Discurso no Senado Federal

CRITICAS DO CIENTISTA POLITICO E SOCIOLOGO FRANCES ALAIN TOURAINE, A ALIANÇA DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO COM OS PARTIDOS DE DIREITA, A ATUAÇÃO DO PSDB E DA OPOSIÇÃO BRASILEIRA, PUBLICADAS PELO CORREIO BRAZILIENSE E FOLHA DE S.PAULO, POR OCASIÃO DO ENCONTRO PELA HUMANIDADE E CONTRA O NEOLIBERALISMO PROMOVIDO PELO EXERCITO ZAPATISTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL, NO MEXICO. REITERANDO APELO AO PRESIDENTE DA REPUBLICA PARA VIABILIZAR O PROGRAMA DE GARANTIA DE RENDA MINIMA. IMPORTANCIA DO CENSO AGROPECUARIO E POPULACIONAL REALIZADO PELO IBGE.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PARTIDARIA. POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • CRITICAS DO CIENTISTA POLITICO E SOCIOLOGO FRANCES ALAIN TOURAINE, A ALIANÇA DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO COM OS PARTIDOS DE DIREITA, A ATUAÇÃO DO PSDB E DA OPOSIÇÃO BRASILEIRA, PUBLICADAS PELO CORREIO BRAZILIENSE E FOLHA DE S.PAULO, POR OCASIÃO DO ENCONTRO PELA HUMANIDADE E CONTRA O NEOLIBERALISMO PROMOVIDO PELO EXERCITO ZAPATISTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL, NO MEXICO. REITERANDO APELO AO PRESIDENTE DA REPUBLICA PARA VIABILIZAR O PROGRAMA DE GARANTIA DE RENDA MINIMA. IMPORTANCIA DO CENSO AGROPECUARIO E POPULACIONAL REALIZADO PELO IBGE.
Publicação
Publicação no DSF de 03/08/1996 - Página 13464
Assunto
Outros > POLITICA PARTIDARIA. POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, DECLARAÇÃO, SOCIOLOGO, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA, INFLUENCIA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, BRASIL, ASSUNTO, UNIÃO, GOVERNO, PARTIDO POLITICO, POLITICA PARTIDARIA, ESTADO DE DIREITO, DESIGUALDADE SOCIAL, TENSÃO SOCIAL, AMBITO INTERNACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, MEXICO.
  • ANALISE, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, MEXICO, ARGENTINA, FALTA, ATENÇÃO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, ADVERTENCIA, GOVERNO BRASILEIRO, REFORÇO, POLITICA SOCIAL.
  • EXPECTATIVA, APROVAÇÃO, GOVERNO, PROJETO DE LEI, GARANTIA, RENDA MINIMA.
  • APOIO, CENSO DEMOGRAFICO, CENSO AGRICOLA, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE).

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os bons amigos falam as coisas com sinceridade. Os amigos que realmente dão atenção, mesmo quando de fora, para as coisas do Brasil, obviamente, quando falam - ainda mais levando em conta a sua qualificação, a sua história de amizade -, tão maior é o valor das suas palavras e das suas advertências. Refiro-me ao cientista político e sociólogo francês Alain Touraine, que muitas vezes deu demonstrações de ser, de fato, amigo e mentor intelectual do Presidente Fernando Henrique Cardoso, desde quando ambos lecionavam na Sorbonne, em Paris, e nas diversas ocasiões em que visitou o Brasil, antes de o Presidente Fernando Henrique Cardoso ter assumido a Presidência.

Depois que o Presidente assumiu, o cientista aqui veio dialogar com ele, dando-lhe grande força. E foi com essa extraordinária qualificação que Alain Touraine concedeu entrevista aos jornalistas que se encontram na cidade de La Realidad, uma vila na selva de Chiapas, no sul do México, para participar do Encontro pela Humanidade e contra o Neoliberalismo. Justamente ele, que está participando deste encontro, promovido pelo Exército Zapatista de Libertação Nacional, em conversa aberta e franca com os jornalistas, fez algumas afirmações que merecem ser registradas, para nossa reflexão.

Eis o que publicou o jornal Correio Braziliense:

Alain Touraine considera o Governo brasileiro débil politicamente, classificou de "ambígua" a aliança com os partidos que considerou de direita e ainda criticou o PSDB, partido do Presidente: "O problema é que o PSDB é pura m., não existe como partido," disse ele. Não sei exatamente qual a palavra que deve aí ser colocada, mas pode-se entender.

      "A aliança com a direita é ambígua, mas não chega a ser catastrófica, porque foi feita com partidos já estabelecidos e tem como objetivo favorecer a manutenção do estado de direito. O problema é que entre as oligarquias que apóiam o Governo já surgem sinais de insatisfação, como é o caso da elite paulista," disse Touraine.

      O sociólogo francês considera que na atual situação o amigo brasileiro já fará um bom Governo se, sem falar em grandes reformas, conseguir pelo menos manter o estado de direito no País. Ele lembrou a chacina dos sem-terra em Eldorado dos Carajás, no Pará, como um exemplo de violação dos direitos no Brasil. "É preciso que não se mate mais gente como no Pará. Falei com Fernando Henrique Cardoso e ele disse que era problema da polícia estadual, mas não interessa saber quem mandou. Isso é inaceitável."

      Touraine, que esteve no Brasil há algumas semanas para uma reunião no Itamaraty, disse que a base para Fernando Henrique Cardoso fazer um bom Governo é o fortalecimento do poder central do Estado e a diminuição da desigualdade social na população. Ele lembrou que o Brasil é um dos países com o maior desnível social do mundo.

      "O Brasil não poderá sobreviver se continuar sendo o campeão da desigualdade social", advertiu.

Ora, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nós temos aqui alertado, insistido, dito tantas vezes quanto avaliamos necessário: o Brasil, que nos dá tantas alegrias quando ganhamos medalhas de ouro nas Olimpíadas ou mesmo medalhas de prata e de bronze, que nos honram, que tantas alegrias dá ao povo brasileiro quando se torna tetracampeão mundial do futebol, obviamente nos entristece por agora sermos bicampeões mundiais da desigualdade. Como eu gostaria de ver o Presidente Fernando Henrique Cardoso, diariamente, convocando os seus Ministros para ver a solução sobre como resolver o problema da desigualdade e da miséria! Mas sinto que, passado um ano e oito meses do seu Governo, até agora não é essa a pauta principal. É nesse contexto que ressalto essas palavras de seu amigo fraterno, Alain Touraine.

É verdade que Alain Touraine - para ser justo até comigo próprio, como Senador do Partido dos Trabalhadores - também fez críticas ao Partido dos Trabalhadores, e é adequado que as cite da mesma maneira que citei as críticas ao Presidente.

      Mas não faltaram críticas também para a oposição brasileira. Embora tenha tido uma visão positiva a respeito de Luiz Inácio Lula da Silva, Touraine acha que o ex-candidato do PT à Presidência não conseguiu unificar as esquerdas.

      "O PT não existe, é formado por uma série de grupos e frentes que não se entendem. É tão débil quanto o Governo", disse Touraine, na presença do ex-Secretário Nacional do nosso Partido e, hoje, um dos principais membros da Executiva Nacional, Gilberto Carvalho.

É importante que ouçamos a avaliação crítica de um cientista do porte de Alain Touraine, para nossa reflexão, em termos de partido:

      "À frente de uma lata da sardinhas e pão, o filósofo francês comia vorazmente enquanto deu a entrevista aos brasileiros, já na madrugada de ontem em La Realidad. Disse que chegou ao encontro dos zapatistas achando que o movimento não era tão importante e atribuindo a atração da esquerda mundial pelos zapatismo a um envolvimento emocional, mas depois de conversar com o subcomandante Marcos passou a achar que o zapatismo "tem a capacidade inovadora de buscar soluções mais abertas para a luta política".

      "Eles não querem o poder, mas não entrar na política é impossível, já estão fazendo política. Os zapatistas não seguem nenhum modelo internacional. Vincular movimentos radicais com a democracia na América Latina é uma coisa totalmente nova", elogiou, dizendo não acreditar na criação de um partido zapatista, mas na participação autônoma deles na vida pública por meio de frente de oposição. "As metas dos zapatistas parecem contraditórias, mas em meio mundo há movimentos sociais independentes da luta pelo poder. Não há sistema político no México" disse Touraine.

Qual foi a reação política? A reação do Presidente Fernando Henrique Cardoso às observações do sociólogo francês Alain Touraine foi de quem não quer ver as coisas.

      "O Presidente não acredita que estes comentários tenham sido ditos dessa maneira" disse o Porta-Voz da Presidência, Embaixador Sérgio Amaral.

      Para Fernando Henrique, possivelmente, alguns dos comentários não tenham sido feitos neste contexto. "É preciso ver a transcrição do que foi dito", insistiu o Embaixador, acrescentando: "Possivelmente, algumas delas estão fora de contexto."

O Presidente não quer levar em conta, mas as críticas têm grande fundamento. Essa entrevista foi ouvida por jornalistas de muitos jornais brasileiros; portanto, fica difícil ao Porta-Voz, Embaixador Sérgio Amaral, dizer que não terá sido verdade o que falou Touraine.

Estava lendo o Correio Braziliense; porém, abrindo a Folha de S.Paulo, verifiquei que essa também é uma das principais matérias do jornalista Emanuel Neri, que foi ao México participar do Encontro promovido pelo Exército Zapatista de Libertação Nacional, que inclusive contou com a participação de Luiz Inácio Lula da Silva.

Vejamos se, porventura, Emanuel Neri anotou de forma diferente. Vou citar as palavras de Alain Touraine:

      "O sistema político do Brasil é débil. O presidente tem poucos poderes."

      "Para Touraine, o país "necessita do fortalecimento do seu poder central". Criticou a "aliança ambígua" feita por FHC com partidos conservadores para se eleger.

      Segundo Touraine, a aliança que elegeu FHC não chegou a ser "catastrófica", porque tinha como base a manutenção do estado de Direito no Brasil."

Aliás, é importante assegurar o estado de Direito.

      "Mas, segundo ele, FHC começa a perder apoio de parte da "oligarquia que o elegeu, como a elite empresarial paulista".

      Em seguida, fez a crítica ao PSDB, ao falar da fragilidade da base política do Presidente."

      "Touraine disse que FHC está diante de três grandes desafios. O primeiro é a manutenção do estado de Direito. "Que não se mate mais gente, como no Pará", disse, referindo-se ao massacre de 19 sem-terra, em maio passado.

      "Isso é totalmente inaceitável", afirmou. Touraine disse ter conversado com FHC sobre o episódio, e que o presidente responsabilizou a Polícia Militar do Pará.

      O segundo desafio para FHC, disse, é o fortalecimento do poder central do Estado. Quer mais poder para FHC. Por último, defende menor desigualdade social."

      "O Brasil não pode continuar sendo campeão em desigualdade social", disse. "O Brasil, no momento atual, tem mais miséria do que o México", afirmou.

      Por último, Touraine criticou o PT. Apesar de dizer que Lula foi um fator "positivo" para o movimento sindical, afirmou: "O PT não conseguiu unir as esquerdas. Não existe como partido. É uma série de facções e é tão débil quanto o governo". Gilberto Carvalho, secretário de comunicação do PT, estava sentado a seu lado.

      Touraine disse ter-se "emocionalmente envolvido" com os zapatistas. "Encontrei aqui uma capacidade inovadora na busca de soluções", afirmou. Ele não considera os zapatistas guerrilheiros.

      "Eles só foram guerrilheiros por quatro dias", disse, referindo-se ao período de confronto entre o EZLN e os militares do México.

      Touraine disse que as mudanças no México, como a reforma eleitoral, são feitas graças às pressões dos zapatistas. Acredita que o movimento fará "transição rápida da luta armada para a política".

      Mais tarde, o subcomandante Marcos, Líder do EZLN, negou essa transição. "Nós não vamos ser um partido para disputar eleições, que no México não são livres."

      Marcos previu que o governo mexicano deve "endurecer" a repressão a eles, caso não haja apoio internacional ao movimento.

      "O governo está esperando nosso desgaste para dar o golpe final", disse, ao lado da ex-Primeira-Dama da França, Danielle Mitterrand."

Por que surge um movimento como o Exército Zapatista, em Chiapas? Exatamente porque o governo mexicano não estava conseguindo enfrentar o problema da desigualdade social. Era um governo que, inclusive, estava sendo adulado. O governo anterior do México estava sendo considerado pelos Estados Unidos, pelo Banco Mundial, pelo Fundo Monetário, por inúmeros economistas no Brasil como um exemplo a seguir. Mas ali estava o sinal, em Chiapas, de que o governo mexicano, assim como outros, se preocupava mais com a criação de condições para o objetivo da acumulação do capital, para o objetivo da realização de lucros, principalmente para aqueles que já detêm grande poder econômico, sem ver o outro lado do crescimento, que é tão importante. O crescimento civilizado precisa levar em conta a relação entre todas as pessoas, todos os seres humanos. É preciso que haja equilíbrio na distribuição da renda e da riqueza, é preciso que haja atenção para com a erradicação da miséria.

Se o Ministro Domingos Cavallo, na Argentina, caiu com manifestações de rua, protestando com respeito ao desemprego tão alto, à sua falta de atenção para com a desigualdade, aqui no Brasil esses fenômenos deveriam ser vistos como um alerta.

O Presidente Fernando Henrique Cardoso tem uma história. Sinceramente, estranho que, até o presente momento, não dedique mais energia, maior vigor, a políticas de transformação dessa realidade.

Tenho tentado conversar com o Presidente Fernando Henrique sobre esse tema, sobre a possibilidade de seu Governo implementar um instrumento reconhecido pelos economistas de todo o mundo, de todas as correntes, como aquele que mais eficazmente poderia contribuir para erradicar a miséria, o Programa de Garantia de Renda Mínima. O Presidente vai sempre adiando esse diálogo. Mas está previsto para o dia 7, quarta-feira próxima, a votação do projeto na Comissão de Finanças da Câmara dos Deputados.

Ontem à noite, por duas horas, conversei com três representantes do IPEA: Fernando Rezende, Presidente, Mariano Macedo, Chefe da Assessoria de Política Econômica, e Ricardo Varsani, economista. Estão estudando, por determinação do Ministro Antônio Kandir, quais as possíveis proposições para aperfeiçoar e indicar ao Relator Germano Rigotto. Disseram-me que até terça-feira, no máximo, estarão formulando eventuais sugestões para adequar e viabilizar o Programa de Garantia de Renda Mínima na visão do Executivo.

Espero que o Governo aja com rapidez e que procure não adiar, por quaisquer instrumentos, a votação dessa matéria. Espero que o Governo dê à questão a prioridade devida, ainda mais diante da situação concreta de desigualdade extraordinária, que qualquer cidadão brasileiro pode ver ao sair às ruas ou no campo, no interior do País.

O Presidente Fernando Henrique Cardoso que, muitas vezes, dedica boa parte de seu tempo e de sua energia a observar experiências de outros países, precisa se dar conta e olhar mais para dentro de nosso País. Na hora em que um amigo como Alain Touraine fala coisas tão sérias, Sua Excelência, antes de dizer, pelo seu porta-voz, que não acredita naquelas palavras, deveria vê-las como o conselho de um bom amigo, semelhante aos que nós, da oposição, temos dado, como amigos do Presidente e, sobretudo, do Brasil.

Sr. Presidente, gostaria de, na conclusão, falar da importância do trabalho que o IBGE está realizando neste mês de agosto, ao promover um censo agropecuário e populacional. Considero da maior importância que o povo brasileiro dê todo o apoio a este censo, em que pesquisadores do IBGE estão percorrendo o Brasil inteiro, perguntando aos agricultores, aos proprietários de terra, às pessoas em geral no País sobre a sua condição sócio-econômica.

Infelizmente, durante o Governo Fernando Collor de Mello, não se deu a importância necessária ao trabalho do IBGE, a ponto de ter havido o atraso na realização do censo que deveria ter sido realizado em 1990, e só em 1991 o foi. Agora, sabemos que o IBGE, pelo economista Simon Schwartzman, que o preside, está querendo realizar um trabalho sério. Para que tenhamos um quadro completo da realidade social brasileira, das desigualdades, é muito importante que esse trabalho tenha todo o apoio do Executivo, do Congresso Nacional e da população brasileira.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/08/1996 - Página 13464