores familiares são agricultores periféricos, minifundistas que vendem sua força de trabalho e que só produzem para a sua subsistência, fazendo da propriedade apenas um lugar de moradia.

Esses dados todos já são de per si argumentos sólidos a justificarem uma atenção especial à agricultura familiar, para que ela possa se tornar mais eficiente, mais produtiva e mais lucrativa. É chegada a hora de o Governo olhar com outros olhos para esse setor produtivo, com linhas especiais de crédito e com o fornecimento de assistência técnica para que se modernizem as velhas técnicas produtivas ainda tão arraigadas em nosso interior.

Normalmente, os planos de safra anunciados pelo governo destinam a maior fatia dos recursos à agricultura patronal ou a agricultores bem consolidados, ficando os pequenos e médios agricultores com as sobras. Não se leva em conta que esse setor é mais carente de recursos e, entre esses agricultores, a adimplência é muito maior, havendo, pois, menos riscos na concessão dos empréstimos.

Felizmente, essa situação já tende a melhorar. No finalzinho do mês passado, o Governo, ao anunciar o plano de safra 96/97, destinou um bilhão de reais para o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF, com juros de nove por cento ao ano. Se comparados aos recursos destinados a esse setor no ano passado, o acréscimo já foi muito significativo, pois houve um salto de duzentos e cinqüenta milhões para um bilhão.

Essa decisão do Governo serve para mostrar que o Grito da Terra Brasil estava no caminho certo e já surtiu efeito, mesmo considerando que a reivindicação dos agricultores era de dois bilhões de reais.

O segundo item da pauta de reivindicações - a reforma agrária - é igualmente importante para fortalecer a agricultura familiar, para aumentar a produção de alimentos no País e, acima de tudo, para acabar com a violência no campo, essa mancha que tanto envergonha o Brasil. Para alcançar isso, só mesmo uma reforma agrária bem estruturada, que se preocupe em favorecer o acesso à terra e em fornecer aos agricultores condições de serem produtivos e eficientes.

Segundo avaliação da CONTAG, terra para essa reforma não é o problema. Existem no Brasil cerca de cento e sessenta e seis milhões de hectares de terras agricultáveis, totalmente improdutivos. Para dar quarenta hectares a cada uma das duzentas e oitenta mil famílias que o atual Governo pretende assentar até 1998, seriam necessários tão somente onze milhões e duzentos mil hectares, menos de sete por cento do total das terras improdutivas. Se ao menos isso fosse feito, o passo em direção à pacificação do campo já seria enorme.

Já foi tantas vezes repetida aqui nesta tribuna e por esse imenso Brasil afora uma verdade da qual todas as pessoas de bom senso já se convenceram, mas que o Governo teima em não aceitar: é mais barato investir para que os agricultores fiquem no campo do que, depois, resolver os problemas sociais que eles criam, quando se mudam para as cidades.

É melhor que o Brasil tome logo providências nesse sentido do que, mais tarde, ter de pagar para que os agricultores voltem para o campo, ou, como já ocorre em países europeus, criar um sem-número de vantagens para que continuem vivendo lá; em outras palavras, pagar para que não se mudem para as cidades.

A CONTAG apresenta duas sugestões perfeitamente aplicáveis para se contornar o problema da falta de terras para a execução dos projetos de reforma agrária: a primeira é a desapropriação das terras de agricultores inadimplentes ou que foram hipotecadas pelo Banco do Brasil ou outros bancos oficiais para garantia de dívidas já vencidas ou em que se comprovou a prática do trabalho escravo. A outra é a expropriação dos imóveis rurais em que foi constatado o cultivo de plantas psicotrópicas, conforme está previsto na própria Constituição Federal. Adotando essas medidas, a titulação das terras se poderá dar em tempo muito mais reduzido e a implantação dos projetos será sensivelmente acelerada.

Não basta, porém, só distribuir terras. O III Grito da Terra Brasil reivindica também que se assegurem aos assentados condições de se desenvolverem, de se tornarem autônomos e que possam ter acesso permanente à assistência técnica e a tecnologias adequadas à agricultura familiar, pois é assim que a reforma agrária se consolida.

O terceiro item desse evento diz respeito ao emprego e às relações trabalhistas na área rural. Nesse assunto, o trabalhador rural está em nítida desvantagem. Enquanto nas cidades a maioria da população economicamente ativa - vinte e nove e meio por cento - recebe de dois a cinco salários mínimos, no campo, quarenta vírgula quatro por cento dos trabalhadores recebem de meio a dois salários mínimos e doze vírgula quatro por cento recebem menos de meio salário. Complementado esses dados, o IBGE constatou que setenta e sete por cento dos trabalhadores rurais não têm carteira assinada, o que subtrai deles o direito a férias, ao décimo terceiro salário, ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, aos benefícios da previdência social, especialmente à aposentadoria. Para agravar ainda mais esse quadro, uma nova prática vem tomando conta do meio rural: ao invés de admitir oficialmente os seus trabalhadores, os fazendeiros contratam cooperativas de mão-de-obra. Na maioria das vezes, porém, essas cooperativas são fantasmas e não têm qualquer vínculo empregatício com os trabalhadores, o que faz com que todos os direitos trabalhistas sejam a esses negados.

Esses abusos poderiam ser coibidos se houvesse uma eficiente fiscalização do trabalho ou da previdência. Justamente aí reside uma outra deficiência séria e grave do nosso País: não existe fiscalização. De acordo com dados da Associação Nacional dos Fiscais de Contribuições Previdenciárias - ANFIP, em 74, existiam no Brasil sete mil fiscais para quinhentas mil empresas cadastradas. Hoje o número de fiscais reduziu-se para três mil e novecentos e o de empresas cresceu para três milhões e meio. Nesse panorama, qualquer esforço fiscalizatório se torna totalmente infrutífero. E é por isso que é tão comum no campo a contratação de trabalhadores sem carteira, o pagamento de salário abaixo do mínimo, e práticas totalmente impensáveis no mundo moderno, como o trabalho escravo e o trabalho de crianças e adolescentes.

Por isso, a par de políticas que incentivem a criação de novos empregos, é necessário que se estendam aos agricultores os benefícios sociais do trabalho e se adotem práticas que os tirem da clandestinidade, como incentivo à assinatura da carteira de trabalho, ao pagamento do salário mínimo, fim do trabalho escravo e da utilização de crianças e adolescentes em trabalhos pesados. Isso, porém, não será conseguido sem uma fiscalização presente e eficiente, disposta a coibir os abusos e a fazer cumprir a Lei.

Por outro lado, para se incrementar e estimular a produção pelos pequenos produtores ou organizações familiares, é necessário que se lhes dê orientação e meios (recursos financeiros e tecnológicos), a fim de que possam exercer dignamente suas atividades, obtendo como resultado o recebimento de um valor justo pelo que produziram.

O Estado de Santa Catarina tem sido um bom exemplo do muito que pode ser conseguido com a união dos pequenos: cooperativas, condomínios suinícolas, armazéns comunitários, pequenas associações para o uso em comum de equipamentos agrícolas, associação de pequenos comerciantes para a aquisição de mercadorias.

Posso dizer, sem falsa modéstia, que, no meu período de governo, contribuí para consolidar a imagem de Santa Catarina como um Estado desenvolvido em termos de produção agrícola e que tem como uma das características mais saudáveis a ausência de latifúndios, constituindo-se em exemplo de como pode ser racional a ocupação do campo, possibilitando um grande salto na produção e elevando o Estado, de extensão relativamente diminuta, à posição de quinto produtor nacional de alimentos. Para mim é motivo de orgulho afirmar que, de quase um milhão de trabalhadores no meio rural de Santa Catarina, perto de oitocentos mil produzem comida em parcelas com menos de cinqüenta hectares.

O Estado pode ser, ainda, considerado um modelo da gestão dos interesses rurais, com o Fundo de Terras do Estado de Santa Catarina, gerido por um comitê estadual e comitês municipais, que participam da aprovação da proposta orçamentária e do plano de aplicação anual dos recursos. São representantes dos setores envolvidos, tanto de governo como da sociedade, decidindo sobre as medidas de interesse social e de desenvolvimento do Estado.

Não pretendo alongar-me demasiadamente, mas considero importante ressaltar que as ações de governo em Santa Catarina visando ao apoio aos pequenos proprietários de terras abrangem, ainda, programa de armazenamento, acesso a insumos básicos, regularização fundiária, o mecanismo do "troca-troca" - que corresponde ao pagamento em produtos de recursos tomados como empréstimos -, estímulo à diversificação da produção, e a disponibilização das patrulhas mecânicas, mantidas pelo poder público, que, mediante o simbólico pagamento do combustível, executam serviços de manutenção e melhoria das condições locais e de escoamento da produção.

Portanto, Sr. Presidente, quero reafirmar que existem múltiplas e amplas possibilidades de evitar a migração do campo para a cidade, sendo que algumas ações, de fácil execução, se revelariam muito mais econômicas do que, depois, solucionar os problemas surgidos com o inchaço das grandes cidades, o que demanda maciços investimentos em educação, saúde, moradia, saneamento e segurança, para dizer o mínimo.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/07/1996 - Página 13099