Discurso no Senado Federal

RELAÇÃO ENTRE A QUEDA DO MINISTRO DAS FINANÇAS DA ARGENTINA, SR. DOMINGOS CAVALLO, E A REALIDADE ATUAL DA ECONOMIA BRASILEIRA. PREOCUPAÇÃO DA FIESP COM A QUEDA DE 7,7% NA ATIVIDADE INDUSTRIAL NO ESTADO DE SÃO PAULO, NO MES DE JULHO. ALERTA AO GOVERNO PARA QUE ESTEJA ATENTO A FORMAS DE COMPATIBILIZAR A ESTABILIDADE DA MOEDA COM O CRESCIMENTO DA ECONOMIA, DO EMPREGO E DA DISTRIBUIÇÃO DE RENDA.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • RELAÇÃO ENTRE A QUEDA DO MINISTRO DAS FINANÇAS DA ARGENTINA, SR. DOMINGOS CAVALLO, E A REALIDADE ATUAL DA ECONOMIA BRASILEIRA. PREOCUPAÇÃO DA FIESP COM A QUEDA DE 7,7% NA ATIVIDADE INDUSTRIAL NO ESTADO DE SÃO PAULO, NO MES DE JULHO. ALERTA AO GOVERNO PARA QUE ESTEJA ATENTO A FORMAS DE COMPATIBILIZAR A ESTABILIDADE DA MOEDA COM O CRESCIMENTO DA ECONOMIA, DO EMPREGO E DA DISTRIBUIÇÃO DE RENDA.
Aparteantes
Bernardo Cabral.
Publicação
Publicação no DSF de 02/08/1996 - Página 13450
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, SAIDA, MINISTRO DE ESTADO, ECONOMIA, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, ANALISE, PERDA, POPULAÇÃO, ESFORÇO, ESTABILIZAÇÃO, MOEDA, ESPECIFICAÇÃO, BRASIL, ADVERTENCIA, NECESSIDADE, RETOMADA, CRESCIMENTO ECONOMICO, NIVEL, EMPREGO, MELHORIA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, quero analisar dois fatos que se relacionam. O primeiro refere-se à queda do Ministro Domingo Cavallo, da Argentina, ocorrida na sexta-feira passada - na verdade, no final de semana, porque o governo preferiu anunciar isso como algo que deveria ter, pelo menos, o final de semana para a reflexão de todos.

Há outra informação de grande importância, que se relaciona à primeira - explicarei a razão.

Segundo a Fiesp informou ontem, a produção da indústria, da atividade industrial no Estado de São Paulo, descontados os fatores sazonais, teve uma queda de 7,7% em junho, frente a maio.

Sr. Presidente, tenho aqui, em mãos, artigo de jornal que mostra essa evolução de crescimento da atividade industrial, recuperando-se, de setembro de 1995 em diante, até chegar a um pico, em março, e, a partir daí, em março, abril, maio, junho, continuamente declinando. Obviamente, este é um resultado que preocupa.

Diz o diretor do Departamento de Economia da FIESP, Boris Tabacof, ao comentar os números:

      Mas, julho deve ser melhor. Mantemos as previsões de um segundo semestre estável com algumas possibilidades de melhoria...

O fato é que as vendas reais mostraram comportamento de queda de 6,8% em junho, frente a maio.

      Até os bens de consumo duráveis, principalmente automóveis e eletroeletrônicos, que vinham puxando para cima os resultados da indústria paulista, tiveram retração nas vendas em junho.

      "Os efeitos do aumento da oferta de crédito para consumo já começam a se esgotar. E, com o desemprego, a massa salarial cai (7,6% em junho na comparação com o mesmo mês em 95)."

Sr. Presidente, por que isto se relaciona com a queda do Ministro das Finanças da Argentina, Sr. Domingo Cavallo? Houve, nas ruas de Buenos Aires, até comemorações pela queda de Domingo Cavallo. Por que razão? Em Buenos Aires, a taxa de desemprego estava em 18% da população economicamente ativa. Na Argentina como um todo, era superior a 17%.

Que advertência deve ser essa situação para o Governo brasileiro? Que sinal é este? Ainda hoje, o economista Paulo Nogueira Batista Júnior, na Folha de S. Paulo, diz que:

      "A queda de Cavallo mostra que um grande sucesso no combate à inflação não constitui garantia de sustentabilidade política no médio prazo, mesmo num país traumatizado pela hiperinflação como a Argentina.

      Com o passar do tempo, o trunfo político proporcionado pela estabilização da moeda sofre um desgaste natural.

      .................................................

      Se a economia entra em recessão e aumentam as taxas de desemprego e as desigualdades sociais, o quadro político tende a se modificar.

      O fim da era Cavallo deveria ter repercussões importantes no debate sobre as prioridades da política econômica no Brasil e em outros países da América Latina.

Também o economista e o Deputado Federal Antonio Delfim Netto ressaltou, em artigo publicado na Folha ontem, que:

      A dispensa de Domingo Cavallo do cargo de ministro da Economia argentina depois de 66 meses de árduo e perseverante trabalho não deve, em princípio, representar uma modificação da política daquele país. Ele foi substituído por um outro excelente profissional, o economista Roque Fernandez.

      Do ponto de vista pessoal é de se lamentar o que ocorreu com o ex-ministro Cavallo, um homem competente, imaginoso, voluntarioso e, acima de tudo, com a coragem própria dos que se consideram portadores da verdade. Talvez seja possível criticá-lo pelo caminho escolhido para a estabilização: uma interessante variante do "currency board", com duas moedas (dólar e peso), livremente conversíveis e competindo entre si.

      Seus críticos dizem que ele levou a Argentina de volta ao século 19, com uma espécie de "padrão dólar". É possível, mas não se pode esquecer que ele modernizou a Argentina, privatizou tudo e quase impôs um controle definitivo sobre os bancos provinciais, que lá como aqui continuam a permitir um "orçamento frouxo" para os Estados.

      A crítica, ainda quando tenha alguma procedência, deixa de lado o fato de que a Argentina havia atingido um grau de desorganização e um nível de populismo que talvez não lhe deixasse outra alternativa.

      O problema é que esse mecanismo produz o equilíbrio pela flutuação do nível de emprego. Com a relativa inflexibilidade do nível de preços (dos salários nominais), todo o ajuste é produzido pelas variações da produção e do emprego.

      Não é por outro motivo que depois de quatro anos de absoluto sucesso do "currency board" a correção do desequilíbrio produzido pela quebra do México exigiu uma queda do PIB de 4,4% em 1995 e provavelmente uma nova queda em 1996, levando o desemprego na região de Buenos Aires a mais de 18%.

      Há um visível cansaço da população com os sacrifícios crescentes impostos para alcançar o equilíbrio orçamentário. Ainda agora, o próprio Cavallo anunciou que o déficit fiscal no primeiro semestre de 1996 foi de US$2,5 bilhões, mais de US$1 bilhão acima do estabelecido pelo FMI.

      Para minorar o problema (a missão do Fundo chegará em agosto), ele propôs uma nova redução dos gastos com saúde, a eliminação de todas as isenções fiscais do equivalente ao nosso ICMS, a eliminação do abono-família e a exclusão dos tickets-refeição dos benefícios fiscais, com pesadas repercussões sobre a empobrecida classe média.

      A "verdade econômica" do ministro parece ter encontrado o limite da "verdade política", por mais desagradável que isso possa parecer.

      Essa é a segunda ocorrência, em menos de quatros semanas, na mesma direção. Não foi por motivo muito diferente que Roberto Zahler se demitiu da Presidência do Banco Central do Chile.

      Por outro lado, as pressões sobre o Federal Reserve para aumentar a taxa de juros crescem. Se isso acontecer, acabará produzindo uma substancial redução da riqueza dos aplicadores, com possíveis efeitos sobre os seus portfólios. É preciso, portanto, prestar atenção ao que diz o Sr. Francisco Gros, pois estamos desconfortavelmente perto de eventos que podem desorganizar nossos mercados.

Ressalto algumas das palavras de Paulo Nogueira Batista Jr. agora. Ele abre o seu artigo retomando a lembrança de Nelson Rodrigues:

      Como é antigo o passado recente, costumava dizer Nelson Rodrigues. Não faz nem dois anos que o ministro Cavallo era uma das figuras mais populares na Argentina, festejado "urbi et orbi" como salvador da pátria e recomendado como exemplo para o Brasil e outros países nos meios financeiros.

      No debate econômico tupiniquim, Cavallo era referência obrigatória, geralmente positiva, às vezes entusiástica.

      Não eram poucos os especialistas nacionais e internacionais que recomendavam ao Brasil uma reforma monetária no estilo da que ele aplicara na Argentina em 1991, com grande sucesso inicial.

      Hoje, essa popularidade e esse sucesso parecem tão obsoletos e remotos quanto o espartilho, o fraque ou a primeira apresentação de "O Guarani". Cavallo saiu do cargo em meio a comemorações ruidosas na Argentina. Não se lhe concedeu sequer a possibilidade de pedir demissão. Foi sumária e ostensivamente demitido.

      A gestão de Cavallo teve dois períodos fortemente contrastantes. Até a crise mexicana, em fins de 94, a Argentina registrou contínua redução da inflação e taxas elevadas de crescimento.

      Acumulou, entretanto, grande vulnerabilidade financeira externa, em função da forte valorização cambial e da extraordinária rigidez do esquema implantado pela lei de conversibilidade de 91.

      Essa rigidez é maior do que geralmente se pensa aqui no Brasil. Não envolve apenas fixação da taxa de câmbio com o dólar, conversibilidade plena e a subordinação de emissão às reservas internacionais.

      Cavallo foi ainda mais longe: criou um sistema bimonetário na Argentina, dando pleno respaldo legal ao processo de dolarização que resultara da longa crise inflacionária.

      Essas decisões tiveram implicações dramáticas. Representaram, na verdade, uma tremenda abdicação de soberania monetária e cambial.

      Como explicou o próprio Cavallo, em trabalho publicado em 1995 pelo Banco Mundial, "a Argentina não tem propriamente uma taxa de cambio. Ela tem apenas uma taxa contábil que permite uma fácil conversão entre pesos e dólares."

      Quando sobreveio o choque mexicano - assim como analisou Delfim Netto, Paulo Nogueira diz -, começou o período de vacas magras. A economia entrou em forte recessão, da qual ainda não se recuperou. As taxas de desemprego subiram violentamente e estão entre as mais altas do mundo.

      Amarrado à camisa-de-força que ele próprio criou, Cavallo lutava em condições adversas contra a deterioração do quadro econômico e social. O seu desgaste político era crescente.

      O lance fatal parece ter sido a derrota fragorosa do governo na recente eleição para a prefeitura de Buenos Aires. Em pouco tempo, Cavallo passara do lado do ativo para o do passivo no balanço político de Menem.

      Aqui no Brasil vivemos, naturalmente, em outro mundo. As reações à queda de Cavallo oscilaram entre elogios desmedidos ao ex-ministro e uma preocupação estreita com os efeitos financeiros imediatos para a economia brasileira.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero ressaltar aqui por que a queda de Cavallo tem muito a ver conosco. A toda hora, o próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso e o Ministro Pedro Malan têm feito questão do entrosamento com o Ministro das Finanças e com o Presidente da Argentina, como se as duas economias seguissem passo a passo numa direção em que guardam relação uma com a outra nas próprias diretrizes.

Eis que a nossa economia começa a apresentar sinais agravantes de recessão, taxas de desemprego crescentes.

Para que a minha fala seja equilibrada, faço o registro de um estudo divulgado hoje no boletim conjuntural do IPEA. Nele, há uma informação retomada do investimento, afirmando que o aumento desse índice foi proporcionado pela construção civil e pela importação de máquinas - mas a taxa ainda é inferior ao nível dos anos 70.

Portanto, ressalto que nem tudo é negativo do ponto de vista de uma deterioração dos sinais econômicos, mas há uma advertência. O Governo precisa se dar conta de que desmoronará rapidamente aquilo que a população reconheceu como importante no Governo Fernando Henrique: a diminuição da taxa de inflação. E será preciso que seja diminuída ainda mais se não houver, ao mesmo tempo, a preocupação em ativar a economia, aumentando as oportunidades de emprego, como também a melhoria da distribuição de renda. Pode-se, então, "cair do cavalo" com mais rapidez do que se pensa, Sr. Presidente.

O Sr. Bernardo Cabral - V. Exª me permite um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Bernardo Cabral - Eminente Senador Eduardo Suplicy, a minha formação é jurídica, não é de economista, mas, ontem, sentimos que foi estabelecido um pânico entre os operadores do mercado financeiro do Brasil. E a que se deveu esse pânico? Apenas a um boato, a um rumor que correu no País, de que tinha terminado a paridade entre o dólar e o peso na Argentina. Apesar de estarmos um tanto distanciados, as nossas Bolsas de Valores chegaram a sofrer esse impacto. Veja V. Exª que isso fez disparar a cotação do dólar nos contratos chamados "contratos futuros de dólar e juros". A imprensa noticiou que o Banco Central precisou realizar três leilões para conter o preço do dólar nesse mercado de taxas futuras. V. Exª faz bem em chamar a atenção de fato que não poderia passar despercebido, partindo da premissa daquela identificação que havia entre o ex-Ministro Domingo Cavallo e a nossa economia. Já o atual Ministro, Sr. Roque Fernández, declarou que se ia processar uma maxidesvalorização. Ora, se houver uma maxidesvalorização do peso, é evidente que haverá uma crise de confiança no mercado financeiro internacional com relação à América Latina. Mas o Banco Central será obrigado a rever a sua política de juros e de câmbio, porque, atualmente, como V. Exª registrou, há similitudes entre Argentina e Brasil. Isso tem fundamento, porque, antes de o próprio Cavallo saber que estava exonerado, veio um portador pessoal ao nosso País fazer essa comunicação. De modo que sinto, na manifestação de V. Exª, uma contribuição. Inclusive, V. Exª não chega a ser um pessimista total, pois acaba de anunciar um dado altamente significativo. Penso, Senador Eduardo Suplicy, que V. Exª faz bem em ocupar a tribuna para prestar essa contribuição, que é eqüidistante de qualquer conotação política partidária e somente voltada no sentido de que não tenhamos aqui uma crise semelhante, primeiro, à do México e, depois, à da Argentina.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Agradeço as ponderações de V. Exª, Senador Bernardo Cabral.

É importante assinalar que, embora haja similitudes, as diretrizes adotadas pelo Governo brasileiro diferem, de alguma maneira, daquelas do Governo argentino.

O Governo argentino praticamente renunciou à possibilidade de fazer uma política monetária em virtude de adotar a paridade fixa e rígida, de 91 para cá, entre o peso e o dólar. Isso foi inspirado numa reforma do sistema monetário argentino de décadas atrás, que teve um efeito positivo para o País. Conseqüentemente, eles quiseram renovar a experiência, ainda que se submetessem a grandes riscos, que agora estão sendo notados.

O Governo brasileiro preferiu alguma flexibilidade. Com relação à definição da taxa de câmbio procurou fazê-la com razoável rigidez e alguma maleabilidade. E, com o passar dos tempos, temos visto que o Governo permite a flutuação da taxa de câmbio - ainda que não tenha recobrado um valor que pudesse ser considerado razoável. Os diagnósticos de muitos economistas é de que continua com uma certa sobrevalorização do real em relação ao dólar, causando, com isso, a necessidade - uma vez que as exportações não são suficientemente estimuladas e as importações o são -, de um lado, de criar outros incentivos a exportações e outras barreiras às importações, e, por outro, para compensar um saldo negativo na balança de pagamentos, na balança comercial. O Governo acaba equilibrando a balança de pagamentos através do estímulo ao ingresso de capitais de risco e, sobretudo, aos capitais de curto prazo, oferecendo taxas de juros extremamente elevadas. E nisso há um agravante: taxas de juros elevadas deprimem o investimento e diminuem as oportunidades de emprego, o que resulta em taxas de desemprego tão altas.

Então, o que se passa na Argentina deve servir de alerta para o Governo brasileiro, para que esteja atento a formas de compatibilizar o objetivo importante de estabilidade da moeda com o crescimento da economia, do emprego e a melhoria da distribuição de renda.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/08/1996 - Página 13450